Grupos criminosos brasileiros se aproveitam de jovens migrantes venezuelanos, especialmente menores desacompanhados, que cruzam a fronteira em busca de emprego.
Por Emily Costa, Mariana Rios e Rodrigo Chagas
Miguel tem um novo emprego. Parece que está gerindo uma cafeteria — no local que supervisiona, um jovem serve café a um grupo de rapazes, todos com menos de 18 anos, sentados em volta de uma mesa de madeira num palmeiral com vista para um pequeno riacho.
Mas os rapazes não estão lá para o café. Estão atrás das drogas.
Miguel* veio para o Brasil saindo de sua terra natal, Venezuela, há seis anos, para escapar da crise econômica, política e humanitária que abala seu país há quase uma década. E sua nova função — administrar um ponto de drogas em Boa Vista, capital de Roraima — é uma recompensa de seu empregador.
O seu empregador é o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção nascida nas prisões de São Paulo na década de 1990, com ramificações em todo o Brasil, ligações com grupos criminosos em países vizinhos e ultimamente uma forte presença na região amazônica. Lá, o PCC se diversificou e encontrou novas formas de se financiar: além do tráfico de drogas, é ativo na extração ilegal de ouro e na pesca clandestina.
Então, como um venezuelano se tornou uma engrenagem de confiança na máquina de uma facção brasileira?
Miguel, um homem carismático de 30 e poucos anos, cruzou a fronteira com o Brasil em 2014, na cidade de Pacaraima, cerca de 200 Km ao norte de Boa Vista. Um ano antes, a economia da Venezuela havia entrado em colapso sob o peso da turbulência política, da corrupção generalizada e do declínio devastador de seu setor de petróleo, que sempre fora a espinha dorsal econômica do país. A situação piorou em 2017, quando os Estados Unidos impuseram sanções financeiras e econômicas, isolando ainda mais a economia em dificuldades da Venezuela, que já estava lidando com a hiperinflação.
Para muitas famílias, não restou muito além da miséria, que fez com que mais de 7 milhões de venezuelanos, especialmente jovens, deixassem o país, desde 2014, de acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Quase 500 mil migraram para o Brasil.
É comum que famílias venezuelanas inteiras durmam dias ou semanas nas ruas de Pacaraima enquanto esperam para obter os documentos que precisam para entrar legalmente no Brasil. Alguns ficam por ali, construindo abrigos improvisados de lona e papelão, porque não têm condições financeiras para continuar sua jornada ou não querem se afastar da fronteira de sua terra natal.
Quando chegou, Miguel passou algumas semanas numa casa com outros venezuelanos, compartilhando o espaço com outras pessoas em trânsito que precisavam de abrigo a preços acessíveis, bem como algumas que estavam envolvidas no tráfico de drogas em pequena e grande escala. Quando a polícia invadiu a casa, ele conta, foi preso junto com outros moradores.
“Eles nos amarraram uns aos outros e nos fizeram andar pelas ruas de Pacaraima. Eu nunca tinha sentido tanta vergonha em toda a minha vida”, diz ele.
Ele acabou na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, onde ficou alojado em um pavimento de celas com líderes do PCC. Eles se consideravam mais civilizados do que os outros grupos, porque respeitavam uma espécie de código de conduta e de apoio mútuo.
Recrutado na prisão pelo PCC, começou a vender drogas para o grupo criminoso depois de ser libertado. Trata-se de um ofício aprendido pelo exemplo. Ele fala da “fraternidade”. “Qualquer um pode falar, até um papagaio pode falar. Agora, quero ver como alguém vive a vida do crime”, reflete.
Carlos Alberto Melotto, promotor de justiça do Ministério Público de Roraima, comenta que os presos venezuelanos são recrutados em presídios por facções brasileiras. Ele disse que os investigadores também detectaram comunicação entre líderes de baixo nível do PCC do Brasil e homens ligados ao Tren de Aragua, um grupo criminoso venezuelano que nasceu na penitenciária de Tocorón, no estado de Aragua, vizinho à capital Caracas e a mais de 1.200 quilômetros da fronteira com o Brasil.
