PARÁ
Estado marcado por conflitos carece de cobertura socioambiental crítica.
Percentual de editorias temáticas é o maior entre os cinco estados. Maioria dos veículos mapeados tem sede em Belém. Experiências em Novo Progresso, Santarém e Altamira sinalizam a importância da comunicação e do jornalismo locais.
Apesar da frequente liderança do Pará em rankings de desmatamento, queimadas e conflitos territoriais nos municípios do interior do estado, o mapeamento da Rede Cidadã InfoAmazonia identificou que boa parte dos meios que apresentam cobertura socioambiental está concentrada na capital Belém. Há, porém, alguns localizados em municípios-chave para as dinâmicas regionais, como Santarém e Altamira (na região da Usina Hidrelétrica de Belo Monte). Quanto à presença de seções temáticas, o Pará tem percentual acima dos outros quatro estados, atrás apenas de Roraima em toda a Amazônia Legal.
mídias com cobertura socioambiental foram mapeadas no Pará
mantêm seção específica sobre Amazônia ou meio ambiente
Quando o assunto é desmatamento, foi publicada com frequência, em 2021, a repercussão sobre os dados de monitoramento e das operações de combate e fiscalização. Ações de governo como a estratégia estadual de bioeconomia são reportadas ora de modo elogioso, é o que faz O Liberal, ora de modo crítico, como na abordagem do blog do Lúcio Flávio Pinto. Investimentos em sustentabilidade de empresas, assim como violações realizadas por elas, estão no noticiário, por vezes de uma mesma publicação, como pudemos observar no Diário do Pará ao reportar sobre produtoras de óleo de palma.
A cobertura, por um lado, relaciona o desmatamento às mudanças climáticas, aponta os danos causados por grandes empreendimentos como as hidrelétricas, trata de propriedades embargadas por desmatamento. Por outro lado, há reportagens que apontam entraves ao desenvolvimento, defendendo a produção de grãos na Amazônia e o estímulo de bancos à produtividade com floresta em pé.
Aparecem no mapa os dois principais conglomerados midiáticos do estado, Diário do Pará/Grupo RBA e O Liberal/Grupo Liberal. O Diário do Pará e o Diário Online, de propriedade da família do atual governador Helder Barbalho (MDB, reeleito em primeiro turno), além de não terem editoria voltada para o socioambiental, trazem a seção AgroPará. O Liberal mantém um projeto bilíngue de produção de reportagens e conteúdos multimídia chamado Liberal Amazon, ora com pautas socioambientais, ora com foco sobre o setor produtivo.
Para a professora Rosane Steinbrenner, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que coordena o Observatório de Comunicação, Culturas e Resistências na Pan-Amazônia, a concentração de propriedade dos meios e as pressões econômicas são fatores que engessam a pauta socioambiental no noticiário paraense e abafam uma abordagem mais crítica pela imprensa.
“Se a gente considera a realidade da concentração da comunicação no Pará, tem os impasses das elites políticas e econômicas em jogo. Isso com o jornalismo industrial lutando para sobreviver, o que aumenta a pressão de anunciantes e grupos de apoio, em geral grupos conservadores. Aí a gente tem a retomada da pauta de ufanizar a ideia de progresso como modelo de desenvolvimento”, avalia Steinbrenner.
A cobertura das queimadas
Ao tratar de queimadas, a imprensa do Pará noticia tanto questões preventivas, caso de treinamentos do Ibama, quanto casos concretos ligados a incêndios em áreas protegidas e terras indígenas. No período pesquisado, alguns exemplos de cobertura sobre as queimadas incluem reportagens sobre o fogo na Área de Proteção Ambiental de Alter do Chão.
No cenário de radicalização política, a questão socioambiental – assim como a imprensa – passou a ser tratada como inimiga por grupos conservadores. Um caso emblemático foi o ‘Dia do Fogo’, ação coordenada de produtores rurais para incendiar a floresta, que ocorreu entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019 no município de Novo Progresso. O jornalista local que noticiou o caso, da Folha do Progresso, foi perseguido.
