No quilombo Genipaúba, no Baixo Acará, no Pará, o açaí sustenta 130 famílias. Do manejo na floresta à feira em Belém, mostra como a produção sustentável é decisiva contra o desmatamento e a crise climática.
O cotidiano de Manoel Vicente, extrativista da comunidade quilombola Genipaúba, na zona rural do município de Acará, no nordeste paraense, reflete a importância da biodiversidade amazônica. A extração do açaí tem sido um elo fundamental entre o desenvolvimento socioambiental dos povos da floresta e o enfrentamento das mudanças climáticas globais, por meio da manutenção da floresta em pé.
“O principal desafio para nós extrativistas é subir nos açaizeiros, por conta dos riscos. Outro desafio do dia a dia são as abelhas. Para muitos, elas são um problema, mas nós, ribeirinhos que trabalhamos com o açaí, sabemos que são elas que polinizam as flores para dar o fruto. Se matarmos ou afastarmos as abelhas, não conseguiremos colher um açaí de boa qualidade”, afirma Manoel.
Aos 55 anos, e atuando na atividade desde a adolescência, Manoel identifica sem dificuldade o impacto do boom do açaí no dia a dia de sua família e de seus vizinhos: “o açaí é nossa maior fonte de renda: é com ele que compramos alimentação, mantemos o sustento da casa e, hoje, conseguimos colocar nossos filhos para estudar mais um pouco. Antigamente, não era possível, não apenas pela falta de condições financeiras, mas também porque largávamos os estudos cedo. Há várias outras questões em que o extrativismo do açaí contribui”.
O açaí é nossa maior fonte de renda: é com ele que compramos alimentação, mantemos o sustento da casa e, hoje, conseguimos colocar nossos filhos para estudar mais um pouco.”
Manoel Vicente, extrativista da comunidade quilombola Genipaúba.
Segundo ele, o desenvolvimento na comunidade melhorou depois que o açaí ganhou visibilidade e mercado. “Hoje podemos ter mais conforto e qualidade de vida, tudo graças ao manejo do açaí.”
Se a vida da população melhorou com a planta nativa da Amazônia — o açaí, presente na dieta local muito antes de se tornar famoso pelo mundo —, o embate com outras formas de uso da terra, muitas vezes marcadas pelo desmatamento, segue crítico.
Desviando dos atravessadores
“A preservação da natureza é muito importante. Não podemos desmatar, porque há pessoas que o fazem, e isso é errado. No futuro, se cada um não fizer sua parte, a produção de açaí vai diminuir, e os preços vão subir nas feiras. Se cuidarmos, extrairmos e plantarmos de forma responsável, faremos diferença”, diz Manoel.
No futuro, se cada um não fizer sua parte, a produção de açaí vai diminuir, e os preços vão subir nas feiras. Se cuidarmos, extrairmos e plantarmos de forma responsável, faremos diferença.”
Manoel Vicente, extrativista da comunidade quilombola Genipaúba.
Na comunidade de Manoel, 130 famílias vivem principalmente do açaí. Por isso, a variação de preço do fruto é conhecida por todos. O açaí produzido na região é comercializado sobretudo em Belém. Em tempos de safra, a rasa — cesta usada como medida padrão — varia de R$ 100 a R$ 130, e entre R$ 200 e R$ 300 na entressafra.
No Baixo Acará, onde fica o quilombo Genipaúba, a safra ocorre geralmente entre junho e outubro. Nesse período, os peconheiros — extrativistas que sobem nos açaizeiros para colher os frutos — trabalham apenas com o açaí, sua principal fonte de renda.
É comum que arrecadem, em média, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil por mês, chegando, na safra, a R$ 20 mil ou R$ 25 mil. O destino do açaí em Belém é a própria Feira do Açaí, na avenida Bernardo Sayão, no bairro do Jurunas. Os barcos conduzidos pelos ribeirinhos saem de madrugada do rio Acará, passam pelo Guamá e seguem até Belém, em um trajeto de cerca de uma hora. Levar o açaí pelo próprio rio é mais rentável do que vender a atravessadores que passam de porta em porta.
Na capital paraense, a cadeia do açaí está em plena expansão, impulsionada pelo mercado de polpa do fruto. “Compramos o açaí há mais de dez anos do ribeirinho Nero, que traz o fruto cinco vezes por semana, e meu filho vai buscar lá na feira da Bernardo Sayão”, conta dona Lucimar da Silva Barbosa, que trabalha há mais de uma década com extração de polpa. A oscilação de preços entre as safras é grande.

Nos comércios da cidade, os caroços passam primeiro por esteiras de limpeza e depois por tambores, em nova etapa de processamento. Após peneiramento e lavagem, são colocados em água morna para amolecer a polpa e facilitar a extração. O último elo da cadeia é o consumidor.
