Em entrevista à InfoAmazonia, secretário Marivaldo Pereira afirma que o impacto da política de incentivo ao garimpo do governo passado foi desastrosa e que o Ministério vai apresentar proposta para rastreabilidade do ouro e acabar com “presunção de boa-fé”do garimpeiro.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) pretende “fechar o cerco” contra o ouro que sai dos garimpos ilegais da Amazônia. A afirmação é do secretário de Acesso à Justiça do MJSP, o advogado Marivaldo Pereira, em entrevista à InfoAmazonia.
Entre as providências a serem tomadas, Marivaldo adiantou que o ministro da Justiça Flávio Dino pretende rever o modelo de declaração de origem do ouro, que atualmente considera a “presunção de boa-fé” do garimpeiro na primeira venda do minério.
O advogado critica a forma como o governo de Jair Bolsonaro (PL) conduziu a questão do garimpo, que tinha “como foco as terras indígenas, que atacava o meio ambiente”, e que que não há “exagero em considerar como genocida”.
O secretário comentou o leilão da Agência Nacional de Mineração (ANM) para novas áreas de garimpos na Amazônia, lançado em setembro do ano passado, que incluiu áreas dentro e ao redor de terras indígenas e unidades de conservação, e diz que o governo precisa “avaliar como foi preparado”.
Leia a entrevista completa.
InfoAmazonia – Como o Ministério da Justiça e Segurança Pública pode atuar para melhorar a regulamentação da cadeia do ouro? Que tipo de iniciativas podem ser lideradas pelo órgão?
Marivaldo Pereira – Desde que assumimos, recebemos muitas entidades ambientais, ambientalistas, defensores dos povos indígenas, todos questionando porque o garimpo ilegal não foi combatido nos últimos quatro anos. E pelo contrário, ele foi incentivado como forma de atacar as terras indígenas, no contexto de uma política que não é exagero em considerar como genocida.
O Ministério da Justiça está tendo papel central no enfrentamento do garimpo ilegal na Terra Idígena Yanomami [em Roraima]. Atuamos na retirada dos garimpeiros e ao mesmo tempo estamos discutindo como fechar o cerco desse garimpo ilegal. E um dos problemas que a gente identificou é a cadeia do ouro. Atualmente, é possível explorar ouro em áreas de proteção ambiental e terras indígenas e vendê-lo como se ele tivesse sido explorado legalmente.
Hoje, o ouro tem menos controle que a extração de madeira ou o mercado da carne. E há mobilização em todo o governo para tratar dessa questão, sempre visando priorizar e proteger as terras indígenas e unidades de conservação, para assegurar que a atividade garimpeira seja a menos onerosa possível.
E isso precisa ser muito bem analisado.Vamos precisar corrigir muita coisa feita no governo passado, fortalecer os órgãos de fiscalização como Ibama, Polícia Federal e a Funai. O cenário que temos é de devastação completa deixado pelo governo passado.
Muito tem se falado sobre quem lucra com os garimpos da Amazônia e ao que tudo indica não são aqueles garimpeiros que estão na ponta operando máquinas. O Ministério da Justiça tem algum mapeamento de organizações ou empresas que estão se beneficiando de ouro ilegal?
Esse é um dos nossos focos. Deve ter umas três semanas que a Polícia Federal vem fazendo operações de combate ao garimpo fora de regiões garimpeiras. Essas operações visam chegar nas empresas que lucram com o ouro do garimpo ilegal. A Polícia Federal segue investigando e mostrando bastante eficiência, inclusive trazendo subsídios para aprimorarmos a legislação.
Atualmente a legislação deixa brechas para que os primeiros compradores de ouro declarem ouro de origem ilegal como se tivesse saído de local autorizado. Como o Ministério da Justiça pretende atuar para mudar essa situação?
Esse é um ponto importante que está sendo debatido. O ministro Flávio Dino pediu uma mudança de entendimento para que não tenhamos mais a ‘presunção de boa-fé’. Com isso também vem a ideia de se adotar nota fiscal eletrônica, da necessidade de guias para transporte do ouro, enfim. É necessário que o ouro, ao circular, tenha todas as informações para quem está adquirindo e que seja possível checar se o ouro saiu de uma área autorizada. E mais, quem está adquirindo o ouro tem que ter responsabilidade sobre a origem e se precaver tendo documentação que assegure a legalidade.
A atual gestão pretende rever atos e normas do governo passado que facilitaram a instalação de garimpos em regiões sensíveis da Amazônia?
Estamos saindo de um modelo de governo que tinha como foco a devastação, que tinha como foco as terras indígenas, que atacava o meio ambiente. É imprescindível que a gente mude isso. E já começou, no dia 1º de janeiro o presidente Lula anulou o decreto que instituiu um programa da mineração artesanal e em pequena escala [Pró-Mape]. E temos outras medidas que estamos revendo e dialogando para serem revistas.
Qual encaminhamento o governo federal vai dar para o leilão da ANM lançado na gestão passada e que ofertou novas áreas de garimpos na Amazônia, inclusive em terras indígenas? Qual sua opinião sobre esse leilão?
Temos esse leilão da ANM para novas áreas de garimpo e ele foi suspenso [A ANM adiou a homologação do resultado para maio] exatamente por estarmos em um momento de avaliar como isso foi preparado. O governo precisa avaliar melhor. O impacto dessa política de incentivo ao garimpo ilegal foi desastrosa. Não podemos esquecer que o garimpo ilegal, da forma como tem sido conduzido, gera devastação ambiental, violência contra os povos indígenas e agrava a insegurança alimentar com a disseminação do uso de mercúrio nos rios e que chega até as cidades. O garimpo não é um problema que afeta somente os povos indígenas, mas toda a sociedade. A população brasileira está pagando um preço altíssimo para meia dúzia de pessoas se beneficiarem.