Presidente da cooperativa diz que Bolsonaro irá anunciar pessoalmente aos garimpeiros os novos termos para retomada da mineração. Para efetivar o “negócio”, cooperados precisam antes anular contratos firmados com empresa canadense em assembleia

A Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada conta com a intervenção federal do presidente Jair Bolsonaro (PL) para reativar a mineração no mesmo local onde funcionou, entre os anos de 1978 e 1992, o maior garimpo a céu aberto do mundo. A retomada das atividades, segundo eles, depende da anulação do contrato da cooperativa com a empresa canadense Colossus, firmado em 2007, o que garantiria o retorno dos direitos sobre a área desapropriada da mineradora Vale e doada aos garimpeiros pelo governo militar em 1984.

Em uma assembleia extraordinária marcada para este domingo, 23 de janeiro, a presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP), Deuzita Rodrigues da Cruz Vianna, promete definir o futuro da mina e distribuir os lucros entre os associados que aguardam há mais de 30 anos por um encaminhamento.

A decisão de Bolsonaro sobre Serra Pelada, segundo Deuzita, será anunciada pelo próprio presidente, que já recebeu o convite para ir até Serra Pelada, localizada no município de Curionópolis, sudeste do Pará.

“Ele [Bolsonaro] nos prometeu que vai dar essa resposta em uma grande reunião. E nós levamos o convite para que ele venha nos visitar em Serra Pelada. E como é ano eleitoral, nós esperamos que esse encontro aconteça antes de junho”, disse Deuzita ao InfoAmazonia. Antes de receber o presidente, a diretoria pretende anular antigos contratos e rever o quadro de associados. 

Ele [Bolsonaro] nos prometeu que vai dar essa resposta em uma grande reunião. E nós levamos o convite para que ele venha nos visitar em Serra Pelada.  E como é ano eleitoral, nós esperamos que esse encontro aconteça antes de junho

Deuzita Rodrigues da Cruz Vianna, presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada

Hoje, a cooperativa conta com cerca de 45 mil filiados, todos ex-garimpeiros registrados pela cooperativa na época. No entanto, este número pode aumentar caso os garimpeiros aprovem também a possibilidade do ingresso de novos membros mediante comprovação de que trabalharam no garimpo de Serra Pelada.

Isaac Nobrega/ Presidência da República
Bolsonaro recebe garimpeiros de Serra Pelada em Brasília, em outubro de 2019.

Em 2019, os representantes da cooperativa estiveram com Bolsonaro em Brasília, onde entregaram um pedido de intervenção federal e  cobraram equipamentos e a liberação de valores retidos dos garimpeiros pela Caixa na década de 1980, que giram em torno de 200 milhões de reais. Na ocasião, Bolsonaro disse que, se preciso, convocaria as Forças Armadas para assegurar o retorno de Serra Pelada e que buscaria alternativas junto ao Ministério de Minas e Energia.

O encerramento do contrato com a Colossus devolve à cooperativa o direito pleno sobre a área de 100 hectares doada pelo ex-presidente militar João Figueiredo, permitindo que eles negociem a exploração da área com outras empresas. Mas o garimpo em Serra Pelada continua proibido e impraticável ambientalmente, segundo especialistas ouvidos pelo InfoAmazonia

Entre garimpeiros e herdeiros, a reunião deste domingo ainda é cercada de críticas e dúvidas sobre seus efeitos práticos. “A maioria dos garimpeiros de Serra Pelada estão velhos e cansados de tantas promessas. Eles não têm mais tempo para esperar. Muitos têm dificuldade até para entender o que se pretende com essa reunião, e as coisas não estão claras. Nós pedimos para ser cancelada, mas a presidente é intransigente”, disse Wellio Monteiro, 37 anos, filho de garimpeiro.

A maioria dos garimpeiros de Serra Pelada estão velhos e cansados de tantas promessas. Eles não têm mais tempo para esperar. Muitos têm dificuldade até para entender o que se pretende com essa reunião, e as coisas não estão claras.

Wellio Monteiro, filho de garimpeiro da COOMIGASP

O evento também dividiu a própria diretoria da cooperativa. Quatro diretores pediram oficialmente o cancelamento da reunião, mas Deuzita mantém o encontro para domingo. “Essa assembleia é definitiva para os garimpeiros de Serra Pelada e precisa ser realizada. Os que são contra, são os mesmos que estiveram anos lá e nunca fizeram nada pelos garimpeiros”, rebate a atual presidente da COOMIGASP.

