O discurso contra a atuação de organizações não governamentais na Amazônia é destaque na cobertura local no Amazonas sobre meio ambiente por sites e blogs que afirmam fazer jornalismo independente, seja de forma deliberada ou por meio da reprodução de discursos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de integrantes do alto escalão do governo. 

Esse é um dos resultados do mapeamento feito pelo projeto Amazonas: mentira tem preço, que mapeou 42 veículos locais a partir do Atlas da Notícia de 2020, relatório anual produzido pelo PROJOR (Instituto Para o Desenvolvimento do Jornalismo) que mapeia veículos de imprensa em todo o país.

Entre os achados, estão veículos que defendem integralmente qualquer ação do governo federal, sem contextualizar ou entrevistar especialistas, e sem avisar os leitores da decisão editorial; sites que republicam integralmente releases (conteúdo elaborado pelas assessorias dos órgãos públicos e de políticos como propaganda institucional) dos governos federais e estaduais e de políticos; que não indicam quais dados foram consultados nem apresentam especialistas entrevistados.  

Uma dessas postagens, publicada no site Chumbo Grosso em 4 de junho de 2019, diz “Com a certeza de perderem a boquinha, ambientalistas protestam no Rio pelo Fundo Amazônia”. Já o site 18 horas repercutiu a declaração de Bolsonaro, que atribuiu sem provas, os incêndios na Amazônia à atuação de ONGs e de governadores. A recorrente acusação em tom conspiratório sobre as ONGs foi verificada e desmentida recentemente pela agência de fact checking Lupa. 

O site Direto ao Ponto News publicou, em 31 de agosto do ano passado, uma postagem creditando às ONGs e aos partidos de esquerda a manifestação indígena em Brasília contra a tese jurídica do marco temporal, quando na verdade entidades nacionais que representam essas populações em todo o território organizaram a maior mobilização indígena do país.

Em nota, o site afirma respeitar e reconhecer a luta indígena, mas que “como um veículo de comunicação que gera conteúdo informativo e opinativo, não se furta, no entanto, de criticar manifestações de quaisquer natureza que depredam o patrimônio público e ameaçam a vida de cidadãos, como é, lamentavelmente, o caso em questão.”

Fotos: @mvelos2 / @midianinja
No sexto dia do acampamento “Luta pela Vida”, mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país marcharam pela Esplanada dos Ministérios

Na manifestação, no entanto, não houve depredação patrimonial.  Na ocasião, mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do país marcharam pela Esplanada dos Ministérios. Em um ato simbólico, colocaram fogo em um caixão que simbolizava os “projetos de morte” contra seus direitos, conforme definiu a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e ocuparam o espelho d’água do Ministério da Justiça (MJ). 

“Combater a desinformação é um desafio no Brasil e no mundo. Não se trata de um boato, mas de um processo radical do enviesamento”

Sérgio Lüdtke, coordenador do Atlas da Notícia e dos cursos da Abraji

No LR notícias, o colunista Osíris M. Araújo da Silva, que se apresenta como “economista, consultor de empresas, escritor e poeta”, usou seu espaço para defender o uso de agrotóxico – política de governo que coloca o Brasil na contramão mundial, segundo o jornal Le Monde –  e criminalizar a ação de Ongs sem apresentar provas, como fez na coluna “Terrorismo Ambiental”, em 8 de agosto de 2019. Para dar credibilidade a seus argumentos, Silva utiliza declarações do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por esquema de exportação ilegal de madeira da Amazônia.  Questionado, o LR Notícias afirmou que a opinião do colunista não é a mesma do veículo.