Folha do Progresso e o ‘Dia do Fogo’
Adecio Piran, do jornal e site Folha do Progresso, foi contatado pelo grupo que organizou o ‘Dia do Fogo’ para noticiar as queimadas simultâneas. A intenção era fazer um anúncio conclamando outros produtores para participar, queriam até pagar pela divulgação. O jornalista não cobrou, mas publicou a notícia. Alguns dias depois, com a região coberta por fumaça e a repercussão nacional do caso, os incendiários pressionaram para que a publicação fosse retirada. Adecio não cedeu.
“Não tem aqueles filmes de faroeste antigos, que os caras botavam cartazes na rua de ‘procurado’? Foi mais ou menos assim aqui. Saíram panfletos, cartazes contra a minha imagem. Ofensas e difamações na rede social. Ameaças. Tive que sair da cidade. Passei uns 40, 60 dias fugindo, praticamente igual a um bandido, me escondendo”, lembra o jornalista, que perdeu toda a publicidade vinda do agronegócio.
O município de Novo Progresso é cortado pela rodovia BR-163 e está nos planos que passe por lá também a EF-170, a ferrovia Ferrogrão. Além do fluxo de soja entre Mato Grosso e os portos privados de Miritituba, em Itaituba, Novo Progresso enfrenta as consequências de queimadas, grilagem, desmatamento e garimpo. No município, há terras indígenas Kayapó e unidades de conservação, como a Floresta Nacional do Jamanxim.
“Nós vivemos numa região em que a prática ilegal é uma forma de sobrevivência. A economia do município gera renda através desses atos ilícitos, o desmatamento, a extração de ouro em terras de proteção ambiental e terras indígenas. Nós sabemos de todos os atos ilícitos que têm na região. Mas, se agíssimos aqui, estaríamos correndo risco até de ser linchado na cidade”, considera Piran.
Como boa parte dos antigos moradores da cidade, Adecio Piran veio de fora da Amazônia. Ele é paranaense. Mora há mais de 30 anos em Novo Progresso. Embora não seja nativo, sabe bem as dificuldades de fazer jornalismo local na região.
“Eu sempre falo para os colegas que fazer notícia ambiental de onde vocês estão aí é muito fácil. Difícil é você fazer e conviver aqui”, afirma o jornalista.
O papel das rádios
As rádios cumprem um serviço primordial nas grandes distâncias amazônicas. Anteriormente, com a chamada onda tropical, faixa do espectro eletromagnético que dá às emissoras dos centros um longo alcance até interiores da região, muito utilizada até o início dos anos 2000.
Agora, com as rádios comunitárias e a possibilidade de produção de conteúdo local e de integração social pela comunicação, como ocorre em comunidades de Santarém, caso da Rádio Floresta.
A professora Rosane Steinbrenner pesquisou o cenário de rádios comunitárias na rota da rodovia Transamazônica no início da década passada. Em trabalho mais recente, de 2017, cruzou dados de rádios comunitárias e comerciais de toda a Amazônia Legal, além de informações sobre unidades de conservação e terras indígenas. Dentre o total de emissoras comunitárias, mais da metade eram as únicas rádios do município.
O levantamento da professora da UFPA identificou ainda que 45% das rádios comunitárias estavam localizadas em municípios com unidades de conservação e 30% em municípios onde havia terras indígenas. “Isso mostra o potencial dessas emissoras diante da cena socioambiental de ameaças e conflitos. E agora isso aumenta mais, porque as terras indígenas estão no foco, sob ataque permanente”, considera Steinbrenner.
Arapiuns nas ondas da Floresta
Há 20 anos, as comunidades da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, em Santarém, colocavam no ar pela primeira vez suas próprias rádios comunitárias. A iniciativa teve apoio do projeto Saúde e Alegria, a partir de demanda da comunidade São Pedro, conhecida como capital do Arapiuns.
Em 2014, a rádio da comunidade São Pedro passou a ser uma emissora FM de caráter experimental, após concorrer em um edital da organização não governamental suíça Jequitibá. Foi quando ganhou o nome de Rádio Floresta. A grade de programação cresceu e a rádio alcançou novos públicos, como as comunidades do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, que fica do outro lado do rio. Ainda existem dificuldades técnicas, como não haver energia permanente, o que leva à necessidade de contar com um gerador.
