Área de Matavém, na Amazônia Colombiana, pode ter emitido até 18 milhões de créditos de carbono apenas de papel.
A reserva de Matavén, localizada na transição entre as florestas da Amazônia e savanas da Orinoquia, no leste da Colômbia. Foto: Fundación Etnollano.
Em dezembro de 2018, o Ministro do Ambiente colombiano Ricardo Lozano recebeu o prêmio internacional “campeão do preço do carbono” por promover soluções econômicas inovadoras para impedir a crise climática. A premiação aconteceu durante a conferência anual das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, que acontecia na Polônia. E choveram elogios ao governo colombiano.
Dirk Forrister, chefe da Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA), que atribuiu o prêmio, celebrou: “mais um país está utilizando mecanismos de mercado para fazer avançar os objetivos do Acordo de Paris”, assinado em 2015 em busca de um novo consenso global sobre como resolver a crise do clima.
A Colômbia, um dos 9 países que compartilham a Amazônia, maior floresta tropical do mundo, recebeu o prêmio por ter adotado soluções de mercado para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa na atmosfera. Um deles foi um mecanismo lançado em 2017, através do qual as empresas sujeitas a pagar uma taxa de carbono sobre emissões de combustíveis fósseis podem compensar essas emissões, apoiando projetos de conservação ambiental.
Um dos pilares dessa estratégia são os projetos Redd+ (também presentes no Brasil), que aliam comunidades que reduziram as taxas de desmatamento a empresas que querem neutralizar suas “pegadas” de carbono. E o maior símbolo é a Floresta Matavén, uma área florestal no sul da região de Vichada, no leste da Colômbia, à beira da Amazônia, onde quase 13 mil povos indígenas cuidam do habitat onde vivem e, em troca, vendem créditos de carbono.
Mas uma extensa investigação sugere que Matavén – o maior dos mais de 80 projetos Redd+ registrados pelo governo colombiano – pode estar prometendo evitar muito mais desmatamento do que pode garantir. A reportagem analisou documentos oficiais, projetos e fez uma dúzia de entrevistas com cientistas, funcionários públicos, consultores, acadêmicos, diplomatas e especialistas indígenas, alguns dos quais pediram para permanecer anônimos, pois o tema ainda é sensível no setor ambiental: as fraudes nos projetos de créditos de carbono. A reportagem fez ainda uma parceria com a Carbon Market Watch, organização europeia especializada em monitorar mercados de carbono e verificar se os projetos levam de fato a sociedades mais limpas.
A investigação revelou que muitos dos créditos de carbono vendidos pelo maior projeto colombiano poderiam ser ilusórios – o que se chama entre os ambientalistas de “apenas ar quente”.
Mas não se trata só do caso colombiano. As possíveis inconsistências em Matavén expõem falhas mais amplas no sistema que regula os projetos Redd+ e o mercado de carbono, não apenas na Colômbia mas em outros países amazônicos, levantando questões sobre a sua eficácia no combate ao desmatamento da floresta.
A investigação revela ainda que a Colômbia pode estar perdendo milhões de dólares com o esquema, já que as empresas que participam dele ficam isentas do imposto nacional sobre o carbono. Ao mesmo tempo, o valor dos créditos é descontado da verba que a Colômbia recebe da cooperação internacional para reduzir o desmatamento amazônico, principal compromisso ambiental do país no Acordo de Paris.
Em vez de reforçar a fiscalização do seu mercado de carbono premiado, na Colômbia parece que esse mecanismo ainda funciona como num grande faroeste.
A floresta de Matavén
A selva de Matavén é perfeita para um projeto Redd+. Por um lado, é um ecossistema único que necessita de proteção, servindo de transição entre as selvas da Amazônia e as savanas de Orinoquia, no leste da Colômbia. Emoldurada pelos rios Guaviare e Orinoco, no canto norte dos afloramentos rochosos do Escudo das Guianas e em torno da bacia hidrográfica do rio de mesmo nome, a floresta de Matavén tem bom estado conservação, “com menos de 5% da área total transformada em áreas cultivadas e restolho”, concluiu o Instituto Humboldt, instituição que estuda a biodiversidade da Colômbia. O Instituto Sinchi de Estudos Amazónicos listou 206 aves, 72 mamíferos, 47 répteis e 36 espécies de anfíbios que convivem com cerca de 30 povos indígenas. Ali vive uma em cada 10 aves da Colômbia, bem como 14% dos mamíferos e 6% dos répteis.
