Além de compartilharem grandes porções ainda conservadas da floresta amazônica, o Brasil e o Suriname estão conectados por um extraordinário ambiente marinho, o chamado Grande Ecossistema Marinho Brasileiro do Norte. Esta conexão acontece graças à imensa pluma de sedimentos formada pela descarga do rio Amazonas no Oceano Atlântico e que chega, graças às correntes marítimas, a toda a costa setentrional da América do Sul.
Diferente do Caribe de águas transparentes e praias de areia branquinha, este ambiente costeiro tem águas turvas e muita, muita lama. “A influência do fluxo fluvial no oceano pode chegar entre 147 e 500 km da foz“, revela um artigo da revista Gestão Costeira Integrada.
Essa interação entre o “nosso grande rio” e o oceano acabou por criar um litoral único, com alta piscosidade e um manguezal de grande extensão (10,7 mil km2). Os desafios principais têm sido a gestão transnacional dos recursos pesqueiros e a proteção contra a erosão causada pelo aumento do nível do mar.
Entre os dias 04 e 06 de julho, o InfoAmazonia em parceria com a Earth Journalism Network e a Conservation International organizou uma oficina de jornalismo ambiental para repórteres do Suriname. Durante três dias, 8 jornalistas participaram de rodas de conversas sobre a cobertura de temas como as mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade. Uma das questões em destaque foi exatamente a vulnerabilidade da costa do Suriname em função de ocupações humanas e destruição de manguezais.
Como parte de nosso workshop, visitamos um ponto da costa localizado a 15 km de Paramaribo. O distrito de Weg naar Zee (literalmente Estrada para o Mar) abriga uma população de 16 mil pessoas e um importante templo para os hinduístas. Ali, se encontram tristes evidências da rápida erosão da costa pelas marés altas. Em 2015, afetados pela ressaca, diversos moradores sofreram prejuízos quando tiveram suas casas inundadas.
Mas Wag naar Zee também está se tornando exemplo de um esforço de adaptação às mudanças do clima. Uma aliança entre ONGs ambientalistas, empresas, pesquisadores e voluntários está testando barreiras naturais contra o mar, entre elas o reflorestamento de manguezais. O principal elemento para que isso ocorra é exatamente a lama. Para que novas árvores não sejam levadas pelas marés, é preciso que o substrato seja profundo o suficiente para as raízes. O projeto em Wag naar Zee consiste em armazenar a lama em uma espécie curral feitos bambu, conhecido como sapal.
É um conceito simples, mas que tem sido eficiente, defendeu o professor Sieuwnath Naipal, da Universidade Anton de Kon no Suriname, que coordena a iniciativa em aliança com a Conservação Internacional. Ele nos guiou pela costa no momento de maré baixa onde foi possível observar os locais em que se estão acumulando novas camadas da lama vindas diretamente do estuário do rio Amazonas a centenas de quilômetros a leste do Suriname. Os cálculos indicam que deste 2015, quando o projeto teve início, o equivalente a 30 mil toneladas de terra tenham sido depositados neste trecho da costa.
Naipal guiou o grupo de jornalistas em uma emocionante jornada em um air boat que permitia deslizar sobre os bancos de lama. O pesquisador mostrou os locais onde já estão crescendo a primeiras árvores de mangue, que tinham sido plantadas há nove meses. Quando maduros, este pântanos funcionarão com uma barreira natural, diz ele.
Se bem sucedido, o projeto de Wag naar Zee pode se tornar um exemplo de adaptação na costa da Amazônia. Recentemente, em reuniões transnacionais, governos destes países passaram a criar projetos de gestão conjunta dos recursos costeiros. Isto é uma boa notícia. Neste processo, será essencial a comunicação seja parte deste processo, buscando a colaboração de jornalistas do Suriname com seus colegas do Brasil, Guiana e Guiana Francesa, para que possam informar o público da importância da conservação desta interação entre o rio e o mar.