Pesquisador falou à InfoAmazonia sobre evidências indígenas de milhares de anos na região amazônica. Segundo ele, o modo de vida mais baseado na diversidade da natureza, como é o dos povos tradicionais, contrasta e se opõe à cultura de padronização da produção do agronegócio de monocultura, um dos principais fatores de destruição do bioma.

A atenção às milenares formações das paisagens, o modo como as populações tradicionais cultivaram a agrobiodiversidade: Agrobiodiversidade é o conjunto de espécies da biodiversidade utilizada pelas comunidades locais, povos indígenas e agricultores familiares. Essas diferentes comunidades conservam, manejam e utilizam os diferentes componentes da agrobiodiversidade. da floresta e as interpretações arqueológicas de fenômenos como a rica Terra Preta de Índio estão entre as particularidades e os pontos de partida que levam à pesquisa científica de Eduardo Goés Neves, arqueólogo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP). 

Em seu trabalho, Neves propõe uma reflexão sobre o agronegócio – marcada por uma lógica do controle que se torna evidente quando comparada aos sistemas indígenas de cultivo e sua abertura à diversidade e ao acaso. O arqueólogo reflete sobre o intenso desmatamento que acompanha o monocultivo, e a relação de controle total e o apreço pela padronização, que tornam essas formas ligadas aos sistemas financeiros de produção de alimentos tão próximas ao fascismo. Ou seja, um pensamento autoritário com relação à produção de alimentos e cultivo de plantas.

Luis Ushirobira / InfoAmazonia
Eduardo Góes Neves, arqueólogo, professor titular e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, com fragmentos de cerâmica coletados no sítio arqueológico Sol de Campinas, no Acre

Eduardo Neves é o autor de Sob os tempos do equinócio – Oito mil anos de história na Amazônia central (Edusp/Ubu Editora 2022), livro que une pesquisa científica e uma escrita fluida e instigante. A obra tem uma proposta clara: o que significa pensar a arqueologia a partir da Amazônia central: Amazônia Central é um termo relativamente arbitrário, utilizado para se referir à região ao redor do ponto de encontro entre os rios Negro e Solimões? E o que  muda no modo como entendemos a história, a partir destes caminhos que a prática arqueológica na Amazônia central tem aberto? Essas questões guiaram a entrevista abaixo:

InfoAmazonia – Quais são os lugares onde você realizou escavações, e a importância deles para o seu trabalho? 
Eduardo Neves – Eu trabalhei muitos anos em um município chamado Iranduba, que fica entre Manaus (AM) e Manacapuru (AM). Muitas das informações que estão no livro, vem dessa pesquisa ali. Foram mais de quinze anos de pesquisa de campo. Mas eu trabalhei também no Alto Rio Negro, onde eu fiz meu doutorado, na região do Rio Vaupés, um pouco na região do Oiapoque no Rio Açá. Trabalhei um pouco também na região de Tefé (AM) e no Médio Solimões.

Trabalho um pouco até hoje no leste do Acre e lá em Rondônia. E, agora, nos últimos anos, em parceria com colegas, eu estou também trabalhando na Amazônia boliviana, na região do Beni. Foram nesses locais que eu me dediquei à pesquisa com um pouco mais de tempo.

No seu livro, você fala logo no início das particularidades de fazer arqueologia na Amazônia, já que as intempéries climáticas e ambientais fazem com que objetos materiais sejam mais raros. E daí você escreve sobre a importância de olhar para o que usualmente seria considerado como contexto, e que se converte também em objeto do estudo arqueológico. Você poderia explicar este ponto?
Na Amazônia, quando a gente pensa em arqueologia em geral, a gente pensa em objetos, né? Em objetos maravilhosos. De fato, há muitas coisas maravilhosas: cerâmica, pedra polida, pedra lascada. A gente tem tradições cerâmicas muito antigas e exuberantes na Amazônia. Faz parte trabalhar com esses materiais, eles são uma parte importante do que a gente faz com arqueologia na região.

A gente tem tradições cerâmicas muito antigas e exuberantes na Amazônia. Faz parte trabalhar com esses materiais, eles são uma parte importante do que a gente faz com arqueologia na região.

