Com histórico de danos ambientais e ilegalidades, garimpo de diamantes será liberado por meio de Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que não exige a manifestação dos órgãos ambientais. Medida foi incluída de forma silenciosa na Lei Geral do Licenciamento, sem debate ou discussão.

A liberação do autolicenciamento para a exploração de diamantes pode deflagrar uma nova corrida garimpeira na Amazônia. A mudança nas regras para explorar a substância ocorreu de forma silenciosa e sem debate, por meio de uma alteração na nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025). A partir de agora, a atividade poderá ser autorizada por meio da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa qualquer análise prévia de órgãos como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Inicialmente, a liberação do garimpo de diamantes por meio da LAC não estava prevista no chamado PL da Devastação, que deu origem à Lei Geral do Licenciamento. O dispositivo foi incluído com as alterações feitas à MP 1308/2025, que tratou da Licença Ambiental Especial (LAE), um novo tipo pensado para projetos considerados “estratégicos” pelo governo.

O texto da MP foi aprovado em minutos e sem discussão em 2 de dezembro, definindo uma lista de substâncias que podem ser exploradas com uso da LAC. Entre elas: areia, cascalho, brita e a lavra de diamantes. Quando realizada pela própria comunidade, a atividade poderá ocorrer também dentro de terras indígenas, territórios quilombolas e de povos tradicionais. 

Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a medida expõe comunidades indígenas historicamente pressionadas pela mineração e representa um “gravíssimo retrocesso”. Segundo Luís Ventura, secretário-executivo da entidade, a LAC equivale, na prática, ao autolicenciamento ambiental.

“Isso é uma afronta a toda a sociedade e uma declaração de descompromisso absoluto do Estado com a proteção ambiental e com o futuro de todos nós. Nenhuma atividade deveria ser licenciada dessa forma, muito menos o garimpo de diamantes”, afirma.

A organização teme que a medida resulte em um aumento de pedidos para garimpar a pedra preciosa nas proximidades ou até mesmo dentro de terras indígenas. E que este mecanismo abra caminho, no futuro, para inclusão de outros minérios garimpáveis na LAC, como ouro e cassiterita.

“Poderá significar a possibilidade da inclusão de outros tipos de lavras garimpáveis, como o ouro. Estamos de fato diante de um mecanismo que abre uma porta. Isto, evidentemente, é um risco severo para os povos indígenas e para seus territórios”, afirma o indigenista.

Dúvidas sobre o tipo de exploração

O geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do relatório Conflitos da Mineração no Brasil, diz que o texto da lei como foi aprovado gera dúvidas sobre que tipo de exploração será liberada, principalmente por citar a garimpagem por faiscação, que, segundo ele é “um termo em desuso”.

A faiscação é um termo do Código de Mineração (Decreto-lei 227/1967) que define este tipo de garimpo como “trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáteis”. O termo não aparece, por exemplo, no Estatuto do Garimpeiro (Lei 11.685/2008), nem na legislação que regulamenta a lavra garimpeira.

Atualmente, os minerais garimpáveis já possuem um processo de autorização simplificado na Agência Nacional de Mineração (ANM), chamado de permissão de lavra garimpeira (PLG), que não faz distinção se a exploração é feita por faiscação, que é o modo mais artesanal, ou com uso de maquinários. 

Documentos técnicos da própria ANM indicam que a PLG passou a ser utilizada de forma distorcida, permitindo a concentração de grandes áreas nas mãos de poucos titulares e a atuação de empreendimentos com características semelhantes às da mineração industrial.

Atualmente, existem 928 requerimentos ativos para exploração de diamantes nos nove estados da Amazônia Legal, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), sendo que 245 são para PLGs e 67 garimpos já estão em atividade. Outros 308 processos são para autorização de pesquisa, 128 são requerimentos de pesquisa e 11 requerimentos de lavra. Os dados foram consultados em 7 de dezembro de 2025.

Ainda em junho deste ano, a ANM publicou a Resolução nº 208 para regular o regime de lavra garimpeira. A norma estabeleceu, pela primeira vez, um limite global de 50 hectares para pessoas físicas, e até 1 mil hectares para cooperativas de garimpeiros.

