Brasileiros elegeram 81 deputados federais comprometidos com a causa ambiental, 20 a menos que a atual legislatura. Ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e líder indígena Sônia Guajajara prometem aquecer debates sobre o tema em Brasília.
A bancada de deputados federais comprometidos com o meio ambiente será 20% menor a partir do ano que vem. Oitenta e um parlamentares “verdes” foram eleitos em 2 de outubro, o que representa pouco mais de 15% do total de cadeiras na Câmara dos Deputados.
Nas eleições de 2018, a bancada passou a ter pelo menos 101 nomes. Para identificar quem irá compor o grupo a partir do ano que vem, a reportagem do PlenaMata considerou apenas deputados reeleitos que tiveram mais de 70% de convergência ambiental em suas votações. O índice foi desenvolvido pelo Painel Farol Verde, uma ferramenta que mostra como os parlamentares se posicionaram em relação ao meio ambiente e ao clima. Ela leva em conta o grau de adesão dos legisladores às orientações da Frente Parlamentar Ambientalista, grupo que influencia as diretrizes das políticas ambientais no parlamento.
Dos 81 candidatos a deputados federais pró-meio ambiente que venceram as eleições neste ano, 65 foram reeleitos. Os outros 16 foram eleitos pela primeira vez e têm nomes de peso, como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), candidata por São Paulo. Em seu perfil nas redes sociais, ela agradeceu os mais de 237 mil votos.
“Estou honrada por representar os paulistas que acreditam na necessidade de promover transformações que reduzam nossas desigualdades e criem as condições para um ciclo de prosperidade que não cause danos ao nosso patrimônio ambiental”, escreveu.
Deputado federal mais votado por São Paulo, com mais de 1 milhão de eleitores, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSol) também promete embates contra a bancada do boi.
Ele é um dos signatários da Carta-Compromisso Agroecologia nas Eleições 2022, da Associação Nacional de Agroecologia (ANA). Outros 25 nomes da nova bancada verde assinam o documento para a construção de políticas públicas que fortaleçam o meio ambiente e a segurança alimentar e nutricional do pequeno produtor e comunidades tradicionais.
O PT foi o partido que mais elegeu representantes pró-meio ambiente, com 47 nomes, seguido pelo PSOL (10), PDT (8) e PCdoB (5). Completam a bancada deputados de outras seis legendas.
Por outro lado, a Frente Parlamentar da Agropecuária, grupo mais organizado da bancada ruralista no Congresso, saiu fortalecida do pleito, reelegendo 127 deputados, sem contar os novos membros.
O filósofo e um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, avalia, no entanto, que o aspecto mais importante do resultado das urnas do ponto de vista ambiental não é quantitativo, mas qualitativo.
“Nós vamos ter, tanto pela direita quanto pela esquerda, expoentes importantes. De um lado, Marina Silva, responsável pela maior redução do desmatamento na Amazônia na história, durante sua gestão no governo Lula. Do outro, Ricardo Salles, o cara da boiada, que promoveu o desmonte das políticas ambientais até então existentes. Será um congresso mais polarizado e isso certamente aquecerá o debate em torno dessa agenda”, destaca.
Amazônia ausente
Chama atenção a ausência de representantes de sete dos nove estados da Amazônia Legal: Região que ocupa quase metade do território brasileiro, abrange 9 estados e tem área superior ao do bioma amazônico. na nova bancada do meio ambiente. Somente Pará e Rondônia contarão com parlamentares federais comprometidos com a causa ambiental, cada um com apenas um deputado eleito.
Por outro lado, Santilli alerta para o aumento da representação parlamentar das frentes de exploração predatória que atuam na região e explica que o cenário de polarização nacional acabou afetando a região.
“Não custa lembrar que Bolsonaro teve a maioria de votos na parte da Amazônia que é compreendida pelo arco do desmatamento, além de Roraima. A representação desses setores predatórios, que se fortaleceu, será um obstáculo a ser vencido para a implementação de políticas para o desenvolvimento sustentável da região no próximo mandato”.
Aldear a política
Em 2022, o número de candidatos indígenas bateu recorde no Brasil, com 182 pleiteantes de diferentes partidos e correntes ideológicas, com destaque para as mulheres, que tiveram crescimento de 75% nos registros de candidaturas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nove conseguiram se eleger para diferentes cargos. Desse total, quatro formarão a nova bancada verde da Câmara Federal.
