Entrada da comunidade nativa Flor de Coco, localizada na zona de influência indireta da Perenco e a mais próxima pela rota fluvial do rio Arabela. Foto: Pamela Huerta/InfoAmazonia
A estação seca dos rios amazônicos no Peru deveria ter terminado em outubro, mas era início de novembro e seus níveis ainda estavam baixos. Navegá-los era difícil, mas o destino eram as comunidades indígenas de Buena Vista e Flor de Coco, no departamento de Loreto; as duas únicas comunidades da etnia Arabela em território peruano e as mais próximas da área de influência direta e indireta das concessões da Perenco Perú Petroleum Limited na floresta amazônica.
Não há transporte público ou privado com rotas regulares que cheguem a essas comunidades. E a entrada na mata pode levar dois dias, a partir de Iquitos ―capital da região de Loreto―, em meio de transporte fluvial de capacidade média; podendo chegar a uma semana em peque-peque, um pequeno barco de madeira de uso cotidiano para os membros da comunidade.
Nesse território distante, inacessível e que deveria ser protegido por causa da presença de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIACI, por sua sigla em espanhol), segundo o Ministério da Cultura do Peru (Mincul), a Perenco acumula 58 infrações contra o meio ambiente em 10 processos de sanção administrativa, os quais conseguiu manter escondidos da população indígena diretamente afetada. Estes são os resultados de uma investigação realizada sobre as atividades da empresa franco-britânica em todo o mundo pela InfoAmazonia, em colaboração com o consórcio internacional de jornalistas investigativos ambientais EIF, InfoCongo, Convoca e Mediapart.
O que a Perenco não contou
A Perenco é uma empresa de hidrocarbonetos estabelecida no Peru desde 2008, quando assinou seu primeiro contrato com o Estado peruano para a concessão do bloco 67. Naquele momento, essa área de exploração de petróleo tinha 150.277 barris comprovados de petróleo bruto. O projeto foi consagrado pelo ex-presidente Alan García como um “milagre” para o país, exaltando o torvelinho do desenvolvimento e ignorando os direitos dos povos indígenas que habitam esses territórios ―Kichwas e Arabelas principalmente.
“Temos certeza de que os próximos dois ou três anos permitirão que o país volte a ser exportador de petróleo, 20 anos depois que deixou esse posto”, disse o falecido presidente em 2009, após a visita de François Perrodo, presidente da Perenco, à sede do governo para anunciar um investimento de mais de 2 bilhões de dólares no desenvolvimento de seu campo de petróleo.
Mas esse desejo de prosperidade teve um custo adicional: a violação dos direitos dos povos indígenas. Apenas quatro dias depois da visita de Perrodo ao Peru, e em meio a um dos conflitos sociais mais sangrentos da Amazônia nos últimos tempos, o Baguazo, o governo publicou o Decreto Supremo nº 044-2009-EM declarando ser “de necessidade e interesse nacional o desenvolvimento do projeto do bloco 67”. Isso possibilitou flexibilizar diretrizes ambientais e omitir processos administrativos fundamentais para um projeto de tal magnitude.
Um estudo sobre a atuação das petroleiras Perenco e Maurel, elaborado pelo Centro Amazônico de Antropologia e Aplicação Prática (CAAAP) e CooperAcción, organizações da sociedade civil, em 2016, mostrou como na concessão do bloco 67 foi omitida a consulta prévia para impor o conceito de servidão de ocupação. Dessa forma, foi ignorado um direito reconhecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em troca de compensação financeira. Tampouco foram implementados mecanismos de participação adequados para as comunidades envolvidas, colocando-as como simples receptoras de informação.
De acordo com a CAAAP, nem a identificação de impactos socioambientais nem a execução de medidas de mitigação foram garantidas. Os parâmetros de gestão ambiental são estabelecidos para mensurar o possível impacto ambiental de um determinado empreendimento. Na mesma linha, os estudos de impacto ambiental (EIA) não definiram corretamente as áreas de influência direta e indireta e, ainda, ignoraram a adoção de medidas cautelares para resguardar os direitos dos PIACI.
Sobre esse último ponto, cabe esclarecer que a Organização Regional dos Povos Indígenas do Leste (ORPIO, por sua sigla em espanhol) havia solicitado o reconhecimento da reserva PIACI Napo-Tigre em 2005, três anos antes de a Perenco assumir a concessão do empreendimento. Além disso, a Defensoria havia se manifestado contra qualquer tipo de atividade econômica dentro do território, pelo menos até que o corredor de trânsito dos indígenas em isolamento ou recente contato fosse delimitado.