A resolução também ampliou de forma significativa o rol de substâncias minerais garimpáveis, passando a incluir, além do ouro e diamante, diversos minerais estratégicos, como cassiterita, columbita, tantalita, wolframita, rutilo, ilmenita, zircão, monazita e caulim, e autorizando ainda a lavra de minerais presentes em rejeitos ou associados à substância principal do título.

“Está claro que o diamante não deveria estar com licenciamento especial [a LAC]. Por mais que a faiscação seja considerada de baixo impacto e passível de licenciamento simplificado, não estão contidos outros tipos de extrações de mesma características, como cristais e gemas, feitas por garimpeiros artesanais”, afirma o geógrafo, questionando porque outras substâncias com características e impacto semelhantes ficaram de fora do dispositivo.

Como a nova lei de licenciamento deixou de reconhecer, para fins de consultas vinculantes junto aos órgãos ambientais, as terras indígenas não homologadas e os territórios quilombolas não titulados, o garimpo de diamantes também poderá ser autorizado nessas áreas.

O deputado Zé Vitor (PL-MG), que relatou a proposta incluída na tramitação da MP 1308, afirma que a medida tem objetivo de atender “o garimpo artesanal, feito de maneira rudimentar”. Segundo o deputado, o tamanho e a intensidade da exploração deve ser definida pelos órgãos ambientais antes de o empreendedor solicitar a LAC.

“Por isso, incluímos no dispositivo que a exploração vai atender a capacidade de suporte ambiental [tamanho e intensidade de exploração], que é definida pelos órgãos ambientais. Se o uso de uma pequena draga atender essa capacidade sim, caso contrário não será autorizado”, afirmou Zé Vitor.

O advogado Thiago Pessoa, especialista em direito minerário, defende que a LAC seja implantada para empreendimentos com baixo impacto ambiental. Segundo ele, a nova legislação vai demandar mais fiscalização e preparação dos órgãos ambientais. “Os órgãos ambientais nos estados vão precisar estar preparados para estabelecer as diretrizes para emissão da licença. Não é só fazer o preenchimento do formulário. Devem existir condicionantes”.

Pessoa afirma que a LAC vai desburocratizar empreendedores que estão comprometidos com as condicionantes ambientais e que reclamam da demora nas análises ambientais. “É uma quebra de paradigma. Existe uma gama muito grande de empreendimentos lícitos. E existe um receio de que haja a formalização de projetos que atuavam na ilegalidade. Por isso que os órgãos precisam estar mais bem estruturados para a fiscalização”, defende.

Para o presidente do ICMBio, Mauro Pires, a nova legislação reduz a capacidade do órgão de atuar na prevenção de desastres ou danos ambientais, passando a agir somente na fiscalização. “Quando o prejuízo ambiental já aconteceu. Isso fere diretamente o princípio da prevenção e da precaução”, afirmou, em entrevista à InfoAmazonia sobre as alterações no licenciamento ambiental. 

“Por exemplo, você tem um rio, o leito está dentro da unidade [de conservação] e existe um projeto de mineração do lado de fora. Se impacta o lençol freático, o órgão gestor tem que ser ouvido e dar autorização. Agora, o órgão pode ser ouvido, mas o parecer não é mais vinculante. Vai dar uma insegurança muito grande, porque o empreendedor acha que, por causa dessa mudança legal, poderá fazer seu empreendimento. De fato, vai poder, mas, se causar o impacto, o órgão gestor é obrigado a olhar para esse impacto”, aponta Pires.

Agora, o órgão pode ser ouvido, mas o parecer não é mais vinculante. Vai dar uma insegurança muito grande, porque o empreendedor acha que, por causa dessa mudança legal, poderá fazer seu empreendimento. De fato, vai poder, mas, se causar o impacto, o órgão gestor é obrigado a olhar para esse impacto.

Mauro Pires, presidente do ICMBio

Ameaça aos territórios

Uma boa parte da exploração de diamantes na Amazônia já se concentra no entorno das terras indígenas — e, quando é feita de forma ilegal, também está dentro delas. Entre os mais de 900 requerimentos ativos para exploração de diamantes na Amazônia Legal, pelo menos 192 deles estão registrados em áreas que impactam diretamente 8 territórios quilombolas, 16 terras indígenas e 45 unidades de conservação.