Uma delas é Sônia Guajajara (PSOL), que fez história ao ser a primeira mulher indígena eleita deputada federal por São Paulo, com quase 157 mil votos, e a segunda a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados – a primeira, a atual deputada federal Joênia Wapichana (Rede), de Roraima, não se reelegeu devido o quociente eleitoral: É o resultado do cálculo que divide o total de votos válidos pelo total de cadeiras nas casas parlamentares. O procedimento serve para definir os partidos que têm direito a ocupar as vagas nas eleições proporcionais, ou seja, para os cargos de deputado federal, estadual e distrital e de vereador., embora tenha ficado entre os seis mais votados em seu estado e obtido votação 35% superior à de 2018.
Em vídeo postado no Twitter, Guajajara comemorou o feito inédito. “Sei que o desafio é gigante e difícil naquele ambiente hostil do Congresso Nacional, mas o primeiro passo está dado. Nós vamos entrar pela porta da frente para aldear a política”.
Quem também fez história como a primeira mulher indígena eleita deputada federal por Minas Gerais foi Célia Xakriabá, do PSOL, com mais de 100 mil eleitores. Doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela se elegeu com a promessa de lutar pela demarcação de novos territórios e titulação dos quilombos. “Iniciamos um novo momento da história da democracia neste país”, escreveu, após o resultado das urnas.
As duas foram as únicas vitoriosas de uma lista de 30 candidaturas de povos originários apoiadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma das mais importantes organizações de povos originários do país. Juntos, esses candidatos obtiveram quase 450 mil votos em todo o país.
Os outros dois deputados federais autodeclarados indígenas e comprometidos com o meio ambiente são Paulo Guedes, reeleito por Minas Gerais, e a novata Juliana Cardoso, de São Paulo, ambos do PT.
Márcio Santilli, que já foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), considera que Guajajara e Xakriabá, que ascenderam politicamente por meio da militância indígena, farão mandatos de grande importância para as comunidades nativas.
“Primeiro porque são duas referências do movimento que se elegeram com o seu apoio e representarão as necessidades e interesses dos povos tradicionais na Câmara. Além disso, há uma particularidade muito interessante sobre ambas, que é o fato de terem sido eleitas majoritariamente por votos urbanos não indígenas, o que deixa claro que há, hoje, uma receptividade muito importante da sociedade nacional para essa questão”.
Apesar do número baixo de indígenas eleitos, ele vê o resultado das urnas com otimismo. “A população indígena representa cerca de 0,5% da sociedade brasileira. Nesse contexto, e considerando as regras e a lógica do jogo político nacional, é extremamente difícil que um membro dessas comunidades consiga se eleger em nível federal. Então essas duas vitórias significam um passo à frente e certamente vão estimular uma participação cada vez maior de indígenas nas eleições”.
Ciência e negritude
A nova bancada do meio ambiente conta ainda com 11 representantes que apoiam a ciência e a educação. Eles assinaram, durante a campanha, dois manifestos propostos pelo grupo Cientistas Engajados, que luta contra o “obscurantismo” e pela inclusão do conhecimento científico na formulação de projetos de lei, entre eles os ambientais.
Integrarão a bancada da ciência os deputados Rubens Otoni , Erika Kokay, Ana Pimentel, Enio Verri, Tadeu Veneri, Zeca Dirceu, Fernando Mineiro, Maria do Rosário, Paulo Pimenta, Pedro Uczai (todos do PT) e Alice Portugal (PCdoB).
Além disso, foram eleitas oito lideranças afrodescendentes comprometidas com a agenda da Coalizão Negra Por Direitos, autora da iniciativa Quilombo nos Parlamentos. A ideia é aumentar a representatividade negra nas casas legislativas e viabilizar políticas públicas em prol das comunidades quilombolas.
Foram eleitos com o apoio da iniciativa os deputados federais petistas Valmir Assunção, Dandara Tonantzin, Benedita da Silva, Carol Dartora e Denise Pessôa, além de Henrique Vieira, Taliria Petrone e Erika Hilton, do PSOL.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.