Como o PCC, a organização venezuelana aproveita o fluxo de migrantes para expandir sua influência, estabelecendo alianças para o tráfico de drogas e ouro, além da exploração sexual de mulheres. É uma das principais organizações criminosas da Venezuela, operando não apenas em Roraima, mas em outros estados do Norte do Brasil e, segundo especialistas, tem conexões também na Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
CONVERGÊNCIA DA CRIMINALIDADE
Um lugar onde o tráfico de drogas, o crime organizado e o garimpo ilegal de ouro convergiram foi na Terra Indígena Yanomami, que compartilha uma longa fronteira com a Venezuela a oeste de Boa Vista. Durante décadas, a área tem sido um polo de atração de garimpeiros, mas a presença do PCC chamou atenção especial em 2021, quando membros do grupo se envolveram numa série de ataques a comunidades indígenas da região de Palimiú, que resistiam às invasões de garimpeiros.
Este ano, a área voltou a ser palco de conflitos e assassinatos envolvendo povos indígenas e mineradores. Na primeira semana de maio, houve pelo menos 14 mortes em torno da comunidade indígena de Uxiu, uma área com um grande número de garimpeiros. Entre as vítimas estavam três venezuelanos: dois homens e uma mulher. As mortes ocorreram depois que garimpeiros atacaram os povos indígenas. Três foram baleados e um morreu.
Facções têm Terra Indígena Yanomami como alvo
A proximidade com a capital, Boa Vista, e com Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, faz com que os garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami sejam atraentes para os migrantes venezuelanos e facções que se aproveitam deles.
De acordo com uma pesquisa publicada em 2022 pela Associação Hutukara Yanomami, criminosos brasileiros do PCC infiltraram-se entre os garimpeiros em Roraima, primeiro fornecendo segurança e, posteriormente, se diversificando na gestão de serviços de carga e casas de prostituição. A pesquisa estimou que metade dos cerca de 30 mil habitantes da reserva indígena foram diretamente afetados pela mineração.
O PCC controla agora casas de prostituição e serviços perto de portos de mineração clandestinos e pistas de pouso. Em pontos estratégicos, eles criaram lugares conhecidos como corrutelas — muitas vezes equipados com bares, bordéis e serviço de internet — para receber mercadorias e pessoas.
Foi em um desses lugares que Maria* trabalhava como prostituta em uma área de garimpo perto do Rio Uraricuera, na Terra Indígena Yanomami. Uma mulher atraente com pouco mais de 20 anos, com unhas bem cuidadas e numerosas tatuagens, ela fala, nervosa, de uma cena grotesca que testemunhou. Um garimpeiro tinha pago por sexo e queria forçar uma trabalhadora do sexo a casar com ele e a se dedicar exclusivamente às tarefas domésticas — lavar roupa, cozinhar e fazer sexo.
A jovem, que tinha ido às minas para ganhar dinheiro como prostituta, não queria se casar. Ela reclamou com o “proprietário” da currutela, que executou o homem na frente de todo mundo com um único tiro.
Maria deixou a região depois, mas acabou voltando e começou a se relacionar com um membro do PCC lá. No entanto, a tensão era constante e ela estava pensando em fugir para uma área de mineração mais “voltada para a família”.
‘É MUITO DIFÍCIL NAS MINAS’
Yordan*, um venezuelano de 23 anos que passou seis meses como garimpeiro no Brasil, disse que muitos migrantes vão para as minas através do município de Mucajaí, no sul de Roraima. Atualmente morando em Manaus e trabalhando na construção civil, ele diz que nunca viu atos de violência ou pessoas portando armas de fogo durante seu tempo nas minas.
“A violência lá acontece quando você faz coisas ruins”, diz ele, acrescentando que as pessoas podem ficar longe de problemas “se você trabalhar e não mexer com ninguém.”
Ele enviou parte de seus ganhos da mineração para sua família na Venezuela e usou o restante para comprar itens como uma televisão e uma geladeira para a casa onde mora em Manaus. Mas ele não pretende voltar para as minas.
“Nunca mais”, diz ele. “É muito difícil nas minas. Eu não gostei. Fui lá por necessidade. Foi por isso que fui.”