Por outro lado, a Reserva Indígena Unificada da Selva Matavén – localizada no município de Cumaribo – é um rico mosaico étnico onde vivem juntos cerca de 12.800 indígenas de seis etnias. Os Sikuani, Piapoco, Piaroa, Puinave, Curripaco e Cubeo cuidam dos 1,85 milhão de hectares de uma reserva compartilhada e multiétnica. Um destes povos, os Piaroa, é considerado em risco de extinção física e cultural pela Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC); existem apenas cerca de 773 membros.
Há duas décadas, preocupados com a caça e a pesca indiscriminadas, bem como com o interesse do governo nacional na possível extração de petróleo, os povos indígenas – que viviam em 16 áreas independentes – iniciaram um processo para proteger suas terras. Criaram a Associação de Conselhos e Autoridades Indígenas Tradicionais da Selva Matavén, mais conhecida como Acatisema, que governa os territórios unificadamente. Em 2003, o governo colombiano constituiu a Terra Indígena atual, incorporando as 16 já existentes e acrescentando as áreas que existiam entre elas. Assim nasceu o “território unificado” que existe hoje e que está no coração do projeto Redd+. O seu valor ecológico e social é tão claro que até se discutiu se valeria a pena criar ali um parque nacional sob o cuidado das comunidades indígenas.
A ideia de criar o parque nacional, contudo, não prosperou e as comunidades optaram, em vez disso, pelo modelo Redd+. Após algumas tentativas frustradas, o atual projeto começou a ser discutido em 2012 e foi validado cinco anos mais tarde.
Dinheiro para não cortar a floresta tropical
Cuidar de florestas como as de Matavén significa agir sobre dois grandes fatores para frear as mudanças climáticas: por um lado, impede que o carbono seja libertado para a atmosfera quando as árvores são cortadas e, por outro, assegura que elas continuem a armazenar carbono – “afundando-o”, em jargão ambiental – e também que continuem fornecendo água potável, a regulação do clima ou a prevenção da transmissão de vírus como o que causou o Covid-19.
Os territórios habitados por comunidades indígenas são ideais para este tipo de projetos, uma vez que as atividades de alto impacto não são normalmente permitidas dentro deles, que já são protegidos pelos seus moradores. O Project Drawdown, que reuniu mais de 200 cientistas de todo o mundo, identificou a gestão de terras indígenas como uma das 100 soluções mais eficazes para frear as mudanças climáticas, com potencial de reduzir 5,25 gigatons de dióxido de carbono até 2050.
Há mais de uma década, países da floresta tropical como a Papua Nova Guiné e a Costa Rica começaram a insistir nas negociações climáticas para que a conservação das florestas fosse reconhecida como uma solução para a crise global. Uma vez que a conservação requer dinheiro, os peritos em finanças climáticas conceberam modelos econômicos para tornar tais esforços rentáveis.
Um deles é o mecanismo Redd+, que nasceu em 2007 como um incentivo financeiro para recompensar as comunidades que conseguem evitar o desmatamento, transformando essa missão num emprego. A ideia é que os investimentos para sustentar o esforço de conservação sejam pagos por empresas privadas que querem compensar suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Elas podem querer entrar no esquema para reduzir sua pegada ambiental, ou para evitar impostos sobre emissão de gases poluentes. Assim, compram “créditos de carbono” para “neutralizar” suas emissões.
Em termos práticos, eles pagam àqueles que não cortam florestas, como acontece nos projetos brasileiros, que também sofrem com problemas de fiscalização.
Tais esquemas tornaram-se uma valiosa fonte de receita para muitas comunidades que vivem em áreas propensas ao desmatamento em países tropicais. Um hectare de floresta na Amazônia poder armazenar cerca de 566 toneladas de carbono; portanto mantê-la de pé permite produzir esse mesmo volume em créditos de carbono vendidos.
No total, 89 projetos Redd+ na Colômbia estão oficialmente cadastrados junto ao Ministério do Ambiente. Mas segundo o registo oficial do governo, nenhum deles está ativo. Há quatro projetos à espera de aprovação, 26 em processo de formulação e 46 em fase de estudo de viabilidade. Entre estes últimos está, paradoxalmente, a Matavén, que vende títulos há pelo menos quatro anos.
O projeto Matavén Redd+ começou em janeiro de 2013 em cerca de 1,1 milhão de hectares da reserva, após um acordo assinado pelos povos indígenas da associação Acatisema com a consultoria ambiental colombiana Mediamos F&M.
