Ações humanas são as principais causadoras dos incêndios e queimadas na Amazônia em 99% dos casos. O fogo acelera o processo de desmatamento da maior floresta tropical do mundo, que afeta a biodiversidade, populações indígenas e povos tradicionais, além de tornar o ar prejudicial à saúde de 15 milhões de pessoas em metade dos dias do ano.
Em janeiro deste ano, durante atividades do Laboratório de Geojornalismo da InfoAmazonia, conheci o trabalho dos pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que monitoram as cicatrizes de queimadas na Amazônia, Pantanal e Cerrado.
Todos os dias, as imagens de satélite do sensor VIIRS, da NASA, são capturadas e processadas através de um sistema de deep learning, baseado em um conjunto de algoritmos que modela especificamente áreas que foram recentemente queimadas.
Diferente do sistema oficial de medição de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que registra a área de floresta primária desmatada e portanto não calcula mais de uma vez a mesma área.
Com os dados processados pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da UFRJ, o LASA, percebemos que poderíamos identificar não só onde a floresta foi derrubada, mas também onde e quando ela queimou. Os dados estão disponíveis na plataforma Alerta de Área queimada com Monitoramento Estimado por Satélite (ALARMES).
Com apoio científico da coordenadora do LASA, Renata Libonatti, doutora em Ciências Exatas e da Terra, manipulamos os dados de cicatrizes do fogo e realizamos cálculos para áreas de interesse da reportagem. E conseguimos observar a destruição na Amazônia por outras perspectivas, as principais conclusões estão publicadas na reportagem Em dez anos, fogo na Amazônia consumiu área maior que a França.
Toda a análise espacial foi realizada na ferramenta de geoprocessamento e de código livre, QGIS, onde cruzamos dados das camadas de cicatriz do fogo, em formato raster, com polígonos e linhas, como terras indígenas específicas e unidades de conservação específicas, o entorno de rodovias, de áreas públicas e outros.
Identificamos, por exemplo, que na maior parte das áreas incendiadas da floresta foram abertos pastos e lavouras. Comparamos os dados do LASA com a base do MapBiomas, que monitora uso e cobertura do solo, e do INPE.
Veja alguns prints:
Calculando áreas
Para calcular áreas específicas, como fizemos nas glebas públicas ou em territórios indígenas não homologados, como na TI Ituna-Itatá, nós utilizamos a ferramenta “Estatísticas Zonais”, nativa do QGIs, para contar a quantidade de pixels na área de interesse. Considerando que cada pixel equivale a 25 hectares, exportamos os dados em tabelas e calculamos o tamanho das marcas do fogo.
Para esta etapa específica da reportagem, nós contamos com apoio da pesquisadora do LASA Julia Abrantes, mestre em Meteorologia e sensoriamento remoto pela UFRJ, enquanto para áreas de interesse já calculadas pelo laboratório, como unidades de conservação e municípios, por exemplo, trabalhamos com dados já compilados.
No print, a contagem de pixels na TI Ituna-Itatá para o anos de 2017, que identificou 62 pixels (cicatrizes de fogo) que representa 1.550 hectares de áreas com registro de fogo. O mesmo cálculo aplicado sobre a camada de registros de 2022 identificou 233 pontos, que por sua vez significam 23,3 mil hectares incendiados.
Dashboard para guiar reportagem
Para facilitar múltiplas consultas no processo de escrita da reportagem, decidimos preparar um dashboard simples que permitisse fazer comparações entre diferentes áreas dentro de uma mesma categoria fundiária facilitando a aplicação de filtros e de cálculos temporais.
Bases de dados utilizadas
Especialistas
Além dos pesquisadores do LASA, que nos auxiliaram nas questões técnicas sobre o tema da reportagem, também consultamos especialistas que conhecem os dados.
Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, destacou a peculiaridade que o dado de fogo tem em relação aos dados de desmatamento devido aos registros em sobreposição de uma mesma área ao longo da série. Ele destacou as dificuldades do estado brasileiro em realizar ações efetivas de monitoramento, principalmente por falta de pessoal, e por pouca inserção do tema em ações de educação ambiental e programas para auxiliar o manejo do fogo entre os pequenos produtores da região.
O Greenpeace atuou na implantação do modelo de análise do LASA para a Amazônia e também utiliza os dados para seus relatórios e ações de monitoramento.
A pedido da reportagem, o sociólogo Luis Fernando Novoa, que é doutor em Planejamento Urbano e Regional e professor na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), analisou os dados compilados e trouxe uma visão mais crítica sobre a relação dos eventos de fogo na Amazônia com a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para Novoa, o que os dados mostram, principalmente nos municípios da AMACRO e nas áreas de influências das rodovias, é que houve uma sinalização muito clara do governo que teve seus efeitos espelhados nos dados.
E isso fez todo sentido, por exemplo, quando analisamos ano a ano as marcas de fogo na região da BR-319, que foi um dos projetos desengavetados pelo governo Bolsonaro para refazer o asfalto entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM), e que terá que ser debatido pela nova gestão dos ministérios do Meio Ambiente e Transportes.
Animação das cicatrizes na área de influência da BR-319, na região de Realidade, Humaitá (AM)
Fontes consultadas
Nome | Instituição | Lattes | Redes |
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Renata Libonati | LASA | http://lattes.cnpq.br/8713173968634129 | https://www.linkedin.com/in/renata-libonati-184599266/ |
Júlia Abrantes | LASA | https://www.escavador.com/sobre/12076022/julia-abrantes-rodrigues | https://www.linkedin.com/in/julia-abrantes-826b0516a/?originalSubdomain=br |
Luis Fernando Novoa | UNIR | https://www.escavador.com/sobre/6711853/luis-fernando-novoa-garzon | https://www.linkedin.com/in/luis-fernando-novoa-garzon-975732189/?originalSubdomain=br |
Rômulo Batista | Greenpeace | http://lattes.cnpq.br/9816240216618828 | https://twitter.com/RomuloFBatista |
Esta reportagem é parte do Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo, realizado com o apoio do Instituto Serrapilheira, para promover e difundir o conhecimento científico e análise de dados geográficos na produção jornalística.