Nossa reportagem flagrou em sobrevoo as chamas destruindo parte da floresta no sul do Amazonas. Especialistas apontam que queimadas ocorreram em grandes áreas desmatadas ilegalmente para abertura de pasto e plantações de soja e milho.
Em 22 de agosto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou o novo recorde de queimadas em um único dia: 3.358 focos de calor em 24 horas, mais do que o registrado no que ficou conhecido como “Dia do Fogo”, entre 10 e 11 de agosto de 2019, quando desmatadores incendiaram a floresta às margens da BR-163, no Pará. Naquela data, o satélite de referência monitorado pelo INPE computou cerca de 2.400 focos de queimadas no bioma Amazônia.
No mesmo 22 de agosto em que a floresta ardia em chamas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse durante sabatina no Jornal Nacional que é “mentira” que o Brasil se tornou destruidor da floresta e mais uma vez atribuiu parte das queimadas a ribeirinhos. A marca é a pior em 15 anos, de acordo com dados do BD Queimadas, do Inpe (o recorde diário anterior tinha sido em 29 de setembro de 2007, com 6.738 focos de calor registrados em 24h pelo satélite de referência).
Entre os dias 18 e 24 de agosto, o InfoAmaozonia sobrevoou, com a equipe de monitoramento do Greenpeace, áreas queimadas em Rondônia e no sul do Amazonas, na região que compõe a chamada Amacro (sigla das iniciais dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia).
Essa região, chamada oficialmente de Zona de Desenvolvimento Sustentável do Abunã-Madeira, concentrou mais de ¼ de todo o desmatamento da Amazônia na última taxa oficial de desmatamento: foram 350,4 mil hectares desflorestados de agosto de 2020 a julho de 2021, somente na Amacro, segundo os dados do Prodes: Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite que monitora taxas anuais de corte raso nos nove estados da Amazônia Legal, do Inpe.
Em 2022, os alertas de desmatamento do Inpe confirmam a tendência. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, 35% dos alertas do Deter: Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real, desenvolvido pelo Inpe, que gera alertas rápidos para evidências de alteração da vegetação nativa foram registrados na região da Amacro.
Junto aos ambientalistas, o InfoAmazonia constatou que os incêndios registrados nas últimas semanas, concentrados no sul do Amazonas, ocorreram em grandes áreas recém desmatadas ilegalmente para abertura de pastos e plantações de soja e milho.
A maior parte do desmatamento e queimadas foram em áreas públicas não destinadas, o que indica grilagem. No entanto, também registramos incêndio em terras indígenas, como na TI Karipuna, em Rondônia, e em áreas de preservação, como na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e no Parque Estadual do Guajará Mirim.
“Se observarmos toda a área de alerta de desmatamento do último ano, entre agosto de 2021 e julho de 2022, mais de 35% do desmatamento detectado se concentrou nessa região. Estamos falando de uma fronteira bastante expressiva do desmatamento que é muito preocupante e que chega cada vez mais perto de uma parte da floresta ainda bem conservada que é vital para o clima, para a biodiversidade e para as pessoas que moram longe ou perto da floresta”, explica Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.
Em 18 de agosto, o Greenpeace também flagrou incêndio de grandes proporções na área de uso comum e exclusivo das comunidades do Rio Manicoré. A destruição constatada é de quase 1.800 hectares e está localizada no centro-oeste do município de Manicoré (AM), uma região que sofre forte pressão de grileiros e madeireiros.
Em maio deste ano, o InfoAmazonia esteve em Manicoré e constatou a ação de invasores que avançam a partir da rodovia Transamazônica, da região de Sant Antônio do Matupi, para retirada de madeira nobre em área de floresta preservada. A ação dos invasores tem colocado em risco a integridade física dos cerca de 4 mil moradores da área da CDRU.
Nessa região, após conceder a CDRU às comunidades ribeirinhas, o governo do Amazonas manteve autorizações de manejo para exploração de madeira que deveriam ser consideradas ilegais. O governador Wilson Lima (União Brasil) chegou a declarar, em encontro com apoiadores e madeireiros, que “iria até as últimas consequências” para assegurar a exploração madeireira na região, contrariando a própria decisão anterior de reconhecimento do território tradicional dos ribeirinhos.