As mortes do Guardião da Floresta, Janildo Oliveira Guajajara, e de Jael Carlos Miranda Guajajara na Terra Indígena Arariboia expõe um histórico de perseguições e assassinatos de madeireiros contra indígenas no Maranhão.
”Nunca tiveram pudor em nos assassinar. O povo Tenetehara (Guajajara) tem andado mais aflito, mais amendrotado”. O relato do líder indígena Lauro Guajajara resume e traduz o sentimento que cerca o povo Guajajara após a morte de dois de seus jovens, no último sábado, dia 3, no interior do Maranhão.
Janildo Oliveira Guajajara, que atuava no combate à invasão madeireira no grupo Guardiões da Floresta Guajajara, foi assassinado a tiros, no município de Amarante do Maranhão (MA), enquanto voltava de uma festa. Já no município de Arame (MA), Jael Carlos Miranda Guajajara foi encontrado junto de sua moto após um atropelamento que as lideranças indígenas acreditam que tenha sido intencional e não um acidente.
A suspeita dos Guajajara e das organizações de apoio do movimento indígena é de que madeireiros invasores da Terra Indígena Arariboia, com quem os indígenas têm intenso conflito há décadas, estejam envolvidos nos crimes. Além das duas mortes, um adolescente de 14 anos que acompanhava Janildo também foi baleado durante o ataque que assassinou o guardião. O adolescente já recebeu alta, está sob proteção das autoridades e, por enquanto, é a única testemunha do caso.
Em novembro de 2019, Lauro Guajajara foi incluído no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e retirado da floresta sob proteção policial após o assassinato de outro guardião, Paulo Paulino Guajajara. O programa garantiu sua segurança por 30 dias. Agora, ele diz estar “em alerta permanente” e faz sozinho a segurança da própria família. “A violência contra o povo tenetehara (Guajajara) em Amarante do Maranhão, tornou-se uma prática habitual cometida pelos Amarantinos. Uma cidade declaradamente preconceituosa e racista”, disse.
“Esses dois casos de assassinatos são o exemplo dessa violência gratuita. O indígena que foi assassinado é prova de como nós indígenas estamos sendo perseguidos e mortos covardemente. Esse assassinato foi um ato covarde e premeditado, tendo em vista que o tiro foi pelas costas, tirando qualquer possibilidade de defesa da vítima. O autor do crime tem certeza da impunidade”, continuou Lauro.
A coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Maranhão, Rosana Diniz, conta que os Guajajara estão indignados e que esses ataques se devem à disputa pelo território. “O povo Guajajara é dono de um território de quase meio milhão de hectares, onde ainda resiste um resquício de floresta no estado do Maranhão. A luta desse povo para manter esse patrimônio é de muito sofrimento e eles têm nos últimos anos tomado a iniciativa de proteger essa terra. Por conta disso, são muitas as ameaças”, explica.
Com 413 mil hectares, a terra indígena Arariboia abrange seis municípios do Maranhão: Amarante do Maranhão, Arame, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Grajaú e Santa Luzia. Nela habitam cerca de 12 mil pessoas dos povos Guajajara, Awá Guajá e os Awá que vivem em isolamento voluntário. Desde 2007, com a criação do grupo Guardiões da Floresta, os indígenas passaram a atuar em defesa do território, fechando ramais de desmatamento e expulsando madeireiros da região. Janildo Guajajara fazia parte do Guardiões da Floresta desde 2018 e era um dos responsáveis por fechar ramais de madeireiros na região do Barreiro, dentro da TI Arariboia.
A morte de Janildo, no entanto, não é um caso isolado. De acordo com os dados levantados pelo Cimi na plataforma Cartografia de Ataques Contra Indígenas (CACI), desde o ano de 2000 até o ano passado, 23 indígenas foram assassinados dentro da TI Arariboia. Desses, cinco ocorreram entre 2019 e 2021.
Em nota, a Associação Ka’a Iwar, que representa os guardiões, exige do poder público respostas à série de crimes . “Por todos esses anos fizemos e continuaremos a fazer a proteção territorial mesmo sendo ameaçados e mortos. Somos contrários à violência que mata e destrói, por isso lutamos pela vida. Nosso povo clama por justiça e exigimos a devida investigação desse e de outros assassinatos contra o povo Tenetehara e queremos resposta da justiça de mais esse crime bárbaro”, afirma a nota.
Em entrevista ao G1, o delegado da Polícia Civil, Alex Coelho informou que a testemunha do caso Janildo já foi ouvida, que um inquérito foi instaurado e que o caso deve ser enviado à Polícia Federal.
Em maio deste ano, a Polícia Federal esteve na TI Arariboia realizando operação que destruiu serrarias, movelarias, e registrou em fotos dezenas de árvores derrubadas ilegalmente. A PF foi procurada para falar sobre os desdobramentos dessa operação e também sobre a investigação das mortes ocorridas no fim de semana, mas não retornou à reportagem.
“Por que balearam o nosso guerreirinho?”
Laércio Guajajara, que também faz parte do grupo Guardiões da Floresta, sobreviveu à emboscada que levou à morte de Paulo Paulino, em 2019. Ao falar com a reportagem, Laércio, que saiu da sua aldeia depois que Paulo foi assassinado devido às ameaças de morte que vinha sofrendo, chorou e disse que pretende voltar para a defesa de seu território. “Eu chamo isso de guerra fria, porque estão matando meus amigos e ninguém faz nada. Esse guerreirinho que foi morto é novato no nosso grupo. E não tem outro motivo. Por que balearam nosso guerreirinho? Quatorze anos, era só uma criança”, disse.
Em tom de revolta, Laércio afirma que a certeza da impunidade é o que motiva os crimes e que ele e outros guardiões pretendem realizar mais ações de enfrentamento e desintrusão.
“Nós não sabemos o que fazer, porque o desespero é grande aqui. Os brancos estão matando meus irmãos, estão matando minha família. Nós estamos esperando pela justiça, mas ninguém faz nada. E não vamos mais aceitar isso, vamos manter nossa cultura e proteger nosso território”, afirmou.
Guajajara e Madeireiros
O geógrafo e indigenista Carlos Travasso, que participou diretamente da criação do Guardiões da Floresta, explica que esse embate com madeireiros é antigo e que as evidências mostram que esse pode ser mais um caso dessa história de conflito. “O Janildo morava numa pequena aldeia onde tinha um ramal madeireiro, e a região era toda organizada pelo Guardiões da Floresta, então a presença dele era muito evidente e reforçava as ameaças que sofria”, explica.
Em 2013, quando foi definido o regimento interno do Guardiões da Floresta, um levantamento feito pelos Guajajara indicou a existência de 64 ramais madeireiros na TI Arariboia. “Naquela época operavam caminhões de dia e de noite. Em 2018, quando eu comecei a fazer o trabalho de assessoria, fizemos um novo diagnóstico e eram 18 ramais. Na última atividade em julho, verificamos dois dos últimos três ramais que estavam ativos e encontramos eles parados”, afirmou.
Segundo Lauro Guajajara, esse combate ao crime gerou intensa revolta dos madeireiros, que instigam o ódio entre a população de Amarante.“Sabemos que o município só se perpetuou graças à exploração ilegal dos recursos naturais do território, e a ação dos guardiões feriu os ‘bolsos’ de grandes empresários e latifundiários de Amarante. Para eles, todos os indígenas jovens são guardiões”, alega o geógrafo.