Pelo menos cinco empresas de quatro países se envolveram com o negócio. O projeto foi estruturado pela Mediamos F&M, empresa com sede em Cali e dirigida pelo engenheiro florestal Francisco Quiroga Zea. Foi certificado pela organização americana Verra com o seu Verified Carbon Standard (VCS), um dos mais utilizados no mundo para “assegurar a credibilidade dos projetos de redução de emissões”. Duas empresas fizeram a auditoria da quantidade de toneladas de CO2 que deixaram de ser jogadas no ambiente: primeiro, a firma colombiana Icontec, e depois a empresa de consultoria indiana Epic Sustainability Services. Finalmente, o vendedor dos créditos de carbono tem sido a consultoria suíça South Pole.
Desde 2017, a Matavén tem colocado créditos de carbono no mercado, correspondentes a reduções de emissões desde 2013. Segundo as suas próprias projeções o projeto pretende evitar a emissão de 108,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de três décadas. Ou seja, cerca de 3,6 milhões de toneladas por ano até dezembro de 2042.
De acordo com os próprios dados do projeto, já teria sido evitada a emissão de 4,4 milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera em 2013, 8,7 milhões em 2014-15 e 7,5 milhões em 2016-17, um total de 20,6 milhões. Em 2018 e 2019, foram mais 4,4 milhões, de acordo com a Carbon Market Watch.
Embora não exista um registro público sobre os compradores, empresas como a companhia aérea Latam anunciaram que compraram tais créditos. Na sua prestação de contas de 2019, a Latam listou o Matavén dentre três projetos ambientais que usou para compensar a sua pegada de carbono. Sete empresas que vendem combustível fóssil estão entre as compradoras de créditos Matavén entre 2018 e 2020, de acordo com um documento de Julho de 2020 publicado pela Verra. No total, elas compraram mais de 10 milhões de unidades. Entre elas, a Exxon Mobil comprou 917 mil e a Chevron, 793 mil.
A reportagem procurou duas empresas, Primax Colombia e Latam, para perguntar como avaliam a qualidade dos créditos de carbono que compram. A Latam não respondeu.
Após a publicação, a Primax Colômbia entrou em contato conosco e explicou que exige que os créditos atendam a todos os padrões atuais e sejam validados por empresas de verificação, como exigido por lei. “A Primax cumpre plena e rigorosamente todos os requisitos estabelecidos pelos regulamentos atuais para a não cobrança do imposto de carbono, o que (…) implica a devida diligência”. Enfatizou ainda que são as empresas de verificação que devem garantir que este seja o caso. “Elas são as entidades que devem garantir que os projetos cumpram a finalidade ambiental para a qual foram criados”.
Questões sobre os cálculos de Matavén
Todos os projetos Redd+ giram em torno de duas questões centrais: o que aconteceria a uma área digna de conservação se fosse deixada à mercê de problemas como a derrubada ilegal de árvores, a ocupação descontrolada de terra ou projetos extrativos? Será possível evitar esse cenário hipotético pagando aos seus habitantes para garantir que ele não aconteça?
O modelo Redd+ baseia-se na capacidade de adivinhar qual é a trajetória mais realista de desmatamento de uma floresta, que pode ser comparada com o esforço feito pelos seus habitantes para evitar esse destino. A diferença entre os dois cenários seria o impacto do projeto, medido em toneladas de dióxido de carbono. Esse dinheiro deve então ir para as comunidades que cuidam dela, mas também para as empresas que atuam como coordenadoras do projeto, verificadoras e vendedoras ou “corretoras” dos créditos para o comprador final, o grande poluidor que quer expiar sua culpa.
A questão-chave é como quantificar adequadamente o desmatamento evitado e o carbono que não foi para o ar. Como é muito difícil comparar um cenário hipotético com um cenário real, várias metodologias para fazer esse cálculo foram criadas por empresas como a Verra, que carimbam o seu selo de qualidade. Em geral, baseiam-se na escolha de uma área que funciona como um “espelho” do futuro possível, mostrando o que aconteceria na área preservada se não houvesse o projeto Redd+. Mas, se a área tomada como referência, ou “linha de base”, tem uma tendência de desmatamento muito mais acelerada, acaba-se por criar poupanças ilusórias de carbono – é isso que se chama de “ar quente” ou “créditos fantasmas”.
Assim, se um projeto prevê que mil hectares seriam desmatados num determinado ano e no final 800 hectares são efetivamente cortados, a diferença de 200 é o que se pode apresentar como “desmatamento evitado” e ser traduzido em toneladas de carbono a serem vendidas como crédito. Mas se esse mesmo projeto prevê um desmatamento de 4 mil hectares por ano, a diferença seria muito maior, de 3.200 hectares intactos. O cerne da questão, portanto, é ter um cálculo real do risco de desmatamento.
