Em entrevista à InfoAmazonia, Dinamam Tuxá, coordenador da Apib, comenta sobre a luta contra as mudanças no clima e a mobilização indígena no ATL em torno do tema
Reunidos em Brasília desde o início da semana na 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL 2023), mais de seis mil representantes dos povos indígenas de diversas partes do país decidiram. em assembleia nesta quarta-feira (26), decretar emergência climática, cobrando ações efetivas do governo brasileiro para proteção das terras indígenas no combate à crise climática.
“Os povos indígenas são ponto central nas discussões sobre as mudanças climáticas e aquecimento global. Nós preservamos 83% de toda a biodiversidade do planeta e desde a década de 1970 estamos denunciando alterações ambientais em nossos territórios”, declarou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o ATL desde 2004 em Brasília.
“Estamos cobrando responsabilidade do governo brasileiro e dos países que investem ou aplicam seus recursos aqui, porque essas ações estão impactando os povos indígenas e comprometendo não só a nossa proteção, mas sim toda biodiversidade do planeta”, explica Tuxá.
Após decretarem a emergência climática, os indígenas marcharam pelas ruas de Brasília até o Congresso Nacional, onde realizaram ato contra o Marco Temporal e apresentaram 18 ações prioritárias para apoiar a luta dos povos em seus territórios na preservação do meio ambiente.
Dados da Apib apontam que no Brasil, 29% das áreas ao redor das terras indígenas estão desmatadas, enquanto dentro das mesmas o desmatamento é de apenas 2%, reforçando a função de preservação que esses territórios assumiram no contexto de avanço do consumo dos recursos naturais.
Em entrevista à InfoAmazonia, Dinamam Tuxá explicou o que os povos indígenas esperam com o decreto de emergência climática.
Confira a entrevista:
InfoAmazonia – Como os povos indígenas avançaram nas discussões até chegar ao ponto de decretar uma emergência climática?
Dinaman Tuxá – Historicamente, os povos indígenas vêm fazendo denúncias e falando das consequências que temos sentido com o avanço do desmatamento, garimpo, grilagem de terras e os impactos de grandes empreendimentos. E isso não é de agora. Eu ouvia meu avô falar, através do conhecimento dele sobre o território, que há muito tempo havia uma escassez de determinada espécie de planta, de determinadas espécies de peixes. Eu ouvia ele falar de espécies que existiam em abundância e eu, por exemplo, não cheguei a conhecer porque já haviam desaparecido. Os povos indígenas têm essa relação histórica com o meio ambiente e antes mesmo do campo científico nós já vínhamos identificando e clamando por socorro.
Os povos indígenas são ponto central nas discussões sobre as mudanças climáticas e aquecimento global. Nós preservamos 83% de toda a biodiversidade do planeta e desde a década de 1970 estamos denunciando alterações ambientais em nossos territórios. Temos nos organizado em nossas associações e juntado essas denúncias. Recentemente, levamos a maior delegação indígena para COP26 [Conferência do Clima] em Glasgow [Noruega], mas também participamos da Rio 92, da Rio+20 e todas essas agendas internacionais que militam sobre as mudanças climáticas. Os povos indígenas já estavam organizados.
Porém, não sentíamos um comprometimento, não só do Brasil, mas de todos os governos, em acatar as nossas orientações e o nosso clamor para que parassem de destruir nossos territórios, que estão em todos os ecossistemas brasileiro, não só na Amazônia. É importante dizer que esses ecossistemas estão interligados.
No COP 26, por exemplo, foi lançado um fundo que reconheceu os povos indígenas como parte da solução para combater as ondas climáticas, esse fundo até hoje não foi totalmente implementado, os recursos não estão chegando, então nós também estamos cobrando que essas medidas sejam de fato implementadas.
Como fazer esse enfrentamento diante de um contexto de aumento de produção com base em recursos naturais, como retirada de madeira da floresta e de expansão da mineração, por exemplo?
Nós nos perguntamos, quais são os dados do que de fato foi implantado desses acordos firmados em Convenções do Clima e tratados internacionais, como o acordo de Paris? Pelo que percebemos da nossa realidade nos territórios, muito pouco. Por isso estamos decretando a emergência climática para trazer esses atores para o debate. Vamos apresentar uma proposta para o governo brasileiro e para comunidade internacional, porque nós fazemos parte da solução e vamos mostrar também quais são as ações que têm contribuído para a mudança climática e o aquecimento global.
E que solução é essa? É a demarcação das terras indígenas, a fiscalização ambiental, o combate ao garimpo ilegal, à retirada de madeira das nossas terras. A proteção territorial como um todo. Nos últimos anos, por exemplo, ao contrário de tudo que se esperava, vimos um enfraquecimento da política ambiental. Por isso, estamos cobrando responsabilidade do governo brasileiro e dos países que investem ou aplicam seus recursos aqui, porque essas ações estão impactando os povos indígenas e comprometendo não só a nossa proteção, mas sim toda biodiversidade do planeta.
Os acordos comerciais, como o do Mercosul, que o Brasil está prestes a assinar, por exemplo, visam aumentar a produção. Se essa produção aumentar sem um plano estratégico alinhado com a questão ambiental, o que teremos será um avanço ainda maior sobre as áreas de florestas e nossos territórios.
O que esperamos é que não haja mais financiamento de bancos para o garimpo dentro do Brasil, que não haja grupos ou blocos econômicos financiando esse agronegócio que desmata e invade terras indígenas. Esses são alguns dos pontos que esperamos que possam avançar nesse debate.
Alguma expectativa de que a vinda do presidente Lula (PT) ao ATL possa também ter alguma sinalização sobre a emergência climática?
Sim, o que esperamos é a demarcação de terras e que o governo de fato assuma suas responsabilidades e cumpra seu papel. Nós estamos falando aqui de coisas reais, que todo mundo sabe. Estamos falando de ameaças, inclusive, contra aqueles que não falam, que não podem estar aqui como estamos fazendo para se defender, que são animais, os peixes, os rios, que não podem se expressar. Então, o mínimo que esperamos é essa abertura por parte do governo brasileiro, que não pode ignorar esse pedido de socorro dos povos indígenas.
Nós temos que conversar com a ministra Marina Silva [Meio Ambiente e Mudanças Climáticas] para apresentar o nosso plano de ação e esperamos que ela, enquanto ministra do meio ambiente, tome iniciativas. Existe esse esse anseio, e nós queremos acreditar que ela vai fazer.
O que pode mudar a partir do atendimento desta reivindicação?
Se atendido nosso pedido, podemos ter moratórias em pontos sensíveis para preservação dos territórios indígenas, penalizações das empresas que fomentam a cadeia de produção da destruição, pagamento de multas por essas empresas que cometem crimes ambientais e que isso seja revertido para os processos de demarcação dos territórios, já que uma das justificativas é falta de orçamento. É importante que se tenha uma articulação com outros países, para que os acordos comerciais que ofereçam impactos às terras indígenas passem por um processo de estudo e que respeite a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].
É um processo, estamos saindo de um desgoverno que causou muita destruição e muito retrocesso, e agora temos um governo que está aberto para o diálogo, mas que tem um desafio de reconstruir o país e essa reconstrução passa, obrigatoriamente, pela proteção dos povos indígenas.