ACRE
Noticiário socioambiental é limitado por ideário ruralista
Estado conta com poucos veículos independentes. A vandalização da estátua de Chico Mendes na capital Rio Branco, em junho de 2022, sinaliza o atual clima de tensão. Comitê que segue a luta do seringueiro pretende formar a própria mídia para fortalecer pautas.
A temporada de queimadas costuma deixar o céu do Acre coberto por nuvens de fumaça. Nesses momentos, a destruição da floresta é inegável. Mesmo assim, a cobertura da pauta socioambiental enfrenta barreiras, desde o pouco destaque na mídia local para a temática até o interesse sazonal da população, como apontam os entrevistados deste capítulo. Os meios que mantêm alguma cobertura estão basicamente concentrados na capital, Rio Branco. Em quantidade menor, aparecem também em Cruzeiro do Sul.
mídias com cobertura socioambiental foram mapeadas no Acre
mantêm seção específica sobre Amazônia ou meio ambiente
Chamou a atenção o fato de que poucos meios independentes foram encontrados para o mapeamento. Por meios independentes, entenda-se aqueles lançados por jornalistas em veículos como blogs e sites, normalmente sem apoio da mídia tradicional. Em outros estados, há entre os meios mapeados maior quantidade de pequenas iniciativas que se colocam como independentes.
O coordenador de comunicação do Comitê Chico Mendes, Bruno Pacífico, considera que o estado carece de uma cobertura socioambiental mais efetiva. “Não temos uma agência, um jornal online ou impresso especializado que trate sobre o meio ambiente. São pautas que não vendem aqui. Porque tem a narrativa de que o gado é mais importante do que a floresta em pé”, avalia Pacífico.
Entre as mídias mapeadas, são pontuais os casos em que há editorias especializadas nos temas socioambientais. Quando fala sobre queimadas, a imprensa acreana relata fiscalizações dos incêndios florestais, focos de queimadas em áreas de proteção ambiental, poluição do ar acima do nível recomendado pela OMS e impactos à saúde humana.
O desmatamento foi tema de pautas com duas vertentes. Na primeira, foram abordados dados que indicam aumento na supressão de floresta, como textos que relacionam diretamente o avanço do desmatamento ao enfraquecimento de órgãos de controle. Na outra, foram encontrados conteúdos no noticiário sobre prisões, apreensões, proteção de espécies em risco e resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Ataque às áreas protegidas
A Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes é citada em meios mapeados como uma das áreas mais desmatadas no estado. Reportagem publicada em 14 de julho de 2022 pelo InfoAmazonia mostra como a expectativa pela aprovação de um projeto de lei (que reduziria em 22 mil hectares a área da Resex) tem estimulado invasões e desmatamento.
Um tema importante discutido em anos recentes no Acre é a construção da rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru. A obra tem consequências socioambientais significativas: atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor e impacta terras indígenas. Boa parte da cobertura sobre a estrada foi pautada por movimentações de políticos e empresários para viabilizar a obra. O contraponto, que aparece em alguns veículos, foi feito por críticas de indígenas e ambientalistas, além de investigação do Ministério Público.
No Acre, o debate socioambiental sofre influência do contexto político local. Se por 20 anos o estado foi governado pelo PT com políticas de florestania e alcunha de “governo da floresta”, o atual governador, Gladson Cameli (PP, reeleito em primeiro turno), opõe-se a essa lógica que, para ele, atravancava o agronegócio e a geração de emprego. Em meio à disputa interna e à onda bolsonarista, a temática socioambiental foi transformada em inimiga da economia.
Uma voz crítica em defesa da floresta
O Blog do Fabio Pontes se destacou, em 2021, como um dos poucos espaços mais críticos da imprensa do estado. O blog foi criado há dez anos a partir de um projeto da BBC de incentivo à cobertura política local. Com o tempo, Fabio Pontes foi sendo tomado pela agenda amazônica, que passou a pautar tanto o blog quanto o trabalho do jornalista como freelancer para veículos nacionais. O jornalista mantém ainda conta em redes sociais como o Twitter.
Embora já acompanhasse em Rio Branco o debate socioambiental, foi na temporada que passou em Manaus, como colaborador da agência Amazônia Real, que Pontes mergulhou nessa vertente. “Eu comecei a escrever com mais intensidade sobre a questão amazônica, ambiental, indígena. De 2016 em diante, passei a ficar focado nessa cobertura específica”, conta o jornalista.
Pontes acompanhou, recentemente, a concentração, na ponte da fronteira, de imigrantes haitianos que tentavam ir para o Peru, a autodemarcação de terras feita pelo povo Nawa e fez para o blog a cobertura da pandemia de Covid-19 relacionada aos povos indígenas. Como o blog não dá retorno financeiro, por vezes há hiatos entre as postagens.
