Sempre existiu o isolamento, antes da pandemia já existia, e agora na pandemia continuou mais.
Relato da articulatora dos quilombos localizados no município de Barreirinha, Amazonas: “Sempre existiu o isolamento, antes da pandemia já existia, e agora na pandemia continuou mais. Eles se guardaram, fizeram barreiras para viver lá, para fazer com que não acontecesse a entrada do vírus.”
Por Maria Amélia dos Santos
Eu sou Maria Amélia, eu sou das comunidades quilombolas do Rio Andirá, no município de Barreirinha (AM). Mas estou em Manaus porque estou no terceiro período de Agroecologia, para depois voltar para trabalhar junto com meu povo quilombola e lutar pelos nossos direitos dentro das comunidades.
Também preciso falar um pouco dos quilombolas que moram na área urbana, como o povo que mora nas comunidades Mauazinho, no Parque das Nações e Nova Vitória, onde nós temos famílias quilombolas que vieram do Andirá. Permanecem cadastradas pelo Rio Andirá, mas moram em Manaus. Eu estou sempre em contato com eles para saber como eles estão e lutando pelo direito de eles estarem como quilombolas aqui na área urbana.
Eu também sempre entro em contato final de semana com as comunidades quilombolas do Rio Andirá que são Santa Tereza do Matupiri, Boa Fé, Trindade, Ituquara, São Paulo e São Pedro. Estão todos bem e eu me preocupo muito com eles, porque estou aqui na capital do estado e não dá para esquecer do povo que caminhou junto comigo, e está caminhando, lá no interior.
Então é isso que nós queremos. Que o povo saiba que somos comunidades quilombolas. Que o mundo saiba que dentro do Amazonas existe muitas comunidades quilombolas reconhecidas e não reconhecidas.
Então nós precisamos lutar pelo direito dessas pessoas que ainda não são reconhecidas para que sejam também, dentro do Amazonas. Existe negro sim, no Amazonas. Os quilombolas estão pelo Rio Andirá, pelo Alto Rio Negro, em Itacoatiara, em todos os municípios do Amazonas nós também temos o povo quilombola que precisa se aparecer. E essa é a nossa luta dentro do Amazonas. Quero falar sobre o que aconteceu nas nossas comunidades quilombolas e também sobre as autoridades que deveriam nos olhar, mas nós não tivemos.
Agradeço muito a Deus, em primeiro lugar, por termos as nossas amizades e os nossos conhecimentos. Aqui, na nossa capital do estado, os nossos irmãos quilombolas nos ajudaram bastante com máscaras e com álcool em gel, que foi o que reunimos aqui e mandamos para o município de Barreirinha, para as nossas comunidades quilombolas.
E eles lá também se cuidaram, se isolaram. Sempre existiu o isolamento, antes da pandemia já existia, e agora na pandemia continuou mais. Eles se guardaram, fizeram barreiras para viver lá, para fazer com que não acontecesse a entrada do vírus, mas teve casos em nossas comunidades quilombolas. Foram casos muito bem cuidados, porque logo trataram. Não tivemos nenhuma morte, graças a Deus, no quilombo. Mas tivemos no município. Tivemos em nossas comunidades vizinhas às áreas quilombolas. Perdemos irmãos indígenas também, que são vizinhos das nossas comunidades. E dentro do município existiram mortes de pessoas não-quilombolas.
Mas o que nós temos? Ficaram isolados, mas passando aquela dificuldade. Eles não podiam ir na cidade porque foi proibido, mas eu me preocupei com a alimentação do povo. Sei que a gente mora no interior. No interior a gente tem um pouco, mas precisamos de outras coisas, precisamos de remédio, precisamos do açúcar e outras coisas mais. E eles não podiam ir para a cidade, ficaram ali fazendo barreira para cuidar realmente das comunidades para que não acontecesse, como não aconteceu.
E também fazendo nosso chá caseiro, que nossas pessoas antigas deixaram essa raiz para gente, ensinando a fazer remédio contra a tosse, contra a febre, tudo o que existe nas nossas comunidades do interior e a gente aprendeu.
Mas a minha preocupação era na alimentação. Quero agradecer de coração as pessoas que nos ajudaram, as comunidades quilombolas daqui de Manaus para Barreirinhas, porque o município mesmo não se preocupou com as comunidades quilombolas. Aí o que eles poderiam fazer? Eles não podiam ir na cidade, mas também ninguém poderia ir nas comunidades. Eles fizeram barreiras e mantiveram aquelas barreiras.