“Não se deve conceder o direito de uso por terceiros dos recursos contidos em seus territórios sem antes serem demarcadas as zonas de amortecimento das referidas áreas”, indicava o parecer 101-2006 da Defensoria.
Para a comunidade indígena de Buena Vista, a chegada da petroleira representou prosperidade. As famílias se beneficiaram direta e indiretamente do fluxo econômico gerado pelo projeto em seu território. As casas começaram a ser construídas com material nobre, as estradas de terra ganharam calçamento, novos negócios foram abertos e empregos foram criados para os membros da comunidade. Tudo parecia indicar que uma relação mutuamente benéfica seria mantida.
Em uma assembleia comunitária da qual a equipe da InfoAmazonia participou em outubro deste ano, eles disseram sentir que, por fim, alguém havia se lembrado deles.
Em paralelo a esse cenário, a Perenco acumulou processos de sanções administrativas na Agência Peruana de Avaliação e Controle Ambiental (OEFA, por sua abreviação em espanhol) por descumprir os parâmetros estabelecidos nos instrumentos de gestão ambiental, diretrizes de qualidade ambiental e exceder os limites máximos admissíveis em diversas operações.
Pilar Cabrera, presidenta da Federação das Comunidades Indígenas do Alto Curaray e Arabela (Feconaca, por seu nome em espanhol), disse ter ficado surpresa ao ser entrevistada para esta reportagem, pois apesar de manter contato direto com a Perenco, a empresa nunca os informou sobre possíveis efeitos ambientais.
“Eu não estou ciente das sanções contra a Perenco por poluição. A comunicação sempre foi meio vazia nesse aspecto, nunca tivemos detalhes do que estava acontecendo. Sempre tivemos contato direto, mas essas questões nunca foram abordadas”, comentou a líder Arabela.
De acordo com dados do Cadastro Único de Infratores Ambientais Sancionados (RUIAS, por sua abreviação em espanhol) da OEFA, obtidos através da plataforma Convoca Deep Data, nossa equipe pôde determinar que a Perenco foi considerada responsável por 58 comportamentos infratores em 10 procedimentos de sanções administrativas entre 2015 e 2022. Dentre elas, 32 infrações (55,17%) por descumprimento de instrumentos ambientais, 11 (18,9%) por exceder os limites máximos admissíveis na emissão de gases (efluentes domésticos, fósforos, óxido de nitrogênio), 6 (10,3%) por armazenamento inadequado de resíduos e produtos químicos, 4 (6,9%) por derramamentos de óleo, 3 (5,17%) por não fornecer dados ambientais completos e 2 (3,4%) por contaminar a água.
Como resultado, a empresa acumulou multas no total de 1.389.271,95 soles (moeda peruana) ou, aproximadamente, 400 mil dólares. Existe ainda a ordem para implementar 16 medidas corretivas. No entanto, as sanções econômicas foram impostas apenas a 47% do total de infrações, uma vez que a empresa franco-britânica se baseou na Lei nº 30230, em troca da implementação de medidas corretivas. Esse regulamento buscava promover o investimento privado, limitando o poder sancionador da OEFA e colocando a instituição como mera supervisora de possíveis danos ambientais.
A Perenco cometeu 58 infrações ambientais no lote 67, entre 2015 e 2022. Mais da metade por descumprir instrumentos ambientais, e o restante por exceder limites máximos na emissão de gases, armazenamento inadequado de resíduos e produtos químicos, derramamentos de petróleo, fornecer dados ambientais incompletos e contaminação da água.
“A esse respeito, especificamente em relação aos casos em que não foram aplicadas multas diante da prática de condutas infracionais detalhadas, é pertinente apontar que isso se deve ao fato de o procedimento de sanção administrativa correspondente ter sido processado no âmbito de aplicação do artigo 19 da Lei nº 30230; por tanto, nenhuma sanção pecuniária foi imposta –até a presente data–, com relação aos referidos comportamentos infracionais”, esclareceu a OEFA para nossa equipe.
No encerramento desta publicação, verificou-se que a Perenco possui dois processos de sanção administrativa adicionais, de 2017 e 2022, que aguardam resolução. Se confirmadas, a Perenco teria 12 procedimentos de sanção administrativa e mais de 60 infrações.
A reportagem da InfoAmazonia entrou em contato com a empresa para questioná-la sobre os efeitos socioambientais que deixou em sua passagem por Loreto, mas eles se limitaram a responder as seguintes linhas.
