Em entrevista à InfoAmazonia, a ministra de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável colombiana, Susana Muhamad, fala sobre os impactos da exploração petroleira na Amazônia, o compromisso de seu país com o desmatamento zero e o combate a crimes na fronteira.

Na Cúpula da Amazônia, que terminou sem metas e prazos concretos para impedir o ponto de não retorno da floresta, a Colômbia destacou-se como voz crítica dissidente. O presidente do país, Gustavo Petro, em discurso na reunião dos oito integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), disse que, além do desmatamento: Eliminação total da vegetação nativa numa determinada área seguida, em geral, pela ocupação com outra cobertura ou uso da terra. zero, é preciso desistir do petróleo, do gás e do carbono.

Petro, em recado ao Brasil, chamou de negacionista a recusa de forças progressistas latino-americanas em abrir mão de explorar combustíveis fósseis, causadores da crise climática. O Ibama negou, em maio, pedido da Petrobras de perfuração marítima na foz do rio Amazonas. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que a decisão não é definitiva e que ainda sonha com a exploração de petróleo na costa do Amapá.

A mulher que lidera a política colombiana em defesa do meio ambiente e da Amazônia é Susana Muhamad, ativista ambiental de ascendência palestina e cientista política da Universidade dos Andes, da Colômbia. Muhamad tem mestrado em gestão e planejamento do desenvolvimento sustentável pela Universidade Stellenbosh, da África do Sul. 

Nesta semana, fez um ano que o primeiro governo de esquerda da história da Colômbia assumiu o país, tendo Gustavo Petro como presidente e Susana Muhamad como ministra de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Antes, ela foi vereadora da capital Bogotá e secretária municipal, quando Petro era prefeito.

A ministra sentou-se ao lado do presidente no primeiro dia da reunião de chefes de Estado dos países amazônicos, na última terça-feira (8), em Belém — Petro não apareceu no segundo dia da Cúpula. Domingo (6), Muhamad participou de uma plenária dos Diálogos Amazônicos, encontro que reuniu sociedade civil e governos. Também estavam na plenária suas colegas Marina Silva e Albina Ruiz, ministras do Meio Ambiente do Brasil e do Peru.

Da esquerda para a direita: Susana Muhamad, Marina Silva e Albina Ruiz, ministras do Meio Ambiente da Colômbia, Brasil e Peru. Foto: Audiovisual/PR

Após a plenária, no início da tarde de domingo, Susana Muhamad conversou com a InfoAmazonia. Falou sobre a série de impactos socioambientais que envolve a extração petrolífera em Putumayo, na Amazônia colombiana; o desejo de seu governo por um pacto de desmatamento zero entre os países da OTCA; o tipo de prioridade política para evitar o ponto de não retorno e garantir dignidade aos povos.

Durante a entrevista, Muhamad falou da ausência de uma coordenação estratégica e das diferenças de legislação que dificultam o combate ao crime organizado nas fronteiras. Além disso, tratou da possibilidade de que, tendo pontos de consenso, os países amazônicos consigam mais recursos para a Amazônia e alterem a perspectiva do debate sobre mudanças climáticas. Leia: 

InfoAmazonia O que a experiência colombiana de exploração de petróleo na Amazônia pode ensinar ao Brasil, que está discutindo uma possível extração na foz do rio Amazonas?
Susana Muhamad — As circunstâncias não podem ser comparadas, são complexas. Mas, neste momento, nós temos exploração de petróleo em Putumayo e há um forte impacto ambiental e social desse processo. 

Também se buscou ampliar a fronteira extrativista de minérios em Putumayo. O tema da contaminação das águas é um problema social que temos com as petroleiras. O tráfico e as estradas que foram abertas acabaram sendo geradores de desmatamento. Por isso, para nós, é importante ser muito específico sobre onde poder explorar e onde não poder. 