Nos territórios Sawré Muybu, Sawré Ba’pim, Praia do Índio e Praia do Mangue, todos ocupados pelo povo Munduruku, na região do Tapajós, existem pelo menos 15 pedidos ativos na ANM para exploração de diamantes no interior ou nas bordas dessas áreas indígenas.

Entre 2017 e 2018, a Red River, ou Rio Vermelho, empresa do israelense Leo Steiner, utilizou uma megadraga de 120 metros de extensão para explorar ouro e diamantes em áreas próximas às TIs Sawré Muybu e Sawré Ba’pim.

Steiner foi apontado como um dos empecilhos para a demarcação dos territórios, que aguardam há anos pela homologação dos seus limites. O empresário tem pelo menos 13 pedidos ativos para lavra de diamantes no Tapajós, incluindo pedidos dentro do território Munduruku.

A reportagem tentou contato com Steiner através dos contatos da mineradora Red River, mas não tivemos retorno até o momento.

Indígenas Munduruku no território Sawré Muybu, no Tapajós. Na região, existem pelo menos 15 pedidos ativos na ANM para exploração de diamantes no interior ou nas bordas de terras indígenas. Foto: Anderson Barbosa/Greenpeace (2016) Crédito: © Anderson Barbosa / Greenpeace

Maiores jazidas cercam indígenas entre MT e RO

Uma das regiões que mais concentra pedidos para exploração está na divisa entre Rondônia e Mato Grosso. A reportagem identificou 254 pedidos de mineração de diamantes em um raio de 300 quilômetros onde estão 31 territórios indígenas. Nessa mesma área, existem ao menos 50 unidades de conservação.

A exploração de diamantes nessa região da Amazônia carrega um histórico de ilegalidades, corrupção e violência. Em diferentes períodos, a atividade esteve associada a figuras públicas, contrabando internacional e redes de crime organizado. 

Entre os casos emblemáticos está o da TI Roosevelt, em Rondônia, onde a Polícia Federal (PF) identificou uma rede criminosa para exploração e exportação de diamantes. Em 2022, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o empresário libanês Khalil Najib Karam, por comandar a exploração na terra indígena. 

Najib Karam tem trânsito livre em Brasília. Em setembro deste ano, ele se registrou no Senado como representante do senador Irajá (PSD-GO)

A defesa do garimpo na TI Roosevelt já motivou declarações públicas de políticos. O senador Marcos Rogério (PL-RO) participou de audiências públicas para liberar a exploração na TI. Já o ex-governador de Rondônia Ivo Cassol defendeu, quando era senador, a legalização do garimpo no território.

Cassol chegou a ser investigado por conivência na extração ilegal de diamantes dentro da Roosevelt, em 2004, mesma época em que a PF identificou as operações de Karam. O nome do ex-governador foi citado por um doleiro, preso em Porto Velho com mil quilates de diamantes (em torno de 200 gramas). Após anos de tramitação na Justiça, a ação contra Cassol foi arquivada.

Karam e empresas da família Cassol mantêm pedidos ativos para explorar diamantes na região próxima à TI Roosevelt.

Já entre os campeões de pedidos para explorar diamantes na Amazônia está a Cooperativa De Mineração Dos Garimpeiros de Pontes e Lacerda (Compel), que possui ao menos 30 requerimentos para explorar a substância no Acre, apesar de ter como base a exploração de ouro no Mato Grosso.

A reportagem entrou em contato com o senador Irajá para esclarecer qual é o vínculo de Karam com o gabinete. Mas, até o momento, o senador não se manifestou. Também não conseguimos contato com Karam.


Imagem de abertura: Garimpo ilegal de diamantes na Terra Indígena Roosevelt, em Rondônia. Foto: Marcela Bonfim/Amazônia Real

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Fábio Bispo

Repórter investigativo da InfoAmazonia, com foco em cobertura política, transparência pública, jornalismo de dados e questões socioambientais. Com mais de uma década de experiência, já colaborou...

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