Embora os indígenas Matavén tenham liderado um louvável esforço de conservação, há várias questões a respeito da área determinada como “linha de base”. Trata-se de uma faixa alongada de 1,4 milhão de hectares que serpenteia pelos dois lados da floresta de Matavén, desde o rio Orinoco, na fronteira venezuelana, até ao leste de San José del Guaviare, capital do estado amazônico de Guaviare.
Porém, segundo uma análise feita ao longo de meses pela Carbon Market Watch, o problema é que existem diferenças significativas em pelo menos três critérios centrais. Primeiro, enquanto Matavén é uma área remota que só pode ser alcançada por rio ou avião, a área da “linha de base” (que serve de referência para o desmatamento evitado em Matavén) está mais conectada ao resto do país e, portanto, mais exposta ao risco de desmatamento.
Os mapas de alerta precoce de desmatamento publicados pelo Instituto Colombiano de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) todos os trimestres desde 2013 parecem confirmar isto. Três territórios da “linha de base” aparecem frequentemente como “hotspots” entre 2017 e 202, enquanto a região de Matavén não aparece em nenhuma ocasião como “hotspot” de desmatamento.
Em segundo lugar, a área de referência tem dezenas de estradas, o que não é o caso em Matavén – nem essa pode ser uma perspectiva, pois o documento de conceito do projeto afirma que apenas uma estrada está planejada. As estradas são um dos fatores que facilitam a retirada de árvores, a expansão da fronteira agrícola e a ocupação de terras.
Em terceiro, o projeto Redd+ está dentro de uma terra indígena, que tem a titulação clara, o que é frequentemente associado a taxas mais baixas de desmatamento. Já a área de “linha de base” tem uma miríade de diferentes proprietários e inclui desde terras privadas e terras devolutas estatais até reservas indígenas. Uma pesquisa da Dolors Armenteras, publicada na revista Biological Conservation em 2009, descobriu que no Escudo da Guiana, região onde está Matavén, o desmatamento foi 1,5 vez maior nos limites exteriores das reservas indígenas do que no seu interior.
Em resumo, a área escolhida como referência parece mais exposta aos riscos de desmatamento, é mais facilmente acessível aos atores externos e apresenta um modelo diferente de posse da terra. É como comparar maçãs com laranjas.
Estes três fatores levaram o Carbon Market Watch a concluir que a “linha base” não é uma boa referência de comparação e que por isso o projeto poderia estar gerando mais créditos de carbono do que de fato está evitando pela redução de desmatamento. “Uma análise qualitativa da ‘linha de base’ utilizada por Matavén sugere que está inflacionada, porque a área de referência não é uma representação realista do que poderia ocorrer na área do projeto se ele não fosse implementado”, diz o relatório.
Segundo Francisco Quiroga, diretor da empresa Mediamos, responsável pela implementação do projeto, não se trata de designar áreas iguais, mas semelhantes. Ele argumenta que a área usada para comparação cumpre os critérios estabelecidos pela metodologia VM0007 , da empresa Verra. “As regras estabelecem como escolher a área de referência, que é apoiada por uma metodologia que muitos projetos utilizam e foi validada por auditores. Se não cumprisse, não teria sido aceita”, diz ele, sublinhando que fez mestrado em estatística.
Questionada pela reportagem, a Verra explicou que, no caso de Matavén, “a seleção da área de referência do projeto cumpre os requisitos” e “reflete as maiores ameaças e fatores de desmatamento para o projeto (criação de gado, culturas ilegais, mineração ilegal, e extração ilegal de madeira)”. Salientou também que é lógico que tenha mais desmatamento e rodovias, uma vez que ela representa o que poderia acontecer em um futuro hipotético, se não houvesse o projeto Redd+. Disse ainda que “a posse da terra não é um critério de seleção da região”.
Também procurado, o Ministério do Ambiente admitiu à reportagem que pode haver discrepâncias entre as metodologias e que “é evidente que uma área com pouco desenvolvimento rodoviário não pode ser comparada a uma área com elevado risco de desmatamento”, mas afirmou que “a escolha de uma área de referência é uma decisão metodológica exclusiva da norma certificadora” e cabe aos auditores – não ao Estado – verificar se as normas são cumpridas.
18 milhões de créditos ilusórios
Além disso, a Carbon Market Watch apontou que o projeto Matavén tinha uma taxa de desmatamento projetado superior à da Amazónia colombiana: enquanto o governo colombiano calcula em 0,18% por ano, o projeto utilizou uma taxa de 0,86%, cinco vezes maior. Francisco Quiroga explica que a taxa estabelecida pelo governo cobre todo o bioma amazônico e não leva em conta que algumas regiões estão em maior risco do que outras.