“A Perenco está no Peru como operadora desde 2008 e se orgulha de ter desempenhado seu papel no desenvolvimento bem-sucedido do bloco 67, um projeto declarado de importância nacional pelo governo peruano. O bloco 67 foi desenvolvido em uma escala incrivelmente pequena para minimizar seu impacto ambiental. O bloco 67 não produz desde o fechamento do Oleoduto Norperuano (ONP)”, argumentou o porta-voz da empresa.
A percepção do dano
Jack Jimo é um cidadão Arabela da comunidade de Buena Vista e fiscal ambiental no bloco 67 desde 2010. Ele é um homem atarracado, sério e com uma postura a favor do “progresso” que a Perenco trouxe. Seu trabalho era supervisionar as operações dentro e ao redor dos postos designados a ele. Fazia turnos de 28 dias de trabalho e 28 de descanso e conta que sempre esteve atento ao cumprimento dos parâmetros estabelecidos no instrumento de gestão ambiental com o qual havia sido treinado; no entanto, reconhece que tinha limitações para realizar seu trabalho.
Uma vez teve que reportar problema no escoamento do esgoto em um córrego próximo ao Campo Dorado, um dos três depósitos do bloco 67. A obstrução ocorria devido à passagem de máquinas pesadas pelo canal e, como consequência, meio hectare ao seu redor havia sido afetado. “A ravina estava fechada porque muitos caminhões estavam passando. Isso secou tudo, estava sem vida, mas foi remediado. Abriram a vala novamente, limparam e reflorestaram de novo”, relata Jimo, confirmando que os resíduos são descartados em córregos que acabam no rio Arabela.
Uma das infrações recorrentes da Perenco está relacionada aos efluentes domésticos. De maneira simples, trata-se de água suja advinda de banheiros e cozinhas. De acordo com os arquivos aos quais a nossa equipe teve acesso, em pelo menos seis ocasiões foram ultrapassados os limites máximos admissíveis em parâmetros como potencial hidrogeniônico (pH), fósforo, óleos, gorduras, nitrogênio amoniacal, cloro residual, demanda química de oxigênio (DQO), demanda bioquímica de oxigênio (DBO5), coliformes totais e coliformes fecais.
Entre 2012 e 2013, o biólogo Jefferson Eras realizou um estudo hidrobiológico no rio Arabela. Na ocasião, foram feitos testes químicos e físicos, mas ele diz que não conseguiu acesso aos relatórios finais. Contudo, tem certeza de que os resultados indicaram danos por metais pesados nos peixes da bacia. “Outro estudo foi feito, quando já se via o efeito da contaminação nos peixes, e descobrimos que eles tinham metais pesados dentro do corpo. Isso faz com que eles tenham cabeças maiores e corpos mais curtos. Naquela época, emitimos uma lista de peixes para evitar o consumo excessivo”, lembra.
A última sanção que a petroleira franco-britânica recebeu da OEFA foi por não realizar o monitoramento das águas superficiais conforme consta em seu documento de gestão ambiental, durante o segundo semestre de 2019. O material previa a aferição dos componentes externos a este elemento natural para avaliar os parâmetros e identificar ou prevenir um possível impacto ambiental.
Verónica Portugal, engenheira ambiental da Universidad Peruana Científica del Sur (UCSUR), acrescenta que a falta de transparência da Perenco é evidenciada pela ausência de informações nos relatórios de supervisão de derramamentos entregues às autoridades correspondentes, mas também pela falta de ações preventivas.
“Os processos têm que ser regulados. Nesse caso, mais do que exceder os limites máximos permitidos, há um problema preventivo, porque não foi feito o monitoramento da água, do ar… Então você não sabe se está gerando algum tipo de problema ou não. Não dá para medir o impacto no meio ambiente”, alerta a especialista.
Jack Jimo lembra que uma empresa de serviços externos ia periodicamente monitorar a água, o ar e o solo na área. Ele e outros fiscais ambientais participaram da coleta de amostras para essa avaliação e, embora tenham solicitado inúmeras vezes, os resultados nunca chegaram às suas mãos.
“A empresa vinha fazer os estudos, nós os acompanhávamos para fazer a amostragem, todos nós fazíamos a coleta. Eles as levavam ao laboratório e entregavam os resultados à Perenco, mas nunca soubemos o que diziam. A gente pedia, mas a Perenco sempre dizia que o relatório não tinha chegado”, explica o fiscal.
A negligência com os corpos d’água foi agravada por derramamentos de óleo. Embora os registros dos processos administrativos determinassem que não havia impacto direto nas zonas habitadas da área de influência direta e indireta do projeto, a empresa nunca assumiu o problema de fato, acumulando cinco vazamentos entre 2014 e 2020.