Essas três publicações integram a análise realizada pelo projeto Amazonas: Mentira tem preço em sites e portais do Amazonas. Primeiro, a partir do Atlas da Notícia, a equipe selecionou todos os sites e blogs existentes nos 30 municípios com maior PIB (Produto Interno Bruto) no Amazonas. Em 2020, eram 184 sites e blogs no Estado, sendo 137 deles em Manaus (capital). Em 37 municípios não havia um único veículo de notícia. Nesses casos, foi feita uma pesquisa adicional em buscadores e redes sociais. Com os primeiros achados, teve início a segunda fase do mapeamento, com buscas, em cada site ou rede social, de postagens com palavras-chave relacionadas à questões socioambientais, como desmatamento. Os que não tinham foram excluídos.

Na terceira etapa, foram analisados critérios de publicação, como frequência e interesse público, e dados do veículo, como expediente e CNPJ. Na quarta e última etapa, cada história publicada foi analisada a partir dos oito indicadores estabelecidos pelo Projeto Credibilidade, “uma série de declarações padronizadas sobre os princípios éticos e de conduta seguidos por organizações noticiosas.” Assim, a análise do Amazonas: mentira tem preço chegou a 42 veículos. 

“Combater a desinformação é um desafio no Brasil e no mundo. Não se trata de um boato, mas de um processo radical do enviesamento. As pessoas recebem doses bem calibradas de conteúdo com elementos de verdade, para que elas encontrem semelhanças com a realidade e reajam, seja por encantamento ou por raiva. Elas começam a ficar isoladas nessa realidade paralela e aí fica mais fácil para quem produz acessar esse público”, afirma o jornalista Sérgio Lüdtke, coordenador do Atlas da Notícia e dos cursos da Abraji.  

Os recordes de desmatamento da Amazônia nos últimos anos não aparecem na cobertura do Chumbo Grosso e do LR Notícias. Os dois sites exibem anúncios do governo do estado do Amazonas. 

A agenda socioambiental de Bolsonaro é alvo de críticas dentro e fora do país pela altas históricas de desmatamento; pela redução de orçamento para combate e fiscalização a atividades predatórias, como garimpo ilegal e desmatamento ilegal; pelo negacionismo em relação à crise climática e políticas de enfrentamento, dentre outros. 

Por telefone, o dono do site Ronaldo de Guadalupe Aleixo Nascimento, conhecido como Ronaldo Chumbo Grosso, afirmou que a cobertura socioambiental pró-governo federal é uma escolha editorial, e que o principal destaque é o “combate às ONGs internacionais”. “A gente apoia o governo federal quase 100%. É um governo que trabalha muito o meio ambiente, tem investido muito aqui. A Amazônia tem recebido bastante recursos em relação a isso. Eu apoio totalmente a pauta ambiental do governo federal”, afirmou.

O suposto investimento no Estado, no entanto, não melhorou a qualidade de vida dos moradores, mostram os indicadores. Reportagem de 2019 da rádio EBC do governo federal mostrou que os estados da região Amazônica têm Índices de Desenvolvimento Humano abaixo do índice brasileiro. Um relatório do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) de 2021 mostrou que os municípios que mais desmatam têm pior qualidade de vida

Também por telefone, Luis Rougles, proprietário do LR Notícias,  afirmou que a cobertura ambiental do veículo é focada principalmente nas ações da Secretaria do Meio Ambiente do governo estadual. “Nós recebemos, assim como todos os veículos do estado, verba do governo por meio de anúncios e somos abastecidos com pautas da assessoria. Mas nem todas nós publicamos”, disse. A cobertura do veículo é focada em material de assessoria de imprensa e agências públicas.

Assim como o LR Notícias, encontramos outros casos onde a cobertura ambiental é focada exclusivamente no material divulgado pelo governo estadual. É o caso dos sites CM7 e Portal Amazonas, que reproduzem integralmente o release do governo estadual na publicação “Operação Tamoiotatá reforça ações de combate ao desmatamento em Humaitá”, idêntica nos dois portais. 

Nesses veículos, os recordes de desmatamento da Amazônia e o desmonte dos órgãos ambientais também não aparecem na cobertura. Procurados pela reportagem, o CM7 e o Portal do Amazonas não responderam até o momento desta publicação.