Um relatório de 2021 do Escritório Das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) alertou para o risco de tráfico de pessoas na fronteira do norte do Brasil, observando especialmente a maior vulnerabilidade de mulheres, crianças e adolescentes venezuelanos desacompanhados. Mas, apesar dos riscos, eles continuam vindo. Nos primeiros três meses de 2023, o Brasil teve um recorde de entrada de venezuelanos. Ao todo, 51.838 migrantes entraram no país até março, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM). De janeiro a junho, o número chegou a 95.189.
Murillo Martins, da Defensoria Pública, que trabalha especialmente com crianças e adolescentes venezuelanos em Pacaraima, diz que é comum que meninos venham de áreas de mineração naquele país.
“Ou eles dizem que estavam com os pais nas minas da Venezuela, ou dizem que estavam sozinhos trabalhando lá, e a história deles é principalmente que eles estavam vindo em busca de melhores condições e trabalho no Brasil”, diz ele.
Em 2018, o Brasil lançou a Operação Acolhida, um esforço humanitário militarizado para lidar com o fluxo de venezuelanos na fronteira. Em um levantamento de janeiro de 2022 da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial R4V, que reúne dados sobre venezuelanos atendidos pela Operação Acolhida, 39% das pessoas em 800 domicílios pesquisados tinham 17 anos ou menos. Desses domicílios, 42% estavam em Roraima ou no Amazonas, e 25% dos membros dos domicílios entre 15 e 17 anos não frequentavam a escola, o que é um direito básico da legislação brasileira. Em 15% dos domicílios, havia pelo menos uma criança ou adolescente cujos pais haviam permanecido na Venezuela ou moravam em outro estado brasileiro.
Alguns adolescentes chegam sozinhos, sem documentos de identidade, e outros estão acompanhados de adultos que não são parentes. Vulneráveis, tornam-se presas fáceis de grupos criminosos, cuja influência se alastrou das prisões para as ruas.
VENEZUELANOS NO PCC
As autoridades locais preocupam-se há anos com o crescimento de grupos criminosos como o PCC e o Comando Vermelho (CV), que tem as suas raízes no Rio de Janeiro e que se expandiu para Roraima a partir de 2013.
A situação se agravou nos últimos anos. Em 2016 e 2017, dois massacres na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior prisão do estado, deixaram 43 encarcerados mortos. O motim ocorreu após uma divisão entre o PCC e o CV que levou a uma série de massacres prisionais no Brasil, refletindo a forma como os grupos se expandiram através do sistema prisional do país. Em 2018, ataques sequenciais a bancos e órgãos públicos em cinco cidades de Roraima foram mais uma prova da posição do PCC.
Após as rebeliões, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo esteve sob controle federal até 2022, quando contava com uma população carcerária de 1.800 homens, sendo 226 deles venezuelanos.
População carcerária por 100 mil habitantes
Em seis anos, Roraima dobrou a proporção de presos, saltando de 315 para 702 por 100 mil habitantes — número 80% maior que a média do país.
De acordo com dados obtidos pelo Amazon Underworld por meio da Lei de Acesso à Informação, entre 2020 e 2022, a Polícia Federal de Roraima realizou 19 operações contra grupos criminosos no estado, 18 delas contra membros do PCC e um contra membros do Comando Vermelho.
A mais conhecida foi a operação Triumphus em 2020, que identificou um núcleo de venezuelanos no PCC em Roraima. Em agosto daquele ano, o Ministério Público acusou 19 estrangeiros entre 24 e 46 anos de coordenar os procedimentos disciplinares internos da sua organização, conhecidos como “tribunais criminais”, bem como gerir pontos de venda de drogas e armazenar armas e munições.
Nesse caso, os investigadores alegaram ter constatado que pelo menos 740 venezuelanos eram membros do PCC, três vezes mais do que no sistema prisional local e o equivalente a 40% dos 2.000 membros que as autoridades locais dizem que o PCC tem atualmente no estado, onde o CV tem cerca de 500.
DESESTRUTURAÇÃO FAMILIAR E MORTE PREMATURA
“Primeiro vem a desestruturação familiar”, diz Aminadabi dos Santos, coordenador do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social de Roraima. Ele trabalha há 20 anos com jovens e adolescentes da região e dirige um abrigo público em Boa Vista há quatro anos. Em 2020, o abrigo contava 30 residentes, quase o dobro de sua capacidade, em sua maioria adolescentes venezuelanos que haviam chegado ao Brasil sozinhos.
Em um abrigo semelhante em Boa Vista, José* se senta em um banco de madeira.
“Eu gosto de crochê. Quando estou parado, minhas mãos e pés estão assim, se mexendo”, diz ele, com a perna esquerda balançando para cima e para baixo, freneticamente. Com apenas 15 anos de idade, José passou quase metade da sua vida entre as ruas da Ciudad Bolívar, na sua terra natal, Venezuela, e abrigos públicos em Roraima.
Antes de atravessar a fronteira brasileira desacompanhado, ele estava na região mineira do sul da Venezuela. Trabalhava limpando mesas em uma barraca de cachorro-quente em um lugar conhecido como Kilómetro 88. Ele ganhava apenas o suficiente para comprar comida, enquanto via meninos mais novos — alguns com apenas 9 anos, relata — já envolvidos no tráfico de drogas. Com medo, ele decidiu ir embora.
“Eles gostaram de mim lá e me disseram para ficar, mas eu não queria e vim para cá”, diz ele, sentado no pátio do abrigo recém-reformado onde vive, a quase 1.000 quilômetros de casa. Ele usa shorts jeans pretos, uma camisa polo cinza, muito maior que ele, e chinelos gastos de borracha. Em suas mãos, ele segura duas peças de crochê em laranja neon — suas criações, diz ele, mas inacabadas. Não tem mais lã.
Dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação mostram que, entre 2019 e 2022, sete em cada 10 adolescentes
vítimas de homicídio em Roraima
eram do sexo masculino,
sendo 20% venezuelanos
e quase todos — 92% — eram indígenas ou negros.
Mas nem todos conseguem segurança ou encontram formas de sobreviver longe de criminosos. Foi só e aos 16 anos que Jesús Alisandro Samerón Pérez chegou a Pacaraima, dizendo ao serviço de assistência social na fronteira que procurava uma oportunidade no país. Em junho de 2019, seu caso foi processado e ele recebeu abrigo na cidade.
Quatro meses depois, ele foi achado morto perto de um abrigo em Boa Vista. Seu corpo, com sinais de tortura, foi embrulhado em um saco de lixo e deixado em um carrinho de mão. Os executores, pelo menos oito venezuelanos e um brasileiro, foram identificados como membros do PCC.
De acordo com a investigação policial, Jesús foi morto por uma dívida de drogas de R$ 200. Quatro anos após o assassinato — e apesar da atenção da mídia na época — nenhum dos acusados está preso.
Pérez integra a crescente estatística de assassinatos de adolescentes e jovens adultos em Roraima, o estado brasileiro com a menor população. Roraima tem uma população de pouco mais de 630 mil pessoas, distribuídas em 15 municípios, sendo que quase dois terços da população vive na capital, Boa Vista, que viu sua população aumentar 45% entre 2010 e 2022, tornando-se a capital que mais cresce no país.
A ‘IRMANDADE’ DO PCC
Apesar de seu nome militar, o PCC não funciona como uma hierarquia, mas sim como uma irmandade, diz Gabriel Feltran, professor de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, no estado de São Paulo, que pesquisa sobre a história do grupo e tem um livro publicado sobre o tema.
“O PCC não opera com a lógica de controlar, dominar territórios, cooptar pessoas, forçá-las a trabalhar, extorquir”, diz. “O PCC trabalha sempre pela lógica de convencer — convencer que é útil, que é bom fazer parte destas redes, ser irmão, e que será bom para os negócios, para as suas vidas. Vai ser uma alternativa.”
Essa fluidez ajudou o grupo a se expandir e também a se proteger contra os esforços do governo para combater o crime organizado. E nos seus 30 anos de existência, o PCC tem diversificado os seus negócios para além do tráfico de drogas.
“Vários outros mercados que não eram anteriormente o foco das atividades do grupo entraram em cena nestes 30 anos. O mercado de ouro, criptomoedas, madeira, terrenos urbanos e rurais, eventos, jogadores de futebol… onde há dinheiro. E quem tem dinheiro pode entrar”, diz Feltran.
“Desta forma, eles conseguem ter mais acesso a armas, advogados, contadores, redes nacionais e internacionais, chegando às fronteiras — muito importantes para o comércio nacional e internacional —, alcançando posições no varejo, no atacado, indo de um estado para outro, fazendo as suas alianças, encontrando outras pessoas de máfias internacionais, italianas, russas, mexicanas, nigerianas…”, acrescenta,
O PCC funciona pela lógica de convencer — convencer que é útil, que é bom fazer parte destas redes, ser irmão, e que será bom para os negócios, para as suas vidas. Vai ser uma alternativa
— Gabriel Feltran
As operações comerciais do grupo nas regiões de garimpo são possíveis pela quantidade de dinheiro que circula e pela falta de supervisão.
“Se você ganhar R$ 2 milhões do tráfico de cocaína, você pode abrir e administrar o seu próprio restaurante. Se você ganhar R$ 200 milhões ao longo de alguns anos, você pode comprar um garimpo e colocar um monte de gente para trabalhar para você lá. E usar essa operação de mineração para lavar seu dinheiro, enquanto produz ouro e traz riqueza para você”, diz Feltran. “E foi assim que o PCC chegou, não só na Amazônia, mas em todos os estados brasileiros e em muitos outros países. Em várias regiões do mundo, em vários continentes”, afirma.
Ele não vê diferença entre a atração de jovens brasileiros e venezuelanos para as posições do PCC no norte do Brasil. “O que importa é o compromisso da pessoa com o crime, a atitude em relação aos seus pares e priorizar a facção sobre tudo, incluindo sua própria família”, diz ele. “Porque este é o ambiente, para ser antissistema.”
No entanto, o PCC não tem controle absoluto e enfrenta opositores na região.
“Na Amazônia, há muitos outros grupos armados que não estão ligados ao PCC, que também são opositores, como a FdN [Família do Norte, que opera principalmente na Amazônia], e o próprio CV, que foi aliado do PCC por muito tempo”, diz Feltran. “E ainda há grupos armados que são milícias locais, ligados à polícia, coronéis, elites locais, proprietários de terras na Amazônia. Portanto, nem tudo o que acontece na Amazônia tem a ver com o PCC.”
PROCURANDO UM FUTURO MELHOR
Em Pacaraima, um grupo de venezuelanos recém-chegados caminha em fila única ao longo da estrada em direção ao escritório de imigração. Não muito longe, em um abrigo, alguns colocam roupas e sapatos do lado de fora para secar, formando um mosaico multicolorido na grama. A presença de migrantes mudou a paisagem da cidade de cerca de 20 mil habitantes e levou a esforços para ajudá-los a se estabelecerem.
“Trabalhamos para que estas crianças e adolescentes tenham um status de imigração legal e identificamos situações de vulnerabilidade, de risco, para que possam ser tomadas medidas de proteção”, afirma o defensor público Martins em entrevista com base na Operação Acolhida em Pacaraima. Os menores não acompanhados que chegam são levados para abrigos especificamente criados para menores de 18 anos.
“Roraima está numa tríplice fronteira” com a Venezuela e a Guiana, diz Moacir Collini, um dos fundadores do Crescer, um projeto que oferece aos jovens entre 15 e 24 anos da periferia de Boa Vista atividades como artesanato, panificação e esporte. “As instituições têm que ter a mesma presença que os criminosos, para dar aos jovens perspectivas para o futuro.”
Beto*, um brasileiro de 20 anos que diz que seu pai e um irmão estavam ligados ao PCC e foram assassinados, participou das oficinas da Crescer no final de 2022. Aprender carpintaria e a cozinhar lhe deu uma alternativa, diz ele.
“Eu vi o meu pai morrer e depois vi o meu irmão. E agora tenho o meu filho [de 1 ano]. E depois eu continuo pensando na minha vida pela frente, em que caminho estou seguindo, em que amizades. … Eles já me chamaram — para beber, fumar, matar, roubar, ir para as minas”, diz ele. “Eu não vou”.
*Os nomes foram alterados
O Amazon Underworld é uma investigação conjunta da InfoAmazonia (Brasil), Armando.Info (Venezuela) e La Liga Contra el Silencio (Colômbia). O trabalho é realizado com o apoio da Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center e financiado pela Open Society Foundations, pelo Foreign, Commonwealth & Development Office do Reino Unido e pela International Union for Conservation of Nature (IUCN NL).