Dada esta discrepância, a Carbon Market Watch calcula que o Matavén deveria ter emitido cerca de 6,86 milhões de créditos de carbono, em vez dos mais de 25 milhões que relatou.
Ou seja: milhões de créditos poderiam ser ilusórios, mas podem ter sido utilizados para “compensar” emissões reais de gases nocivos para a atmosfera.
Um problema mais amplo
As questões levantadas pelo caso Matavén vão para além das suas fronteiras e apontam para um problema mais amplo.
Não é o único projeto Redd+ na Amazônia Colombiana no qual a Carbon Market Watch encontrou inconsistências: há problemas semelhantes no projeto Kaliawiri, também localizado na fronteira entre os estados de Vichada e Guainía. Tal como com Matavén, a iniciativa, desenvolvida pela empresa de consultoria BioFix e certificada pela norma Colombiana ProClima, difere muito da área de referência. A sua conclusão é que a “linha de base” também pode ter sido inflacionada e gerados 2 milhões de créditos de carbono a mais; isso significa, possivelmente cerca de 10 milhões de dólares não cobrados em impostos para o governo colombiano.
Em última análise, Matavén poderia ser um microcosmo das falhas do sistema. Embora os projetos ganhem com o desmatamento que conseguem evitar, não é fácil determinar se a área que escolheram como referência é realmente equivalente, ou se os cenários são excessivamente fatalistas, inflacionando os números.
“Que isto possa acontecer aponta para um fracasso em todo o mercado, uma vez que os promotores de projetos, o Ministério do Ambiente, os verificadores independentes e as normas não expressam qualquer preocupação sobre a potencial sobre-emissão [de créditos]”, conclui a Carbon Market Watch.
Em todo o mundo têm chovido críticas metodológicas ao modelo Redd+. Uma investigação conjunta realizada no mês passado pelo Guardian e Unearthed, o braço jornalístico do Greenpeace, examinou dez projetos da empresa Verra apoiados por companhias aéreas e concluiu que “embora muitas vezes tragam benefícios para o ambiente e as comunidades locais, as tentativas de quantificar, mercantilizar e comercializar a economia de carbono como ‘compensações’ baseiam-se em fundamentações instáveis”. Outra reportagem do MIT Technology Review em abril chegou a uma conclusão semelhante em relação ao programa liderado pelo governo do estado da Califórnia, que se baseia na recompensa de áreas com densidade florestal superior à média, em vez de as comparar com áreas de referência.
Muitos cientistas ambientais alertam para o fato de alguns desses projetos estarem gerando reduções apenas no papel, prometendo mitigações que nunca aconteceram, afetando a credibilidade de projetos que fazem as coisas direito e dando um golpe nas receitas públicas. Ao comprá-las, empresas como companhias aéreas ou transportadoras deixam de pagar imposto sobre o carbono, enquanto o problema central – as suas emissões de gases com efeito de estufa – se mantém nos mesmos níveis na vida real.
Questionada sobre como diferentes sectores da sociedade colombiana podem ter a tranquilidade de que todos os créditos de carbono resultantes de projectos Redd+ representam efetivamente emissões de carbono evitadas, a Verra respondeu que “os projetos certificados ao abrigo do Programa VCS passam por processos de avaliação rigorosos, confiáveis e transparentes que são verificados por auditores independentes”. Argumentou ainda que a sua norma foi reconhecida por vários governos nacionais e pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), embora reconheça que a sua metodologia VM0007 (usada em Mataven) não é atualmente utilizada pela agência de aviação da ONU.
O objetivo do mecanismo Redd+ é que sejam libertados menos gases poluentes na atmosfera. Por isso, se na vida real essas emissões não estiverem diminuindo, o resultado é uma falsa sensação de progresso. A indústria concorda que o critério deve ser claro: se não reduz as emissões, o projeto não funciona.
“Não é que o mercado seja perverso, mas sim que há necessidade de maior controle, mais salvaguardas e supervisão adequada”, diz um especialista em finanças climáticas. “Torna-se uma feira de papel e não há reduções reais de emissões. Estamos só dando tapinhas nas costas uns dos outros.”
Esta reportagem é parte de uma investigação jornalística transfronteiriça sobre riscos de desmatamento na Amazônia, realizada pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP) e Mongabay Latam, em colaboração com a Carbon Market Watch e com o apoio do Fundo de Jornalismo da Floresta Tropical Amazônica do Centro Pulitzer de Reportagem de Crise.
Esta é uma versão editada da reportagem original, que pode ser lida em espanhol e inglês neste link. A edição em português foi feita pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo.