Na cúpula de biodiversidade, um processo de negociação que começou há oito anos e está relacionado a áreas marinhas importantes nos oceanos foi fechado. A decisão, uma das primeiras a ser adotada nesta COP, foi descrita como “histórica” por diversos especialistas. Aqui explicamos em que ela consiste.
No sábado (02), último dia de negociações da COP16, foram abordadas as questões mais pesadas, como o financiamento ou o compartilhamento dos auxílios obtidos com os recursos genéticos digitais (DSI, por sua sigla em inglês). No entanto, já na sexta-feira, ouve no plenário aplausos para uma das primeiras decisões adotadas nesta edição da Convenção.
A decisão está relacionada com as “áreas marinhas ecológica ou biologicamente significativas” (EBSA, por sua sigla em inglês). Embora isso possa parecer técnico, como reconheceu Andreas Hansen, diretor de Política Oceânica Global da ONG The Nature Conservancy (TNC), “é vital implementar o Marco Global de Biodiversidade para o oceano”.
Outros especialistas, como Kristian Teleki, CEO da Fauna & Flora, não hesitaram em chamar a decisão de “um passo histórico para atingir a meta de proteção de 30% até 2030”. O entusiasmo também está no fato de que as negociações para chegar a um acordo levaram cerca de oito anos. Mas o que são EBSA? Qual foi o acordo? E por que ele é importante?
Para explicar de forma simples, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) descreve as EBSA como áreas especiais do oceano que, “de uma forma ou de outra, cumprem funções importantes para o bom funcionamento dos oceanos e dos inúmeros serviços que prestam”. Na COP de biodiversidade de 2008, foi lançado um processo para identificá-las, com base em sete critérios científicos, como sua singularidade ou raridade e sua diversidade biológica.
A designação de uma EBSA não significa o estabelecimento de qualquer medida de gestão ou restrição de atividades. O que a CDB busca com esse reconhecimento é que os países ou regiões tenham argumentos para decidir sobre a gestão de certas partes do oceano, seja com áreas marinhas protegidas ou avaliações de impacto ambiental.
No entanto, desde a COP13 em 2016, os 196 países que fazem parte da Convenção começaram a discutir como atualizar o processo de avaliação para reconhecer uma EBSA, bem como modificar as descrições ou descrever novas áreas. O problema, como explicou o WWF, é que, desde então, as negociações enfrentaram desafios políticos, técnicos e jurídicos.
Na noite de quarta-feira, e após oito anos de negociação, as delegações chegaram a um acordo que foi adotado como decisão em plenário. O documento de oito páginas e 21 pontos estabelece “uma estrutura para identificar e atualizar áreas marinhas cruciais para a saúde dos oceanos, com base em critérios científicos”, explica Pepe Clarke, diretor de Práticas Oceânicas do WWF Internacional.
Agora, acrescenta Clarke, o mapeamento das mais de 300 EBSA identificadas até o momento, e aqueles que podem ser descritos no futuro, “servirá como base científica para medidas de conservação, restauração e gestão dos ecossistemas marinhos”.
Enquanto isso, Hansen, da TNC, disse que “agora haverá um banco de dados atualizado que pode ajudar os tomadores de decisão a decidir onde implantar áreas protegidas e medidas de uso sustentável para deter e reverter a perda de biodiversidade”. Para Teleki, da Fauna & Flora, a decisão foi urgente e essencial, dado que quase 10% das espécies marinhas estão em perigo de extinção devido às mudanças climáticas, poluição e sobrepesca.
Os três especialistas concordam que o acordo constitui um marco essencial no caminho para proteger 30% dos oceanos até 2030, como uma das metas acordadas há dois anos no âmbito do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal.
De acordo com diversos relatos apresentados na COP16, o mundo ainda não tomou o caminho certo para alcançar a proteção que prometeu. Por exemplo, um documento elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) revelou que apenas 8,4% das áreas marinhas e costeiras estão sob alguma forma de proteção.
O principal desafio, apontam os autores do relatório, é que, faltando seis anos para cumprir o prazo das 23 metas, 21,6% a mais dos oceanos precisam ser protegidos. Ou seja, cerca de 78,3 milhões de quilômetros quadrados. É aqui que os especialistas do WWF, TNC e Fauna & Flora esperam que o acordo alcançado possa ajudar, pressionando para a proteção necessária.
Mas esse não é o único avanço que o documento traria. Como destaca Hansen, da TNC, dado que o banco de dados incluirá informações sobre áreas de biodiversidade em águas nacionais e internacionais, “há também claras sinergias com o Tratado do Alto Mar, bem como com esforços para estabelecer Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) em alto mar”.
Este tratado, assinado até agora por mais de 100 países, incluindo a Colômbia, é um acordo juridicamente vinculativo que busca criar uma abordagem de conservação em águas fora das jurisdições nacionais, que representam aproximadamente dois terços dos oceanos do planeta. Até agora, apenas 14 países o ratificaram, portanto, outros 46 precisam fazê-lo para que ele entre em vigor.
A questão, como revela um estudo apresentado pelo Marine Conservation Institute também no âmbito da COP16, é que apenas 1,4% do alto mar estavam sob algum tipo de proteção e apenas 0,8% estão efetivamente protegidos.
Por esse motivo, Rebecca Hubbard, diretora da High Seas Alliance, ONG que promove a ratificação do Tratado do Alto Mar, chamou a decisão de “excelente notícia”. “Com a tão esperada entrada em vigor do Tratado do Alto Mar em breve, esse processo será incrivelmente valioso para contribuir para a base científica de futuras áreas marinhas protegidas do Alto Mar, essenciais para atingir o objetivo de 30×30, bem como os dados necessários para avaliações de impacto ambiental a fim de avaliar potenciais ameaças”, conclui Hubbard.
Traduzido por Nina Jacomini
Este artigo foi publicado graças a uma parceria entre El Espectador e InfoAmazonia, com o apoio de Amazon Conservation Team.