Eduardo Neves, arqueólogo

Existe uma outra coisa que é muito interessante, e isso não é só na Amazônia, mas também em outros lugares do mundo. Mas é muito forte na Amazônia. Boa parte do debate arqueológico sobre a Amazônia nos últimos cinquenta, sessenta anos tinha a ver com a ideia de que havia uma série de limitações ambientais da Amazônia para sustentar populações muito numerosas ao longo do tempo. E daí a ideia de que essas populações antigas teriam vivido sempre numa situação de constante movimentação. De que teriam passado pouco tempo nos mesmos lugares por causa dessas limitações.

Para poder trabalhar com essas questões, nessas hipóteses, é muito importante procurar, por exemplo, evidências das formas de vida: os padrões de alimentação e das relações com a natureza. Por isso, a gente trabalha na arqueologia amazônica com coisas como restos de plantas, restos de carvão, estruturas microscópicas que têm a ver com o uso das plantas, com ossos de animais que estão preservados nos sítios arqueológicos.

Luis Ushirobira / InfoAmazonia
Cerâmica histórica amazônica no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, SP

Então, tem uma coisa interessante, que aconteceu nos últimos vinte anos, que é muito positiva, que foi essa ampliação do potencial de coisas passíveis de serem analisadas no campo da arqueologia amazônica. Eu mesmo não trabalho com isso. Mas eu componho uma equipe de pessoas que são especializadas em amostras de solo.

Porque durante muito tempo se propôs que os solos amazônicos eram pouco férteis. E que, por causa desse padrão de pouca fertilidade, levaria a uma itinerância constante das populações pelo espaço. Mas a gente tem evidências de solos que foram produzidos pelos povos indígenas que são as Terras Pretas. São solos super férteis.

Durante muito tempo se propôs que os solos amazônicos eram pouco férteis. E que, por causa desse padrão de pouca fertilidade, levaria a uma itinerância constante das populações pelo espaço. Mas a gente tem evidências de solos que foram produzidos pelos povos indígenas que são as Terras Pretas. São solos super férteis.

Eduardo Neves, arqueólogo

Nesse sentido, o que seriam as chamadas Terras Pretas de Índio? Qual a importância delas para a arqueologia amazônica?
Todo mundo que anda pelo interior da Amazônia vai acabar topando com a Terra Preta. Tirando alguns lugares, como é o caso da região do rio Juruá, onde a gente não tem evidência de Terra Preta, em muitos outros lugares, como o Tapajós, o Xingu, o rio Madeira, no rio Negro, o próprio Solimões e o Amazonas, há. 

A pessoa está andando ali no interior, passa por uma comunidade ou por uma casa de ribeirinha e aí, é quase inevitável, você vai ali na roça, atrás da casa, o próprio lugar onde tá a casa é aquela terra escura. Inclusive, em alguns casos, o nome que se fala é Terra Preta de índio. Porque para os moradores contemporâneos (indígenas, ribeirinhos, beiradeiros) está claro que esses solos foram produzidos no passado pelos povos indígenas que viviam ali.

As Terras Pretas são solos muito escuros e muito férteis. Eles têm uma coisa que é muito importante: estabilidade, ou seja, eles não perdem os nutrientes ao longo do tempo. 

As Terras Pretas são solos muito escuros e muito férteis. Eles têm uma coisa que é muito importante: estabilidade, ou seja, eles não perdem os nutrientes ao longo do tempo. 

Eduardo Neves, arqueólogo

Normalmente, nas regiões tropicais os solos são fertilizados. E depois de um, dois, três anos, por causa das chuvas muito intensas, por exemplo, os nutrientes são utilizados pelas plantas e são lavados também. Então, eles não permanecem no solo. E as Terras Pretas têm uma coisa fantástica, que é essa capacidade de manter essa estabilidade dos nutrientes ao longo de centenas ou até milhares de anos.

Existem vários tipos de Terras Pretas. Mas um tipo muito específico que eu trabalhei está associado à grande presença de materiais cerâmicos. São solos que têm os elementos químicos que são importantíssimos, mas também têm outros elementos, como é o caso da cerâmica que, ao meu ver, promove a manutenção dessa estabilidade. 

Então, o que são as Terras Pretas? São solos formados pela atividade humana indígena no passado, e que começaram a se formar há mais ou menos uns cinco mil anos. A partir de dois mil anos, dois mil e quinhentos anos, eles se tornam disseminados por quase toda a bacia amazônica.