“Gostaria de me dedicar só para o blog e me manter com isso. Mas, infelizmente, não é a realidade do jornalismo independente amazônico. As elites econômicas locais não têm interesse em trabalhar as questões de meio ambiente. E a gente também não consegue financiamento fora. É mais fácil ver pessoas que estão fora da Amazônia conseguirem financiamento para fazer uma pauta aqui, do que nós, que moramos na Amazônia”, explica.
As dificuldades de financiamento e logística, segundo Pontes, são os principais entraves para o jornalismo socioambiental local na Amazônia. Afinal, as distâncias são longas e os deslocamentos demorados – por vezes, precisam ser feitos de barco ou de avião, sendo o Acre um dos estados com preço mais caro dos combustíveis. Outra preocupação é a presença de facções criminosas dominando leitos de rio.
Para tentar furar o bloqueio local às pautas socioambientais, Fabio Pontes mantém uma coluna na Rádio CBN Rio Branco. “É uma oportunidade de falar sobre a questão amazônica para um público maior, não só aquele nicho ambiental. E tratar de uma forma não partidária. Mostrar que falar de Amazônia, de meio ambiente, não é questão ‘do PT’, de ‘ser comunista’, mas uma questão de sobrevivência”, diz o jornalista.
História de jornalismo combativo
Já houve, nos anos 1970, jornais combativos no Acre, como o tabloide Varadouro, que tinha na equipe o jornalista Elson Martins. É do estado um dos primeiros blogueiros a falar do tema socioambiental no Brasil, o jornalista Altino Machado. Atualmente, nessa linha em defesa da Amazônia, desponta o já citado Blog do Fabio Pontes. Os impressos, alternativos ou massivos, estão em extinção no estado. Um dos poucos que resta é o jornal Opinião. Sites de grande repercussão no Acre, como AC 24Horas, ContilNet e G1 Acre, também constam no mapeamento como meios com cobertura socioambiental.
Uma outra vertente é a dos movimentos sociais que passaram a investir em seus próprios veículos. O Comitê Chico Mendes, criado na noite do assassinato do seringueiro e ambientalista de Xapuri, leva adiante a luta pela proteção dos territórios e das populações tradicionais, como extrativistas e povos indígenas. Há na organização uma conexão com a juventude, que inclui projeto de formação de jovens comunicadores, com oficinas de gestão em redes sociais.
Diante da dificuldade da pauta socioambiental ganhar espaço no estado, o que impõe barreiras inclusive ao legado de Chico Mendes em defesa dos povos da floresta, o Comitê decidiu que vai atuar também como uma organização-mídia. A previsão de lançamento de um site, em novembro durante a Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas, tem a intenção de ocupar a lacuna deixada pela mídia acreana e apresentar contra-narrativas sobre os povos e a floresta.
“Como não temos agências especializadas que cobrem meio ambiente no Acre, o Comitê Chico Mendes, junto com a Casa Ninja Amazônia, entendeu que é importante a gente disputar essa narrativa. Estar lá dentro da reserva, das comunidades, ser esse ouvido e comunicar nas redes. Nós decidimos lançar nosso site e lá nós teremos um espaço para notícias do Acre e da região amazônica, para preencher essa lacuna”, conta Bruno Pacífico.
Um portal nacional no oeste da Amazônia
Apesar da ausência de meios especializados, alguns veículos de grande circulação mantêm cobertura frequente da temática socioambiental, como o G1 Acre. O site é o braço local do portal nacional G1 e, junto com as emissoras de televisão Rede Amazônica Rio Branco e de rádio CBN Rio Branco, faz parte do Grupo Rede Amazônica, conglomerado que controla boa parte das afiliadas da TV Globo na Região Norte.
As sucursais da região, além de suas próprias páginas com conteúdos gerais de cada estado, decidiram criar uma página comum chamada G1 Amazônia. “A gente, hoje, alimenta essa página com dados de desmatamento, além de noticiar pesquisas desenvolvidas aqui, empresas que conseguem colocar em prática o desenvolvimento sustentável”, explica Tácita Muniz, editora do G1 Acre.
O G1 nacional apresenta tanto a editoria Agro, quanto a Meio Ambiente. No site local do Acre, são trazidos problemas que têm consequências ambientais, assim como questões referentes ao papel dos produtos florestais na balança comercial do estado. Para Muniz, o que atrapalha a cobertura é a pouca informação que chega de órgãos ambientais. “A dificuldade hoje aqui é a transparência, conseguir dados, principalmente estaduais”, pontua.
Quanto ao interesse dos acreanos pelo debate socioambiental, a editora do G1 Acre considera que acaba sendo sazonal. “A gente tem aqui ou o inverno amazônico ou a seca. Quando está em períodos críticos, a gente percebe um interesse maior por questões pontuais, como as cheias ou a poluição do ar, os focos de queimadas”, diz a jornalista.