Estudos mostram como a grilagem de terras e outros crimes ambientais prosperam e se tornaram um bom negócio na floresta tropical brasileira por terem baixo risco e alto retorno financeiro.

Deflagrada em 2019 por Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF), a Operação Ojuara denunciou um ex-dirigente do Ibama, empresários, fazendeiros e policiais por crimes ligados ao desmate em áreas protegidas na Amazônia. Eles usaram milícias para acossar indígenas e contas de “laranjas” para limpar lucros e itens comprados com as vendas de madeira e de gado criado ilegalmente.

O esquema revelado pela operação é comum aos crimes que prejudicam a floresta e seus povos conforme revela uma pesquisa da Transparência Internacional. Abrir empresas de fachada, falsificar documentos, usar dinheiro vivo e fracionar depósitos financeiros são algumas das práticas usadas para “legalizar” terras griladas, além de madeira, carne e ouro consumidos no Brasil e no exterior. Para o estudo, a entidade analisou 11 operações do Ministério Público e de polícias na Amazônia e no Nordeste para compreender o modus operandi da corrupção associado à grilagem de terras e outros crimes.

“A lavagem de ‘ativos ambientais’ (como gado, madeira, terra etc) busca esconder a origem criminosa dessas explorações e desses negócios, que ocorrem através do roubo de patrimônio público, em áreas ilegais ou sem licenciamento dos órgãos ambientais”, explicou Joachim Stassart, pesquisador do Programa de Integridade Socioambiental da Transparência Internacional. 

Manobras para legalizar boiadas de terras griladas foram detectadas, por exemplo, na operação Rios Voadores, de 2016. Documentos para venda a frigoríficos eram obtidos com a transferência do gado para fazendas regulares, registradas em nome de “testas-de-ferro” para mascarar os verdadeiros donos. Conforme MPF e Ibama, entre 2012 e 2015 a quadrilha movimentou R$ 1,9 bilhão e desmatou 330 km² em Altamira, no Pará, uma área equivalente à do município de Belo Horizonte (MG). 

O estudo aponta que esse tipo de crime pode ser enfrentado com medidas administrativas, sem criar novas leis, e que sonegação de tributos, lavagem de dinheiro e de outros bens devem ser investigados junto com esquemas de grilagem de terras. Advogados, corretores e titulares de cartórios devem ser responsabilizados por fraudes no registro de terras. Além disso, é necessário melhorar, aprofundar e integrar bases fundiárias e ações de fiscalização entre órgãos federais e estaduais. 

Sugestões para combate à grilagem:

1- Fortalecer a governança de terras, com integração dos cadastros e fortalecimento dos órgãos fundiários

2- Melhorar a transparência e controle social sobre cadastros e registros de imóveis e processos de regularização fundiária

3- Reforçar controles e ações de fiscalização contra a grilagem

4- Mobilizar os instrumentos e as instituições anticorrupção e antilavagem.

Fonte: estudo “Governança fundiária frágil, fraude e corrupção: um terreno fértil para a grilagem de terras”

“Falta de transparência e de controle sobre a quem pertencem e como são usadas terras na Amazônia facilitam delitos como a legalização da grilagem e complicam a defesa dos direitos de populações indígenas, tradicionais e posseiros, deixando essas populações mais vulneráveis à criminalidade”, completou Stassart, mestre em Direitos Humanos pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (França).

Lei facilita lavagem de ouro

O comércio de ouro é outro produto suscetível à corrupção no Brasil e um dos itens mais valorizados pela mineração legal e ilegal. Cada onça-troy (31 gramas) era cotada nos mercados globais em quase R$ 10 mil no início de dezembro. Sua lavagem no país foi facilitada por uma lei federal aprovada no Congresso em 2013, baseada em medida provisória do governo Dilma Rousseff. A limpeza do metal dourado passa por “postos de compra”, casinhas de madeira ou alvenaria em cidades e garimpos na Amazônia, e pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), espécies de corretoras do Banco Central.