“A Perenco não adotou as medidas para evitar os impactos ambientais no solo da região dos poços do CPF de Piraña e da área de flare do bloco 67, gerados pelos derramamentos de petróleo bruto. Da mesma forma, não foi realizado o armazenamento adequado dos resíduos sólidos perigosos, produto da limpeza das áreas impactadas pelos derramamentos de óleo”, descreve a OEFA no relatório que detalha o vazamento ocorrido entre os dias 11 e 12 de fevereiro de 2014.
Isso se repetiu até 2019.
“A Perenco não adotou medidas de prevenção a fim de evitar a geração de impactos ambientais negativos em função do derramamento de óleo cru ocorrido em 13 de setembro de 2019, na Zona de Processos do CPF do bloco 67, gerando potenciais danos à flora e à fauna”, alertou novamente a OEFA em outro relatório, revelando um padrão nas ações da empresa.
Condutas infratoras associadas a possíveis danos ao ar e ao solo foram outra constante.
Dentre os procedimentos, foram identificadas transgressões nos limites máximos admissíveis às emissões gasosas do flare, um processo de queima de gases excedentes decorrentes da exploração de hidrocarbonetos. Benzeno, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e outros. “Ultrapassou os limites máximos admissíveis para emissões gasosas”, apontam as descrições de condutas infratoras sancionadas pela OEFA cerca de 8 vezes. Algo que vem acompanhado pelo não cumprimento do monitoramento de emissões de gases.
A resignação de um povo
O barco parte da comunidade de Buena Vista para continuar pelo rio Arabela. Há dúvidas sobre o trajeto. O nível da água caiu tanto que a embarcação encalhou três vezes tentando contornar troncos enormes que atravessavam o canal. Por fim, chega-se à Flor de Coco, território que, se houver um vazamento de petróleo que atinja as águas do rio, seria o primeiro afetado. De um pequeno cume de rocha pedregosa, Orlando Rosero, um sábio de 64 anos, nos cumprimenta em sua língua nativa e pergunta porque viemos. A equipe explica que se trata de uma investigação jornalística sobre a Perenco e seu rosto fica desapontado.
“Sempre fomos vistos como uma comunidade de influência indireta. Eu não sei por quê! Primeiro porque nós, que vivemos na antiga Buena Vista, onde Perenco está agora, viemos morar aqui primeiro, como um anexo da nova Buena Vista. Por quê? Porque na nova Buena Vista não havia terreno alto suficiente para que todos pudéssemos fazer nossa casinha. Você sabe que lá atrás é um grande pântano. E que quando inunda, tudo fica alagado. É por isso que viemos para cá. É por isso que eles nos colocam como uma comunidade indireta”, explica Rosero.
Ele começa narrando esse deslocamento porque até 1981 —segundo versões de pessoas do mesmo povo— a comunidade indígena Flor de Coco fazia parte da antiga Buena Vista, o primeiro assentamento Arabela. Elas se tornam duas comunidades diferentes quando decidem sair em busca de insumos. “Antigamente, a sede do povo Arabela ficava a dois dias e meio de distância em peque-peque, porque na região se extrai fósforo, sal, e alguns barcos não conseguem chegar por causa das rochas”, conta Rosero. Hoje ocupam seus novos territórios, divididos em duas comunidades: nova Buena Vista e Flor de Coco. É por isso que se incomodam com a Perenco e o Estado, porque sentem que eles ignoram sua história e origem.
Mas também porque consideram que jogaram com suas expectativas, prometendo-lhes projetos produtivos e acesso à água para consumo humano através da área de relações comunitárias da empresa.
Jerónimo Manihuari é o apu, ou chefe, da comunidade indígena Flor de Coco e afirma que, embora a empresa de hidrocarbonetos tenha vindo com diversas ofertas, nunca fizeram nada. “A Perenco tem dado palestras e apoiado com projetos produtivos, mas o que dizer, nada de assessoria técnica, nada de acompanhamento… Havia uma proposta de água e desague para não tirar água do rio, mas está parada até agora. Isso nunca se tornou realidade”, conta.
Orlando Rosero caminha enquanto responde à entrevista e aponta para estruturas metálicas cheias de ferrugem. “Ali dá para ver as rampas que seriam usadas para colocarem o tanque (de água) que a gente tinha pedido, para poder consumir uma água de melhor qualidade na comunidade. Eles disseram ‘vamos voltar em uma semana’, mas já se passaram dois anos e nunca mais voltaram”, lembra.