Na apresentação de sua linha editorial, disponível no site, o Portal do Amazonas afirma que “promove conteúdos originais, com o objetivo de informar, engajado com o compromisso diário com o público leitor, exercendo a prática social do papel do jornalismo que é relatar a realidade dos fatos com precisão e exatidão, garantindo um conteúdo com qualidade e credibilidade”.

Declarações mentirosas ganham espaço

Reprodução
Imagem do site 18 Horas Mix

A análise também mapeou a repercussão de declarações mentirosas de Bolsonaro e do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, de que a Amazônia é preservada. 

Foi verificada a presença de conteúdo declaratório em 32 desses sites, com matérias que contemplam apenas a posição do Planalto sobre o tema ambiental. 

No ano em que o Brasil bateu o terceiro recorde histórico de desmatamento, os sites 18 horas e o Portal Barrancas deram espaço para declarações mentirosas e imprecisas sem qualquer tipo de contraponto. 

Reprodução
Imagem do Portal Barrancas

A Reportagem do UOL desmentiu o discurso governista sobre a queda no desmatamento da Amazônia nos últimos anos e apontou dados descontextualizados usados pelo presidente. 

Procurado pela reportagem, o site 18 Horas Mix não se manifestou. O Portal Barrancas informou que sua atuação é voltada para o jornalismo comunitário no município de Humaitá (AM), onde está sediado. Com apenas dois profissionais em sua equipe, o veículo diz depender de agências de notícias para a cobertura de temas nacionais. 

Em uma análise dos sites, verificamos que o site 18 Horas Mix deu destaque em sua cobertura para os recordes de desmatamento na Amazônia. No Portal Barrancas encontramos conteúdos de serviço voltados à população indígena local, como campanhas de vacinação e matérias produzidas com base em  relatórios divulgados pela  Apib.

O projeto Amazonas: Mentira tem preço procurou o governo do Amazonas para saber quais sites receberam verba estadual por meio de anúncios em 2021, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Pega na mentira 

7 dicas para descobrir se estão tentando enganar você

1) Leia tudo e tente responder: Aquela história faz sentido? Parece absurda? Os dados são de uma instituição confiável ou apenas menciona nomes conhecidos para criar essa sensação? Se faltarem respostas, ligue o sinal de alerta. A chance de ser mentira é alta. 

2) A sua raiva aumentou rapidamente ao ler o texto ou ver o vídeo? Ou sentiu muito medo com aquela imagem? A mensagem pedia compartilhamento urgente? Essas estratégias são usadas de propósito por quem espalha mentiras nas redes. Cuidado. Respire fundo, segure a vontade de compartilhar e vá para a nossa próxima dica.  

3) Alguma pessoa foi consultada? Ou não tem ninguém falando sobre o assunto? Desconfie se estiverem defendendo alguma coisa, mas ninguém aparece na mensagem. Se uma pessoa for mencionada, procure saber mais dela em outros sites. 

4) Quem escreveu aquele texto? Onde foi publicado? Veículos jornalísticos têm obrigação de ouvir todos os lados citados na história e apurar com rigor. Preste atenção em sites que usam trocadilhos ou adotam nomes parecidos ao de um veículo reconhecido. 

5) Dê um Google. Se você viu e ficou na dúvida, busque informações sobre o assunto. 

6) Você pode pedir ajuda de agências especializadas em checar mensagens compartilhadas nas redes. Adicione os números do Whatsapp e peça ajuda, sem pagar nada: do Comprova, (11) 97045-4984;  da Agência Lupa, (21) 99193-375; do Fato ou Fake (21) 97305-9827 ou, ainda, da Fátima, a robô dos Aos Fatos especializada em checagem.  

7) Como falar com jovens e crianças sobre fake news dentro de casa, na escola? Uma sugestão é seguir as produções do projeto Foca nas Mídias, da Universidade de São Paulo, que produziu uma série de vídeos sobre o assunto.   

Amazonas - Mentira tem preço
Fala - Histórias para não esquecer
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