Novo recorde da década inclui aumento das cicatrizes deixadas pelas queimadas em quase todos os municípios acrianos. Crescimento significativo afeta principalmente assentamentos rurais, mas é recorde também em unidades de conservação. Imagem de abertura: área queimada em Rio Branco, em agosto de 2020. Foto: Sérgio Vale / Amazônia Real
por Leandro Chaves, de Rio Branco (AC)
O Acre finalizou a temporada de fogo de 2020 com mais de 265 mil hectares de áreas queimadas entre janeiro e a primeira semana de novembro, 39,13% a mais que o registrado no mesmo período de 2019 (190 mil ha). Além disso, superou em 15,3% o recorde dos últimos dez anos, em 2010, que teve cerca de 230 mil hectares incendiados.
Os dados são do Projeto Acre Queimadas, do Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (LabGama), ligado à Universidade Federal do Acre (Ufac).
Dos 22 municípios, 21 tiveram aumento da área queimada, em relação a 2019, com destaque para Epitaciolândia, com crescimento de 315%, e Xapuri, terra natal de Chico Mendes, com 160% a mais. Apenas Plácido de Castro registrou diminuição, com 3% de queda.
O município de Sena Madureira lidera o ranking de área queimada em 2020, com 39 mil hectares, 46% mais que no ano passado. Feijó aparece em seguida, com 36 mil hectares em chamas (36% a mais que em 2019). A capital, Rio Branco, com 34 mil hectares incendiados, registrou crescimento de 57% nesse mesmo período.
De acordo com a coordenadora do LabGama, a engenheira agrônoma Sonaira Silva, este ano, 40% das cicatrizes (sinais) deixados pelas queimadas foram em terras desmatadas recentemente, sem qualquer tipo de cultivo até então.
“Esse percentual (40%) era floresta pelo menos até agosto do ano passado e agora a gente identificou como área desmatada e depois queimada. Nesse caso, o fogo é utilizado para limpeza do que foi derrubado da mata”, explica Sonaira.
As demais áreas queimadas (60%) já eram usadas por grandes propriedades de terra ou para agricultura familiar. “É o fogo que se usa para a limpeza de terrenos já convertidos em pasto ou culturas, por exemplo”, complementa a doutora em florestas tropicais e professora universitária.
Raio-x das cicatrizes
As áreas queimadas também foram analisadas pelo LabGama a partir da classificação fundiária. Os assentamentos são a categoria mais queimada em 2020, seguido das terras públicas, propriedades particulares, unidades de conservação e, por último, as terras indígenas. Todas tiveram crescimento de cicatrizes em relação a 2019.
As unidades de conservação em território acriano tiveram o maior crescimento (63%) de áreas queimadas entre 2019 e 2020 e fecharam a temporada de fogo deste ano com mais de 46 mil hectares incendiados (quase 18% do total).
Entre todas as UCs, a Reserva Extrativista Chico Mendes lidera o ranking das mais queimadas. Criada em 1990, a Resex é símbolo da luta dos seringueiros pela defesa do meio ambiente e do uso sustentável dos recursos naturais. Seu território de quase 10 mil km² perpassa sete municípios do sudoeste do estado e abriga vasta biodiversidade.
Porém, há anos a área sofre uma série de problemas ambientais, como desmatamento, invasões, avanço da pecuária e queimadas. Apenas em 2020, o território que leva o nome do ambientalista assassinado há mais de três décadas teve 28 mil hectares atingidos pelo fogo, sendo responsável por 63% do total de áreas incendiadas em todas as unidades de conservação no estado.
No entanto, a categoria territorial que lidera o ranking de áreas queimadas, pelo segundo ano consecutivo, são os projetos de assentamento rural, com mais de 91 mil hectares (⅓ do total) incendiados. Em relação a 2019, o aumento foi de 53%.
Analista da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Acre, Luiz Perrut explica que os incêndios nos assentamentos são frutos, principalmente, de invasões que, segundo ele, acontecem na maioria desses territórios.
“Soma-se a isso a falta de recursos pra gente fazer as vistorias e assim tomarmos as providências, tanto na esfera federal quanto na estadual. Então, tudo isso dificulta as nossas ações no sentido de coibir as invasões, o que impactaria na redução de crimes ambientais”, diz o analista do Incra.
Ele explica que as queimadas nesses territórios geralmente acontecem após a derrubada da mata para a limpeza que antecede a ocupação. “Via de regra é isso, mas também tem muito desmatamento para retirada de madeira ilegal”, relata.
Para o analista, o mesmo acontece em muitas das áreas de reserva legal no estado e também nas terras públicas. Essas, segundo relatório do LabGama, foram responsáveis por 25% das áreas queimadas (67 mil ha) e tiveram crescimento de 35%, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Propriedades particulares queimaram quase 22% do total (57.857 mil ha), com aumento de 43% em relação a 2019.
Por fim, as terras indígenas – que ocupam quase 15% do território acriano, de acordo com a publicação Acre em Números 2017 – contribuíram com apenas 0,85% de áreas incendiadas, o equivalente a pouco mais de 2 mil hectares queimados.
Acre em chamas
Aproximadamente 95% das áreas afetadas foram queimadas durante a estação seca amazônica, entre julho e outubro. O período de poucas chuvas torna a região propícia a incêndios. Durante a temporada, o satélite S-NPP, da Nasa, notificou 36.206 focos de calor, o maior da série histórica, que teve início em 2012. O número de focos de calor em 2020 foi 27% superior ao do ano passado, ultrapassando também em 12,8% o período do fogo de 2016, o maior até então.
Para Sonaira Silva, vários fatores explicam o aumento recorde dos incêndios no estado. Um deles é que o controle da prática por parte dos órgãos competentes deixa a desejar. “Não existe uma política forte e ampla”, comenta.
“Mas também tem havido uma inversão de padrão de desmatamento e ocupação no Acre nos últimos anos. O tamanho dos polígonos de áreas queimadas tem aumentado. Além disso, muitas pastagens foram renovadas neste ano devido ao aumento no preço do gado. A pecuária já era uma cadeia historicamente forte. Por isso que 60% de tudo o que queimou é de renovação de áreas já convertidas [desmatadas e já queimadas pelo menos uma vez antes]”.
A pesquisadora diz ainda que a política do atual governo federal não deve ser ignorada quando se analisa o crescimento dos dados. “O decreto que suspende por 120 dias as queimadas na Amazônia brasileira não funcionou. Prova disso é que não vimos nenhuma redução por aqui, em relação ao ano anterior, que já foi crítico. Falta fortalecimento das ações de combate ao fogo. Então isso a gente tem que colocar na conta também.”
Esta reportagem faz parte do Amazônia Sufocada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center.
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