O garimpo de Serra Pelada foi fechado definitivamente em 1992 pelo então presidente Fernando Collor e a atividade manual no terreno foi proibida, deixando uma cratera de 24 mil metros quadrados. A cava aberta pelos milhares de garimpeiros que passaram pelo local durante os 12 anos de atividade do garimpo hoje forma um grande lago de 200 metros de profundidade, tornando ainda mais difícil qualquer possibilidade de retomada do antigo garimpo. 

Em 2010, o ex-presidente Lula esteve em Serra Pelada e entregou aos garimpeiros a concessão para retomada da mineração no local através da lavra mecanizada, com uso de equipamentos usados pelas grandes empresas de mineração. Porém, a empreitada não prosperou e a canadense Colossus abandonou o projeto sem qualquer tipo de comunicado.

As negociações para reativar Serra Pelada ganharam força em 2006, quando surgiu a possibilidade da cooperativa se aliar a uma grande mineradora capaz de operar a extração industrial no local. Naquele ano foi criada a Colossus Mineração LTDA, subsidiária da canadense Colossus Minerals, e que em 2007 assinou contrato com os garimpeiros que detinha a propriedade da área. O projeto inicial previa um investimento de R$ 320 milhões para uma exploração prevista ao longo de 15 anos. Como parte do acordo, os garimpeiros ficariam com 25% do lucro. A Colossus chegou a captar recursos na Bolsa de Toronto, no Canadá, mas o projeto Serra Pelada nunca saiu do papel. Em 2014, alegando dificuldades financeiras, a empresa fechou o capital na bolsa e começou a demitir funcionários empregados no Brasil.

O contrato com a Colossus nunca foi desfeito. Com o abandono da empresa, os garimpeiros retomaram as instalações e constataram que parte dos estudos realizados no local acabaram se perdendo junto com outros documentos que acabaram deteriorados com o tempo. Em 2016, a Colossus deu baixa definitiva no CNPJ da subsidiária brasileira e os diretores nunca mais foram vistos.

“Nos dias de hoje é impossível reativar o garimpo de Serra Pelada [para o garimpo manual], geologicamente é uma possibilidade que colocaria pessoas em risco. Já a atividade industrial ainda não se mostrou viável, a Colossus enfrentou diversas dificuldades para operar naquele local e desistiu”, diz o geólogo Elmer Prata Salomão, que já comandou o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), hoje Agência Nacional de Mineração (ANM), e é conselheiro da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral. 

Nos dias de hoje é impossível reativar o garimpo de Serra Pelada, geologicamente é uma possibilidade que colocaria pessoas em risco. Já a atividade industrial ainda não se mostrou viável.

Elmer Prata Salomão, geólogo e conselheiro da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral. 

“Mas não questiono o direito dos garimpeiros de Serra Pelada de tentarem venderem os direitos minerários. Eles estiveram lá e conquistaram esse direito. Serra Pelada foi o garimpo mais famoso do mundo. Sempre vai ter alguém que queira pesquisar minério lá. No entanto, temos poucos estudos geológicos daquela área. Ao que tudo indica, seria necessário emprego de alta tecnologia para operar mineração naquele local com alto investimento”, emenda Salomão.

O chamamento para assembleia deve reunir garimpeiros e herdeiros vindos de diversas regiões. Dos cerca de 45 mil associados, apenas pouco mais de 5 mil estariam em dia com suas obrigações com a cooperativa, e portanto têm direito a voto. Diante do impasse e das ameaças para a realização da assembleia, a diretoria solicitou apoio da Polícia Militar.

Bolsonaro, o novo Figueiredo 

O gigantismo de Serra Pelada, aquele das fotos impressionantes, das reportagens épicas e que foi parar nas telas do cinema, em nada se compara com a organização da cooperativa que detém a propriedade do terreno desde a década de 1980. 

Criada em 1984 sob os auspícios do major Curió, que durante o governo militar atuou como interventor em Serra Pelada, a entidade teve as gestões marcadas por escândalos e suspeitas de desvios. A disputa pelo comando da cooperativa resultou em contratos e promessas que nunca se confirmaram. As dívidas se acumularam e o sonho de Serra Pelada se transformou num calvário.