A meu ver, eles são resultado de um processo de mudança social que aconteceu no passado, e que está relacionado ao fato de que esses povos se tornaram mais sedentários e passaram a ficar mais tempo nos mesmos lugares: jogando lixo orgânico, manejando o lixo, fazendo compostagem, e formando esse tipo de solo que é um legado importante pras populações contemporâneas.

As Terras Pretas representam uma imagem muito legal da Amazônia, que é essa simbiose entre natureza e cultura formando uma coisa nova que muda as paisagens e que, de certo modo, estabelece um caminho pro futuro da vida na Amazônia.


E essa forma de produção do solo, estável, perene, ao longo de milhares de anos, é o oposto do que promove o modelo do desmatamento, de substituição da floresta tropical pelo monocultivo de soja, ou da pecuária, por exemplo. Como você vê essa destruição, que se acentuou muito dos anos 1950 para cá?
O agronegócio está estruturado assim: é uma rede que está muito ligada à cadeia da indústria do petróleo. Diretamente pelos combustíveis, mas também pelos fertilizantes que precisam de derivados de petróleo, do potássio também e de outros elementos na sua produção. E é um tipo de sistema produtivo que está ligado ao sistema financeiro internacional, e que depende dessas redes para se reproduzir.

E se a gente olhar para essas duas formas de cultivo, são quase duas galáxias totalmente diferentes. Essas formas que a arqueologia mostra para nós, na Amazônia, estão ligadas à produção de paisagens, ao manejo da floresta, do solo. Ao aumento do que a gente chama de agrobiodiversidade, que é a variedade de plantas economicamente ou simbolicamente importantes nas áreas de entorno dos locais de moradia. 

E o agronegócio da monocultura está baseado no que? No controle absoluto, na padronização. São sistemas de cultivos totalitários de certa maneira, porque estão baseados na massificação. São pouquíssimas variedades que são plantadas. A gente tem a tal da agricultura de precisão, que do ponto de vista tecnológico é uma coisa impressionante porque você consegue controlar a variabilidade dos nutrientes no solo. Aquilo tudo amarrado com dados de satélite. Mas são sistemas de cultivo baseados no controle absoluto. Totalmente fechados ao acaso. 

São sistemas de conhecimento baseados na produção e na valorização da diversidade. A quantidade de plantas que foi domesticada:  Uma alteração, uma seleção e aperfeiçoamento das espécies por determinadas características, a ponto de se converterem em novas espécies na Amazônia é muito grande. Os nossos amigos, os nossos parceiros ribeirinhos, indígenas, eles valorizam muito, eles gostam da diferença pela diferença. Uma planta que às vezes não serve pra nada, o cara traz pra casa. Essa ideia de valorização da diferença é muito forte na Amazônia.

A quantidade de plantas que foi domesticada na Amazônia é muito grande. Os nossos amigos, os nossos parceiros ribeirinhos, indígenas, eles valorizam muito, eles gostam da diferença pela diferença. Uma planta que às vezes não serve pra nada, o cara traz pra casa. Essa ideia de valorização da diferença é muito forte na Amazônia.

Eduardo Neves

Não é à toa que há uma conexão forte e uma parcela importante do agronegócio aqui no Brasil com perspectivas políticas fascistas e totalitárias. São sistemas políticos ou de cultivo baseados no controle, na padronização.

Esses sistemas agroecológicos que a gente vê na Amazônia são abertos. Estão baseados no acaso, estão abertos para a natureza. Estão abertos para novas variáveis. Quer dizer, são menos baseados no controle. São sistemas que estão baseados numa lógica de relação com o mundo e com a natureza que é totalmente oposta a essa lógica industrial da massificação. 

São práticas de viver, de estar no mundo, e de cultivar, são práticas totalitárias. Baseadas no controle absoluto.

Não é à toa que há uma conexão forte e  uma parcela importante do agronegócio aqui no Brasil com perspectivas políticas fascistas e totalitárias. São sistemas políticos ou de cultivo baseados no controle, na padronização. Esses sistemas agroecológicos que a gente vê na Amazônia são abertos. Estão baseados no acaso, estão abertos para a natureza. Estão abertos para novas variáveis. Quer dizer, são menos baseados no controle.