Eu quero agradecer, porque no mês de maio o povo recebeu dos povos quilombolas de Mato Grosso que se reuniram e também mandaram uma alimentação para os quilombolas do Amazonas do Rio Andirá. A prefeitura teve que abraçar a causa de receber essa alimentação e entregar para as comunidades quilombolas. Fizeram uma parceria com os quilombolas para essa alimentação chegar até nossas comunidades. Porque quem não conhece o Andirá, quem não conhece o Amazonas, pensa que tudo é fácil. Mas é dias e dias de barco para chegar até as comunidades do Rio Andirá. É uma comunidade quase sem acesso para pessoas chegarem lá. Só vai conhecer o Andirá e os nosso quilombos aqueles que procuram conhecer mesmo as nossas comunidades.
E eu agradeço muito que a gente teve um conhecimento aqui na capital do estado que são com os nossos parceiros negros que moram aqui e sabem a dificuldade que temos dentro das comunidades quilombolas. Também ficamos preocupados, porque, quando a gente não pode ajudar um irmão, a gente adoece junto com eles, porque a gente não pode dar aquela assistência perto deles, a gente não tem como estar ao lado. Eu estou aqui, mas minha preocupação é imensa com as nossas comunidades do Rio Andirá.
Eu nasci lá, eu cresci lá. Hoje eu estou aqui, mas eu não estou aqui me escondendo do meu povo. Eu estou aqui para aprender, para que eu possa levar uma assistência para eles da ciência que a gente aprende aqui. De aprender o que temos, o que temos que levar, como plantar, como viver a vida naquelas áreas de quilombo.
Então a minha comunidade, eu moro em Santa Tereza do Matupiri, onde é o polo das comunidades quilombolas. E temos as outras cinco ao lado que fazem parte das comunidades do rio Andirá. E temos que lembrar dos nossos irmãos quilombolas de São João de Urucurituba, que é uma comunidade isolada também, eles também não tem acesso de nada. Então a gente se preocupa por todas as comunidades do Amazonas.
Temos também os quilombolas de Serpa, que perdemos nossos irmãos quilombolas, temos também de Novo Airão, o Tambor, e que fizeram como nós, se isolaram, para que evitassem a vinda deles na cidade para não contaminar as outras pessoas da comunidade que ali vivem. Sobre o quilombo de Andirá, são cinco comunidades reconhecidas pela Fundação Palmares. Temos também o núcleo Ituquara que não está reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, mas estão no levantamento feito pelo Incra. Gostaria que o governo do estado olhasse pela gente, pela nossa documentação. Tudo isso nós ficamos aguardando.
O Incra entregou o relatório para ir para Brasília. Até hoje não tivemos resposta. O que nós precisamos na comunidade? Somente a assinatura do Governo Federal. Precisamos das nossas terras porque o fazendeiro continua tirando terra, tirando madeira e tudo o que eles querem de dentro das nossas comunidades. Então logo eles dizem: “a terra é nossa, porque não entregaram o título definitivo deles”. A minha preocupação é essa. Acabar com o fogo de dentro das nossas comunidades.
Todo ano os fazendeiros derrubam dez, doze, quinze hectares. Quando nós formos receber nossas terras, nós não temos mais terra, nós não temos mais mata, de onde nós tiramos o sustento de nossos filhos. De onde a gente tira o cipó, a castanha, o breu, tudinho. Nós não teremos mais, porque acabou. Os fazendeiros estão acabando com nossa natureza. E eu fico muito triste. E também é o apelo que a gente pede. Que a sociedade nos enxergue, porque existem os negros que precisam. E tem quem faça de conta que não enxergam, que não conhecem esse povo negro que existe dentro do Amazonas. E também nossos irmãos indígenas.
Eu sou uma pessoa que carrego as duas etnias, indígenas e quilombolas, mas eu estou no quilombo. Minha bisavó era índia, mas meu bisavô era negro de Angola. Então eu tenho os dois sangues na minha veia e amo e falo por todos os dois. Mas tenho um compromisso maior com o povo quilombola que faz parte da minha luta. Então, esse é meu pedido, que a gente possa lutar juntos e falar do direito de todos.
E dizer que no Amazonas existe o povo quilombola que, ao final, é esquecido pela sociedade.
Dona Maria Amélia dos Santos Castro Articuladora dos Quilombos do Andirá (Santa Tereza do Matupiri) Integrante da Federação das Organizações quilombolas do município de Barreirinha (FOQMB/Barreirinha-AM) Graduanda em Agroecologia (IFAM)