O tema da contaminação das águas é um problema social que temos com as petroleiras. O tráfico e as estradas que foram abertas acabaram sendo geradores de desmatamento. Por isso, para nós, é importante ser muito específico sobre onde poder explorar e onde não poder. 

Susana Muhamad

Estamos buscando que se feche a fronteira de extração na Amazônia colombiana. Entendemos que cada país tem sua dinâmica, suas necessidades. Mas acreditamos que acelerando a transição energética e, entre nossos países, nos ajudando, temos como proteger os ecossistemas.

Há alguma dificuldade, para a Colômbia, de adotar desmatamento zero enquanto meta comum?
Nós não temos dificuldade. Temos uma meta de desmatamento zero até 2030. Faz parte dos nossos acordos internacionais com países como Alemanha, Reino Unido e Noruega, com quem temos feito, por mais de 10 anos, o trabalho de parar o desmatamento. Então nós seguimos comprometidos com essa meta, que já assumiram governos anteriores, de desmatamento zero até 2030. Nós propusemos e queríamos que se pudesse ter um pacto comum, de todos os países. Estaríamos de acordo caso se avançasse nesse caminho.

É possível fazer uma transição ecológica baseada nas demandas dos povos da Amazônia, em que a prioridade não seja o mercado global de carbono?
Sim. A questão é como nos organizamos para ver qual é a prioridade. Se a prioridade é gerar um grande processo econômico, sem distinguir as particularidades da Amazônia, esse é um tema. Mas se a prioridade é não chegar ao ponto de não retorno, o que precisamos é entender como funciona o bioma amazônico e como podemos trabalhar com as comunidades em opções econômicas que permitam regenerar a floresta sistematicamente. 

Se essas cadeias de valor trazem prosperidade para as comunidades em primeiro lugar e reduzem a desigualdade, sabemos que a governança vai ser mais forte para salvar a Amazônia. Se vamos gerar cadeias de exportação, têm que estar subordinadas aos limites ambientais e aos limites sociais. Mas o objetivo principal deve ser evitar ao ponto de não retorno e dignificar as pessoas. Se não há uma dignidade e um trabalho sobre a desigualdade social, as máfias que estão destruindo a Amazônia vão continuar presentes.

O projeto Amazon Underworld identificou a presença de facções criminosas e grupos armados em quase 70% dos municípios fronteiriços. E há relação entre crime organizado e crime socioambiental. Por que os Estados não conseguem enfrentar esse problema?
Acredito que não há – e aí esse trabalho conjunto da Cúpula é decisivo -, não há uma coordenação de estratégias de investigação criminal, nem tampouco de estratégias militares nas fronteiras. Projetos fronteiriços, tanto de desenvolvimento social e econômico, como de intervenção contra o crime organizado, são fundamentais. Remodelar também espaços regulatórios, as legislações diferentes que esses grupos estão aproveitando para passar de país em país. Fechar as brechas normativas, trabalhar conjuntamente nos territórios em temas de defesa e segurança, além de inclusão social, a partir das dinâmicas sociais das fronteiras, são a chave.

Não há uma coordenação de estratégias de investigação criminal, nem tampouco de estratégias militares nas fronteiras.

Susana Muhamad

Os países amazônicos conseguirão ter uma voz unificada nas próximas convenções do clima? Que tipo de ganhos essa aliança pode trazer?
Penso que ter posicionamentos unificados gera força e um papel geopolítico estratégico. Para a Amazônia, pode ajudar não só a atrair recursos e apoios internacionais, mas também a gerar uma transformação da perspectiva de como abordar as mudanças climáticas e a corresponsabilidade global. Sobretudo em uma grande aliança com outros países florestais, dos quais depende hoje a regulação climática. 

O importante é ponderar um acordo em pontos fundamentais. Não temos que estar de acordo em toda a negociação da COP, mas sim sobre quais são os pontos críticos. Acredito que uma voz unificada nos dá muito mais visibilidade e capacidade de negociação.


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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