Eduardo Neves, arqueólogo

Poderíamos dizer que são sistemas abertos ao imponderável, ao acaso?
Sim, que você não sabe onde vai dar, que pode até não ser interessante, pode até não ser bom. Mas existe uma abertura para que essas outras coisas, essas outras forças, se manifestem.

E no agronegócio, a monocultura é baseada na padronização. A semente é  geneticamente modificada, muita coisa clonada. É num nível de escala tão grande, e isso é um sistema tão financeirizado que não se pode abrir para a possibilidade de algo diferente acontecer. Está tudo amarrado: a safra já está vendida antes de ser plantada. É uma outra lógica de produção. 

E como que a gente vai sair desse buraco? Eu não sei. Mas temos que pensar nisso, de alguma maneira. Os efeitos ambientais e sociais da expansão desses sistemas de cultivos monocultores sobre a Amazônia são claros: mudança climática, contaminações, como a poluição dos rios pelo agronegócio ali no Xingu.

Você menciona esse modelo de produção por populações indígenas e ribeirinhas. Queria te ouvir mais falando sobre essa domesticação das plantas: como se deu esse processo?
Domesticação é um conceito que vem do próprio Charles Darwin, que foi muito incorporado à arqueologia no século vinte. Por quê? A partir de mais ou menos doze mil anos, diversas populações começam a depender cada vez mais de plantas cultivadas e de animais também que eram trazidos para perto dos locais de habitação.

Em alguns casos, esse cultivo de plantas é uma relação que vai ser tão íntima e tão importante, que essas plantas vão se modificando ao longo do tempo e se transformando em novas espécies. Esse processo é causado pela seleção que os humanos fizeram de algumas variedades de plantas no passado. Por exemplo, o trigo é uma planta que foi domesticada no Oriente Médio. Ele é uma planta, o trigo selvagem, mas vai perdendo as sementes.

Quem estava cultivando naquela época olhava e dizia: ‘esse tipo de trigo aqui é mais legal. Ele prende a semente. Então, eu vou plantar ele de novo no ano que vem’. Então, tem um processo de escolha que leva a seleção de alguns atributos. E em alguns casos uma nova espécie vai aparecer.

Luis Ushirobira / InfoAmazonia
Eduardo Góes Neves, arqueólogo, professor titular e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

E na Amazônia, como se deu este processo? Que plantas são essas?
São mais de cento e quarenta plantas que são cultivadas de maneira mais ou menos regular e intensa na Amazônia. Isso mostra que a Amazônia é um centro de produção dessa agrobiodiversidade que é único. Tem poucos lugares no mundo que produziram uma quantidade tão grande de plantas economicamente ou simbolicamente importantes como é o caso da Amazônia. A Amazônia é um centro de produção de agrobiodiversidade único.

Por exemplo a pupunha. A pupunha é uma palmeira. A pupunha selvagem, a pupunha que não é domesticada, o fruto dela é bem pequenininho, quase não tem carne. O processo de seleção da pupunha, de domesticação, levou aqui que uma nova espécie surgisse, muito mais carnuda, muito mais apta para o consumo humano.

Nós sabemos que houve várias plantas importantes que foram domesticadas na Amazônia: o cacau, o cupuaçu, a mandioca, o abacaxi, o guaraná,  alguns tipos de maracujá.

O que é interessante: houve também uma série de plantas importantes que não foram, que são consumidas até hoje na Amazônia e que nunca foram domesticadas. É o caso por dentro da castanha do Pará, é o caso do açaí. Tem um monte de planta que está nessa categoria na Amazônia também.

Domesticação é só uma parte da história. Tem uma outra parte, que tem a ver com essa conversa da Terra Preta que é o fato de que uma série de plantas importantes que são consumidas até hoje nunca foram domesticadas. Existem outras relações, essas tais relações abertas, às quais eu me referi, que também incluem essas plantas que tecnicamente falando não são domesticadas, mas que são muito importantes para populações contemporâneas.

Seria assim possível falar que a floresta amazônica é antropogênica, ou seja, uma floresta cultivada por humanos?
Eu gosto dessa ideia. A gente pode falar em uma floresta antropogênica, mas eu acho que o que é mais importante é que não dá pra dissociar a presença dos povos da floresta – indígenas e ribeirinhos também – da história da formação desse grande bioma complexo que é a Amazônia.