“A lei prevê que esse comércio é feito com ‘boa-fé’ e permite a compra de ouro sem qualquer comprovação de origem. Depois, as DTVMs comercializam o mineral nos mercados interno e internacional. Isso está totalmente descontrolado e há fortes indícios de que o Brasil consome e exporta muito ouro clandestino”, descreveu Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas. 

Um balanço da entidade apontou que a origem de 19 (17%) das 110 toneladas de ouro exportadas pelo país em 2020 era incerta. O total vendido somou US$ 4,9 bilhões (atualmente, R$ 27 bilhões). O ouro suspeito foi exportado de Minas Gerais, São Paulo, Amazonas, Distri­to Federal e Goiás, que não extraíram o metal ou exportaram muito mais do que produziram.

Em meados de 2019, a Polícia Federal agiu contra uma instituição financeira em São Paulo que teria comprado ouro ilegal da Bacia do Rio Tapajós, no Mato Grosso, Pará e Amazonas. A região é o maior centro de garimpo ilegal no Brasil. Justiça Federal e Ministério Público Federal estimam que a empresa adquiriu mais de R$ 16 milhões em ouro ilícito com documentos falsos. 

“Exigir provas de que ouro, carne, soja e madeira foram produzidos de forma legal e sustentável pode afastar criminosos desses negócios, mesmo que caiam os lucros de mercados formais que aceitam produtos de origem duvidosa. Ou limpam essas cadeias produtivas ou enfrentarão exigências comerciais crescentes de União Europeia, Estados Unidos e China”, destacou Sérgio Leitão.

Exigir provas de que ouro, carne, soja e madeira foram produzidos de forma legal e sustentável pode afastar criminosos desses negócios, mesmo que caiam os lucros de mercados formais que aceitam produtos de origem duvidosa.

Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas. 

Um projeto de lei do senador Fábio Contarato (Rede-ES) exige um “lastro minerário e ambiental” para reduzir a criminalidade e os impactos em populações urbanas e rurais, como a contaminação por mercúrio de Yanomamis, Mundurukus e outras populações indígenas. O texto foi proposto em agosto e ainda não tramita no Senado. Um relatório recente da Plataforma Cipó recomenda ainda um maior controle do tráfego aéreo em zonas de garimpagem (pois muito mineral é escoado em aeronaves) e o cumprimento da Convenção de Minamata pelos países amazônicos, o que reduziria o comércio do mercúrio, usado na mineração legal e criminosa de ouro.

Altos lucros do crime

Relatório sobre lavagem de dinheiro do Grupo de Ação Financeira, criado em 1989 pelos países do G7, avalia que crimes como desmatamento, mineração ilegal e tráfico são de “baixo risco e alta retorno” financeiro. “Em muitos países, delitos ambientais são uma fonte que assegura bilhões em ganhos para os criminosos pelas sanções leves associadas a esforços limitados para seguir e reduzir lucros. Isso alimenta a corrupção e converge com muitos outros crimes graves e organizados, como fraude fiscal, tráfico de drogas e trabalho forçado”, aponta o texto. 

A análise detalha que a criminalidade pode ser freada desde que governos e setor privado prestem mais atenção à circulação de lucros de crimes ambientais em mercados e setores financeiros, e fortaleçam a atuação conjunta de órgãos policiais nacionais e internacionais. No Brasil, crimes ambientais como o garimpo de ouro foram incorporados pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro. Medidas como essas são prejudicadas por ações do governo Jair Bolsonaro apoiadas no Congresso, como o estímulo à mineração em áreas protegidas e o desmonte da fiscalização ambiental.

“Propostas legislativas que podem ser aprovadas a qualquer momento no Congresso Nacional prejudicam a criação e abrem terras indígenas à mineração e à geração de energia. Outras propostas mantêm um ciclo vicioso de regularização de terras públicas invadidas e de incentivo a novos crimes”, ressaltou Joachim Stassart, da Transparência Internacional.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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