Água quente e limão
Apesar de a entressafra ser um bom período para vender o fruto na capital — quando a oferta é baixa e os preços sobem —, na comunidade Genipaúba esse intervalo também é aproveitado para cuidar do solo e garantir renda com outras culturas e ofícios.
“A natureza é nossa principal inspiração para criar arte e peças. Queremos mostrar que só temos a ganhar com ela, pois dela tiramos nosso sustento diário. Nossas peças vêm da natureza: apenas modificamos e reciclamos o que não seria mais aproveitável”, afirma a artesã ribeirinha Bruna Taís Trindade Costa.
Nossas peças vêm da natureza: apenas modificamos e reciclamos o que não seria mais aproveitável.”
Bruna Taís Trindade Costa, artesã ribeirinha
Na falta do açaí, parte da renda vem do comércio do palmito, mas ainda assim as contas domésticas não fecham. Além do artesanato, as famílias cultivam cacau, pupunha, castanha-do-pará e cupuaçu.




“O açaí representa 90% da nossa renda. Os outros 10% vêm principalmente do artesanato”, explica Bruna. As folhas são coletadas na floresta e tratadas com água quente e limão, para impedir o mofo. Depois, secam de dois a três dias ao sol equatorial. As criações utilizam a palha seca, e tudo do açaí é aproveitado: folhas, vassouras, caroço e polpa.
“Do palmito, só o caule ainda não trabalhamos”, diz a artesã. Outras plantas, como miriti e bananeira, também têm folhas usadas. Para acabamentos, usam verniz incolor para brilho e conservação, e mogno para tom avermelhado e brilhante.
Enquanto Bruna trabalha, a entressafra nos açaizais é época de roçagem, extração de palmito e retirada de açaizeiros antigos para dar lugar a novos. No Baixo Acará, área de várzea, o plantio deve começar na estiagem, para que as mudas se enraízem antes do chamado inverno amazônico (de dezembro a maio).
Com o crescimento do mercado de açaí, a assistência técnica adequada torna-se decisiva, afirma Hervé Louis Ghislain Rogez, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) de Desenvolvimento Sustentável da Fruticultura na Amazônia.
Um manejo inadequado, segundo Rogez, causa erosão, especialmente quando apenas os açaizeiros permanecem nas áreas de cultivo, já que suas raízes não retêm bem o solo. O tráfego de embarcações motorizadas também intensifica o problema, ao movimentar a água dos rios sobre os barrancos. “Sem orientação, os produtores acabam fazendo manejo incorreto. Por isso, a ATER [Assistência Técnica e Extensão Rural: Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) é, em resumo, o “suporte técnico” contínuo dado a agricultores familiares, ribeirinhos, povos indígenas, quilombolas e outros produtores rurais para que eles produzam melhor, com mais renda e menos impacto ambiental.] é essencial”, alerta.
O açaí é vital para a economia amazônica: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a cadeia produtiva movimentou R$ 800 milhões em 2024, podendo chegar a R$ 1,5 bilhão devido à informalidade. “Um manejo sustentável beneficia o meio ambiente, a economia e a sociedade. Com práticas corretas, a produtividade por pé de açaizeiro pode dobrar, favorecida pela polinização de abelhas sem ferrão”, explica Rogez.
Imagem de abertura: Manoel Vicente, 55, extrativista quilombola: um dos maiores desafios é o risco de subir nos açaizeiros. Foto: Maiara Goes/InfoAmazonia
Esta reportagem foi produzida com apoio do Centro de Pesquisa Florestal Internacional e Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF no Brasil), por meio do projeto de educomunicação Jornalismo e Soluções baseadas na Natureza, uma parceria inédita entre a instituição, a InfoAmazonia e a Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará.
Muito importante essa visibilidade, eu como moradora dessa comunidade acho gratificante mostrar mais sobre as nossas vivências e culturas.
Obrigada Maiara Gós por levar um pouquinho da nossa cultura e práticas da comunidade
Obrigada Mayara pro da essa visibilidade para nossa casa parabéns sucesso na sua carreira e muito gratificante ver pessoas da nossa região chegando em seus sonhos pois sabemos as dificuldades sucesso
Arrasou, Mayara Góes!
A sua matéria está muito boa, trazendo as vivências dos moradores da comunidade quilombola do Genipaúba.
É muito importante essa visibilidade para nossa comunidade, mostrar um pouco do nosso dia-a-dia, parabéns pela matéria 😊e já estamos aguardando as próximas 👏🏽👏🏽
É muito importante essa visibilidade para nossa comunidade, mostrar um pouco do nosso dia-a-dia, parabéns pela matéria 😊e já estamos aguardando as próximas 👏🏽👏🏽
Uma reportagem muito bem feita, proporcionando um mergulho e conhecimento na vida destas pessoas.