A gente pode falar em uma floresta antropogênica, mas eu acho que o que é mais importante é que não dá pra dissociar a presença dos povos da floresta – indígenas e ribeirinhos também – da história da formação desse grande bioma complexo que é a Amazônia.

Eduardo Neves, arqueólogo

Eu gosto da ideia de florescer antropogênica. Eu acho que a gente vai ter que achar um nome melhor. Porque ela não é só antropogênica. Ela resulta dessa interação e dessas sabedorias dos povos da floresta. E entender que a interação entre seres humanos e outros seres viventes cria teias de relações.

Isso quer dizer que qualquer solução para a Amazônia no futuro tem que contemplar inevitavelmente a contribuição intelectual e a presença dos povos da floresta. É essa a Amazônia que a gente quer proteger. 

Um dos aspectos do seu livro diz respeito a assentamentos em grande escala, redes de comércio, e monumentos (montes ou geoglifos) e ao longo de um período muito maior do que a arqueologia então entendia. Você poderia comentar sobre isso?
Algo que eu quis com esse livro, talvez a mensagem mais básica é falar que existe uma história antiga do Brasil (não uma pré-história, importante fazer essa distinção). Existe uma história antiga riquíssima, profunda e dinâmica. Aconteceu um monte de coisa  antes de 1500. É meio óbvio, mas é importante repetir isso.

Existe uma história antiga riquíssima, profunda e dinâmica. Aconteceu um monte de coisa  antes de 1500. É meio óbvio, mas é importante repetir isso.

Eduardo Neves, arqueólogo

Povos diferentes viveram ali ao longo do tempo, com economias diferentes, modos de vida diferentes, maneiras de ocupar o espaço diferentes. Alguns deles, vivendo em grandes aldeias, com estruturas monumentais, com mais aterros. Outros viveram em assentamentos menores.

Durante muito tempo o debate era o seguinte: as aldeias eram grandes ou não eram? O que eu tento mostrar é que eram eram e não eram. Quer dizer, há diversidade. Centenas de línguas faladas na Amazônia indígenas até hoje.

Eu tentei trazer essas informações da Amazônia Central. Se a gente olhar comparativamente para outros lugares da Amazônia, percebe que as diferenças são grandes. No leste do Acre, no norte de Rondônia, no sul do Amazonas e no Peru e na Bolívia temos estruturas de terra, geoglifos. São mais de quatrocentos mapeados hoje em dia. São estruturas geométricas, circulares, quadrangulares, alguns deles estavam ao redor de praças, conectados por estradas e outros tipos de caminho.

Se a gente vai pro Alto Xingu, mais ou menos na mesma época, há uns mil anos atrás, nós vamos ver grandes cidades ali. Muito maiores do que as aldeias xinguanas contemporâneas. Também conectadas por estradas lineares. 

Se a gente vai para Santarém é a cidade mais antiga do Brasil. Tem gente que não gosta, mas se comparar com a Europa, ninguém sabe quando Roma foi fundada como quando Paris foi fundada, quando Londres foi fundada. Era um lugar, um assentamento que vai crescendo e que vira uma cidade um dia. Já Santarém, é um lugar que é ocupado de maneira conservadora, continuamente, desde o século treze depois de Cristo.

A Amazônia nos últimos séculos antes da chegada dos europeus era muito diversa, tinha lugares de ocupação permanente, que a gente pode chamar de cidades, ou centros urbanos. Mas também existiam populações com mobilidade, que estavam andando de um lugar para o outro.

Então, não tem que cair numa única fórmula. Era caçador-coletor ou era agricultor? Era cidade ou não era? Pô, não era agricultor, mas cultivava plantas selvagens. Era cidade, acho que sim! Mas era uma cidade que talvez ficasse vazia a metade do ano. No verão, o pessoal caminhava para a praia, para acampar, para a roça. Depois, voltava, ficava junto pra fazer festa.

A gente precisa produzir novas categorias analíticas a partir da Amazônia.


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

1 comentário encontrado. Ver comentário
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

1 comment

  1. Importantíssima entrevista com Eduardo Neves! É urgente a difusão de informações verdadeiras num universo de informações distorcidas e falsas que as mídias corporativas e os interesses criminosos tem difundido no Brasil sobre a Amazônia . Parabéns!!!

Deixe um comentário