De acordo com os relatórios da OEFA, a Perenco não cumpriu em quatro ocasiões as obrigações de responsabilidade social nas comunidades indígenas de Buena Vista, Flor de Coco, Urbina-Rio Curaray, Shapajal e Bolívar. Esses compromissos estavam descritos no instrumento de gestão ambiental da empresa e se referiam a projetos produtivos, capacitações e difusão de informação.
“Nós ficamos decepcionados, todos da comunidade vão dizer que a Perenco nunca esteve conosco. Porém, se a Perenco sair, quem vai nos ajudar? Porque já não vivemos mais da caça e da pesca como sempre fizemos”, completa o apu Manihuari.
O mal necessário
Em meio a acordos e desentendimentos com as comunidades indígenas de influência direta e indireta, estas nunca se colocaram contra a Perenco. No entanto, a empresa tem enfrentado conflitos sociais na área de trânsito das barcaças que transportam o petróleo para a Estação 1 do Oleoduto Norperuano. Na comunidade indígena de San Rafael, que está localizada na foz do rio Curaray, a cerca de 8 horas da área de influência direta e indireta da petroleira, as paralisações eram frequentes e chegaram a durar meses.
Essa situação, segundo a Perenco, levou a empresa a paralisar suas operações em outubro de 2022. De acordo com os membros da comunidade, ferramentas e máquinas têm sido levadas e, o mais chocante, os trabalhadores estão desaparecendo.
Pilar Cabrera, presidenta da Feconaca, diz que isso tem gerado um grande impacto nas comunidades. “A saída da Perenco traz consequências, porque os jovens estão deixando suas casas por causa da pouca renda de seus pais sem a empresa. Eles pararam de estudar, saíram para procurar trabalho, migraram. Os que ficaram são, em sua maioria, pessoas mais velhas; todos os jovens já foram embora”, comenta com preocupação.
Em setembro de 2023, representantes da Perenco convocaram uma assembleia com as comunidades indígenas de Buena Vista e Flor de Coco para informá-las das razões pelas quais tiveram que “abandonar” o projeto. Foram dados três motivos: os constantes conflitos sociais, representados por paralisações e protestos sociais; a falta de garantias do Estado para que possam operar; e a ameaça representada pela criação da reserva PIACI Napo-Tigre para seus investimentos.
Até o momento, a Perenco não solicitou formalmente a interrupção das operações no bloco 67 e nem apresentou um plano de abandono. A Perupetro, empresa estatal encarregada de promover, apoiar e fiscalizar contratos de hidrocarbonetos no Peru, esclareceu que os contratos de exploração da empresa franco-britânica permanecem vigentes para os blocos 67 e 39. A respeito deste último, a concessão está inoperante desde 2014, e ambos estão sob estado de “força maior”. Isso significa que a empresa argumentou que está sendo afetada por fatos inesperados que a impedem de arcar com suas obrigações.
Para uma empresa de hidrocarbonetos que se orgulha de defender a sustentabilidade, a Perenco deixa muitas dúvidas sobre sua preocupação com os ecossistemas que cercam suas operações na Amazônia. E como o especial Perenco System tem mostrado, o mesmo ocorre na África e em suas atividades globais que se sobrepõem a mais de 74 áreas protegidas ao redor do mundo. Por um lado, devido à opacidade com que a empresa lida com suas condutas infratoras. Mas, acima de tudo, pela falta de vontade para monitorar os indicadores ambientais. Como os membros da comunidade na área de influência direta e indireta podem saber se estão ou não sendo afetados se não existem dados que determinam como estava a água, o ar e o solo antes da empresa chegar e como as condições evoluíram ao longo dos anos?
A presidenta da Feconaca, Pilar Cabrera, critica o Estado por ter abandonado as comunidades Arabela e Kichwa do Alto Curaray, mas também confronta a Perenco por não as ter advertido das consequências das infrações pelas quais a empresa foi sancionada.
“Não é possível que, a essa altura, só quando a Perenco já não está mais operando, a gente descubra que eles cometeram infrações ambientais. E lamento também que, embora tenhamos uma comunicação próxima com a empresa, eles não tenham nos informado sobre o que estava acontecendo. Agora, quantos de nós já tivemos nossos corpos contaminados? Isso nos preocupa muito”, finaliza a líder.
* Tradução para o português: Nina Jacomini.
Equipe da investigação
Local – reportagem: Pamela Huerta; análise de dados: Luis Enrique Pérez; visualização de dados: Carolina Passos; edição: Carolina Dantas; direção: Juliana Mori
Internacional – Alexandre Brutelle e Dorian Cabrol (Environmental Investigative Forum – EIF), Madeleine Ngeunga (InfoCongo), Juliana Mori (InfoAmazonia)
Esta reportagem recebeu apoio do Journalismfund Europe