O locutor Benezildo da Silva passou a meninice morando em um sítio no meio da floresta. Só com 18 anos começou a se envolver mais com a comunidade. Entrou na rádio como técnico, passou para a locução, foi coordenador, depois voltou para o comando dos microfones. Hoje apresenta o programa ‘Do jeito da gente’. Ele ainda coordena o Telecentro Professora Maria Braga e faz parte do coletivo Jovem Tapajônico.
“Uma das coisas que a gente tem aprendido muito e se esforçado é a divulgar as nossas culturas, as nossas tradições, que não são divulgadas nas outras mídias. O ‘Do jeito da gente’ é um programa que, além de trazer as músicas locais, é muito para ouvir as histórias do passado, ouvir os nossos idosos sobre como era a vida”, conta Benezildo.
Foi na região do Arapiuns que ocorreu a maior apreensão de madeira já realizada pela Polícia Federal na Amazônia. Mais de 130 mil metros cúbicos, em 2021. A pressão das madeireiras não é de hoje. Em 2009, comunidades fecharam a Ponta do Pedrão para denunciar as mais de 40 balsas que passavam por mês levando madeira e para pedir fiscalização do poder público.
“As madeireiras continuam na região. A gente sofre os impactos ambientais e sociais na vida das comunidades, na vida dos ribeirinhos, dos indígenas. A rádio participa da mobilização para ajudar na defesa do território. Às vezes, a gente sofre algumas intimidações de lideranças e até mesmo de pessoas que fazem parte das madeireiras”, relata o locutor da Rádio Floresta.
Notícias online
No ambiente digital, cada vez mais aparecem sites nos municípios do Pará. Alguns atentos às questões socioambientais na Amazônia, como o Tapajós de Fato, de Santarém, e o Redação News, de Altamira, lançado em 2021. Mas como a cobertura socioambiental da mídia poderia melhorar no estado?
O Observatório coordenado por Rosane Steinbrenner está debruçado, atualmente, sobre a comunicação de resistência em conflitos socioambientais. A pesquisa envolve não a comunicação midiática necessariamente, mas a comunicação e visibilização dos conflitos feitas por organizações de resistência integradas às lutas.
Para Steinbrenner, a aproximação entre as mídias e essas organizações de resistência é uma das chaves para alcançar visadas mais profundas e críticas na cobertura. “Pensar as conexões da produção do que a gente chama de resistência comunicativa com as mídias que produzem conteúdo socioambiental. Me parece que essas cenas ainda estão em dimensões separadas”, avalia a professora da UFPA.
Um site no epicentro dos conflitos
O site Redação News olha para a Amazônia a partir de Altamira, um dos epicentros tanto da sociobiodiversidade quanto dos ataques a ela, um deles a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída sobre o rio Xingu. No Mapa dos Conflitos, projeto da Agência Pública e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Altamira, o maior município do país em extensão territorial, aparece como o que mais teve conflitos no campo em 2020: 61.
Rômulo D’Castro, do Redação News, iniciou a carreira na Rádio Rural de Santarém. Está há cinco anos em Altamira. Nesse tempo, apesar dos dados, ele considera que os conflitos amenizaram, mas continuam. “São indígenas que ainda têm que brigar para terem direito às suas terras, são ribeirinhos que têm que brigar às margens do Xingu, porque foram expulsos de suas terras pela Norte Energia e hoje vivem de forma ilegal”, pontua.
D’Castro é autor de um livro sobre jornalismo na Amazônia. Embora, no site, busque tratar de toda a região, ele sabe que, mesmo considerando apenas Altamira, nunca se chega a todos os lugares. “É impossível a gente dizer que cobre Altamira de fato. A mais de mil quilômetros da sede de Altamira tem o distrito de Castelo de Sonhos. Tem o Assurini, que é uma região imensa depois que se atravessa para o outro lado do rio Xingu”, diz o jornalista.