Com a mineradora Vale, que detinha os direitos minerários da área quando os primeiros garimpeiros chegaram em Serra Pelada, foram inúmeras disputas judiciais. Em 1992, o presidente Collor chegou a devolver a área para a mineradora, mas o ato acabou anulado pelo Senado. Até hoje a área doada pelo governo militar aos garimpeiros nunca foi demarcada. 

Com Bolsonaro no governo, sob o discurso de que o interesse na Amazônia “não é o índio ou na porra da árvore, mas sim o minério”, os garimpeiros de Serra Pelada viram a oportunidade de reativar o garimpo.

A ligação de Bolsonaro com Serra Pelada vem de berço. Segundo o próprio presidente, seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro, foi garimpeiro e teria passado por Serra Pelada na década de 1980. “Logicamente isso tá no sangue da gente. Eu sempre tinha no carro uma bateia e um jogo de peneira e sempre que possível, eu parava em um canto qualquer e dava uma faiscada”, disse em mensagem gravada aos garimpeiros de Serra Pelada durante a campanha de 2018. Não há informações se a família Bolsonaro chegou a se associar à cooperativa.

Os garimpeiros associados à cooperativa já estão com idade avançada, o mais novo tem 58 anos, e qualquer tipo de operação no terreno apresenta inúmeros obstáculos.

O risco de reabrir a cava principal de Serra Pelada, onde homens carregavam sacos de areia nas costas pelas imensas escadas até o topo parece algo impossível nos dias atuais.

Mesmo assim, a esperança de ver o ouro brotar daquela terra permanece viva entre os associados. “Ali tem muito ouro, a cooperativa é quem deve assumir a operação com maquinário”, opina Wellio.

Escolhida em uma eleição também marcada por contestações, trazida de fora da cooperativa para resolver o impasse que se arrasta há anos, Deuzita Rodrigues é a primeira mulher a comandar a legião de garimpeiros de Serra Pelada num local onde o próprio major Curió chegou a proibir a circulação de mulheres.A proximidade do grupo que elegeu Deuzita com Bolsonaro é antiga. No encontro com os garimpeiros de Serra Pelada em 2018,  Bolsonaro recebeu das mãos de Jonas Claudius de Oliveira as reivindicações dos garimpeiros.

Divulgação/Presidência
Jonas Claudius de Oliveira (camisa cinza) em encontro com Bolsonaro em 2019. Associado da Comigasp, Claudius intermediou contatos da atual diretoria com Brasília

Jonas se tornou porta-voz do grupo e voltou a se reunir com Bolsonaro em 2019, já eleito, quando ouviu do próprio presidente que ele iria “fazer o possível pelos garimpeiros”. Na ocasião, entregou um dossiê, chamado “O Roubo do Século”, onde acusa grandes mineradoras como a Vale de retirarem minério através de galerias subterrâneas na área da cooperativa. Bolsonaro fez coro e disse que a Vale “abocanhou” os direitos para mineração no Brasil nos governos passados. As denúncias entregues ao presidente nunca se confirmaram.

No encontro, falando pelos garimpeiros, Jonas disse que o Brasil voltou a ser governado por um “militar”, tal qual Figueiredo, “para colocar ordem no Brasil”.

O InfoAmazonia questionou a presidência da República sobre as promessas do presidente Bolsonaro aos garimpeiros de Serra Pelada. Mas o governo não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

Sobre o autor

Fábio Bispo

Repórter investigativo do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo. Tem foco na cobertura...

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  1. Meu esposo garimpeiro da serra pelada… Infelizmente faleceu,Trabalhou uma vida inteira na serra pelada! Pergunto! Já saiu o dinheiro dos garimpeiro? Caixa Econômica Federal? Como viúva espero uma resposta! Meu esposo deu o sangue em serra pelada e nunca adquiriu nada! Só problemas de saúde coitado… tenho todas documentações dele, carteira de garimpeiro, carne pagos de associado enfim tudo! Fiquei viúva e sem nada, nem uma aposentadoria tenho! Acho que muitas mulheres estão na mesma situação que eu ! Só quero os meus direitos…

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