Em pelo menos 28 casos os requerimentos minerários dentro de terras indígenas também afetam áreas de proteção integral da Amazônia. Ministério Público do Pará utilizou levantamento feito pelo Instituto Socioambiental para localizar processos de mineração em TIs.
Em pelo menos 28 casos os requerimentos minerários dentro de terras indígenas também afetam áreas de proteção integral da Amazônia. Ministério Público do Pará utilizou levantamento feito pelo Instituto Socioambiental para localizar processos de mineração em TIs. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Para MPF, registros de mineração podem ser usados para conferir “aparente legitimidade” na exploração ilegal. Na imagem, operação do Ibama flagra garimpo em terra indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2018.
por Hyury Potter
O Ministério Público Federal no Pará apresentou oito ações civis públicas pedindo o “cancelamento urgente” de todos os requerimentos dentro de 48 terras indígenas no estado. Os pedidos de estudo ou lavra de minério dentro dessas áreas deveriam ser indeferidos sem a necessidade de avaliação, mas chegam a tramitar por anos na Agência Nacional de Mineração (ANM).
De acordo com levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) a pedido do MPF/PA, há 2.266 registros de processos minerários dentro de terras indígenas apenas no estado do Pará.
Cruzando esses dados com os detectados pelo mapa Amazônia Minada, que indica processos minerários dentro de unidade de conservação de proteção integral da Amazônia, 11 requerimentos foram encontrados em áreas de sobreposição de reservas indígenas e áreas protegidas federais em território paraense.
Há 442 processos minerários dentro de unidades de conservação de proteção integral da Amazônia, segundo dados coletados pelo mapa Amazônia Minada. Destes, pelo menos 28 registros também estão dentro de terras indígenas.
Ao todo oito ações civis públicas foram apresentadas pelo MPF/PA em diversas regiões do estado. Em todos os casos o pedido feito à Justiça é para que a ANM cancele imediatamente os requerimentos de mineração dentro de terras indígenas. Para os procuradores não há regulação legal para a existência de processos minerários em reservas indígenas, e eles são usados para “estimular lobby”, gerando “insegurança” aos povos indígenas. As ações citam ainda:
“Os requerimentos minerários são utilizados para conferir uma aparente legitimidade à exploração minerária ilegal, sobretudo à garimpagem, nas terras indígenas, gerando significativos impactos socioambientais”, escrevem os procuradores ações civis públicas assinadas dia 26 de novembro.
Anglo American quer explorar em território Munduruku
Na fila por uma oportunidade de extrair minério dentro de áreas de terras indígenas sobrepostas em unidades de conservação de proteção integral da União está a gigante inglesa Anglo American, interessada em pesquisar cobre na terra indígena Sawré Muybu. O local indicado pelo requerimento de pesquisa também está dentro dos limites do Parque Nacional da Amazônia, no Pará. A empresa ainda tem outros cinco requerimentos na TI Apiaká do Pontal sobrepostos com áreas do Parque Nacional do Juruena, no Mato Grosso.
A Cooperativa Garimpeiros da Amazônia (Coogam), que teve sua diretoria denunciada em 2013 por retirar ouro ilegalmente de terras de índios das etnias munduruku e kayabi, tem três requerimentos nos parques nacionais da Amazônia e Juruena, que afetam terras indígenas Sawré Muybu e Munduruku, respectivamente. Todos os pedidos são para lavra de ouro.
As oito ações foram apresentadas pelo MPF/PA em um momento que o governo Bolsonaro dá sinais de que pretende liberar mineração dentro de terras indígenas.
Em outubro o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que a Casa Civil estava analisando uma proposta para regulamentar atividades econômicas em terras indígenas. O presidente Jair Bolsonaro também já deu diversas declarações a favor de garimpeiros.
O estudo feito pelo ISA apontou 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas do Pará. Somando os estados do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins o total chega a 3.347 registros na Amazônia. Amazonas e Amapá ficaram fora do levantamento.
Mesmo sendo casos similares, cada Procuradoria do MPF precisa fazer o pedido pelo seu estado para que uma possível decisão de cancelamento passe a vale na sua região.
Em 2017 a Justiça Federal no Amazonas cancelou licenças de mineração concedidas ilegalmente pelo então governador Amazonino Mendes, que é sócio de uma empresa responsável por pedidos de mineração em unidades de conservação.
Desde 2015, MPFs nos estados do Norte já apresentaram pelo menos outras dez ações civis contra a exploração ilegal de minério em terras indígenas, de acordo com levantamento processual feito pela assessoria do MPF/PA. Os processos são acompanhados pela chamada força-tarefa Amazônia, criada pelo MPF em 2018 para combater a exploração ilegal de terras e desmatamento na região.
Dos 28 processos minerários encontrados que também estão dentro de UCs federais de proteção integral, 17 são para pesquisa ou lavra de ouro. A área dos 28 registros em sobreposição de TI e UCs é de 1.650 km², equivalente a um quarto do Distrito Federal.
Sobre seus pedidos, a Anglo American informou para o projeto Amazônia Minada que “fez requerimentos de pesquisa mineral na Amazônia com base em dados geológicos disponíveis”. “A autorização para realizar esses trabalhos de pesquisa mineral será concedida ou não pela Agência Nacional de Mineração. A Anglo American somente executa trabalhos de pesquisa mineral em áreas devidamente autorizadas.”
A reportagem do InfoAmazonia entrou em contato com a Coogam na terça-feira (03/12), mas ninguém atendeu as ligações para o número telefônico informado pela empresa à Receita Federal.
O que é o projeto Amazônia Minada
O cruzamento de dados que possibilitou encontrar 442 (até o dia 3 de dezembro de 2019) registros de mineração dentro de UCs de proteção integral faz parte do projeto Amazônia Minada, trabalho vencedor de uma bolsa de inovação em jornalismo de 2019 do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), sediado em Nova York, com financiamento do Wall Street Journal. O projeto tem a parceria para publicação do InfoAmazonia.
O projeto Amazônia Minada tem um mapa interativo que mostra em tempo real as atualizações de novos registros de mineração dentro de UCs de proteção integral na Amazônia, e ainda um perfil automatizado no Twitter. A cada novo registro que aparece no mapa, um tweet com informações sobre a empresa, o tipo de minério e a unidade de conservação afetada é publicado na conta oficial do mapa: @amazonia_minada.
O mapa acompanha os registros nas 41 unidades de proteção integral da região amazônica. Destas, em 31 foram encontrados requerimentos de mineração. Filtramos ainda os registros a partir do ano de criação de cada unidade e então retiramos os pedidos já indeferidos pela ANM, procedimento que deveria ser imediato para novos requerimentos, de acordo com um parecer jurídico do próprio órgão.
Casos de concessão de lavra foram mantidos na pesquisa mesmo sendo anteriores à criação das UCs por ainda tramitarem no sistema da ANM. Muitos registros encontrados pelo mapa são em áreas que margeiam os limites das UCs. De acordo com as coordenadas informadas no banco de dados da ANM, em algum ponto há interseção com a área de uma UC. Segundo a resolução do Conama número 428/2010, é preciso autorização do ICMBio para atividades mineradoras até 3 km de distância de UCs de proteção integral que ainda não possuem plano de manejo.
Equipe do projeto Amazônia Minada: Hyury Potter (coordenação e reportagem); Rodrigo Brabo (desenvolvedor); Juliana Mori (visualização de dados em mapa) e Gustavo Faleiros (cofundador do InfoAmazonia) e Amara Aguilar (mentora ICFJ).