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Anestesiados ou o quê? A Amazônia está em chamas!

2024 está entrando na história como o ano com as maiores queimadas já registradas na floresta. Não parece que estamos muito preocupados.

A Amazônia está queimando sem parar! E o mundo está impassível diante disso. As Olimpíadas dominam a atenção global. Não estamos falando de algumas pequenas queimadas. Estamos em pleno recorde. Os satélites nunca captaram tantos focos de calor.

Alguém há de perguntar por que não temos agora – como tivemos em 2019 – a mobilização contra as queimadas na Amazônia. Naquele momento, Madonna, Cristiano Ronaldo, Leonardo DiCaprio e boa parte do mundo se uniram aos brasileiros em um grito de indignação. Houve uma manifestação contra o desmatamento na Avenida Paulista!

Os bolsonaristas de plantão certamente abraçarão a narrativa de que a imprensa é conivente com o governo Lula e sempre condenou seu ídolo máximo. Afinal, em 2019, no primeiro ano da presidência de Bolsonaro, as violentas labaredas na Amazônia geraram uma onda de críticas ao governo.

Se compararmos os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os números realmente não são favoráveis à gestão de Lula. Em 2019, eles apontavam que as queimadas na Amazônia eram as mais altas em 10 anos. Agora, os indicadores mostram que estamos vivenciando o recorde de 20 anos: o maior número de focos de calor já registrados na região desde 2005.

Os cenários, no entanto, são muito diferentes. Há cinco anos, o que vimos foi uma corrida desenfreada de desmatadores apoiados pelo discurso de Bolsonaro. A imprensa fez o seu papel e revelou o “Dia do Fogo”, um acerto entre produtores rurais no Pará para realizar queimadas coordenadas. Os cientistas também contribuíram com estudos mostrando que os grandes incêndios estavam ocorrendo em áreas de mata primária, principalmente dentro de terras públicas. Em outras palavras, era grilagem pura.

Foto registrada por sobrevoo do Greenpeace Brasil no norte de Rondônia em 30 de julho de 2024. Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace Brasil

O que temos agora são dois anos seguidos de seca extrema na Amazônia, associados a um evento de alta intensidade do El Niño. Vejam bem, isso não significa passar pano para a calamidade que está ocorrendo agora. As queimadas na floresta tropical úmida raramente são naturais. Quase sempre há alguém que acende o primeiro fósforo. Mas, nesta seca, é muito fácil que as queimas de limpeza de capoeira saiam de controle.

Similar ao que ocorreu em anos como 2007 e 2010, temos um aumento das queimadas com queda no desmatamento, indicando que, de fato, houve e há agora um comprometimento com o combate à destruição da floresta pelos governos em questão. O problema é que as condições para isso estão ficando mais complexas: os recursos para os fiscais e brigadistas continuam escassos. O desequilíbrio climático se manifesta cada vez com mais força.

Similar ao que ocorreu em anos como 2007 e 2010, temos um aumento das queimadas com queda no desmatamento, indicando que, de fato, houve e há agora um comprometimento com o combate à destruição da floresta pelos governos em questão. O problema é que as condições para isso estão ficando mais complexas: os recursos para os fiscais e brigadistas continuam escassos. O desequilíbrio climático se manifesta cada vez com mais força.

Gustavo Faleiros

No campo, a transição para uma agricultura e pecuária que não dependam de queimadas de roças e pastagens ainda tem um longo caminho a percorrer. Observando o recente levantamento do MapBiomas sobre o total de áreas queimadas no Brasil desde 1985, vemos um padrão que se mantém. Em 2023, certamente devido à seca severa, a extensão das áreas queimadas foi a maior em seis anos. É quase certo que o resultado será igual ou pior este ano.

Outro fato peculiar que gerou a onda de protestos em 2019 foi a nuvem de fumaça que chegou ao Sudeste em 19 de agosto daquele ano. O fato de que as queimadas na Amazônia puderam transformar o dia em noite em São Paulo despertou a reação à degradação da maior floresta do planeta. A partir dali, a imprensa e o público em geral passaram a falar muito mais sobre o ponto de não retorno — o famigerado tipping point, o momento em que a Amazônia caminhará a passos largos para se tornar um ambiente mais seco.

Carcaça de boto no Lago Tefé, no Amazonas. Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

O mesmo fenômeno de deslocamento de fumaça das queimadas e poluição das cidades amazônicas continua se repetindo. Embora não tenhamos presenciado um novo “escurão”, as imagens de satélite mostraram grandes plumas de monóxido de carbono saindo de Rondônia e rumando para o Centro-Sul, chegando até mesmo aos estados mais ao sul e atingindo o Uruguai. Poucas notícias foram divulgadas sobre isso e, infelizmente, nem sobre o estado crítico da qualidade do ar nas capitais da região Norte. Na semana passada, Porto Velho registrou o ar mais poluído de todo o país!


A pergunta mais incômoda agora é por que essa tragédia climática que se desenrola diante dos nossos olhos não gera a mesma revolta e mobilização. Acho que a resposta a essa pergunta está, em grande parte, no distanciamento e na impotência que uma “catástrofe natural” nos impõe. O que fazer diante do leito do rio Solimões praticamente seco? O que fazer quando centenas de botos começam a morrer pelas altas temperaturas, como ocorreu no ano passado no Lago Tefé?

Outra possível resposta é uma negação demasiadamente humana: queremos acreditar que a emergência climática ainda está por vir.

Alguns amigos, bons jornalistas que cobrem o meio ambiente, me recomendaram assistir à série Extrapolations, da Apple TV. O conceito por trás de cada episódio é bem interessante: o que aconteceria no mundo a cada aumento na média da temperatura global. Na série, ao ultrapassar a barreira dos 1,5°C, vemos representados os impactos que os cientistas já previam há tempos.

Na primeira temporada, que se passa entre 2037 e 2070, há enormes levas de refugiados climáticos e uma acidificação dos oceanos tão severa que deixa apenas uma única baleia viva. Como pano de fundo, vemos paisagens esfumaçadas por toda parte, devido a extensos incêndios florestais e altas temperaturas. As pessoas nem sequer podem passar muito tempo ao ar livre.

Embora a descrição do colapso seja muito bem feita e baseada na ciência, há algo que incomoda na série. As projeções estão sempre voltadas para um futuro que ainda parece distante. Mas, o que temos visto agora na Amazônia, no Rio Grande do Sul e em muitas outras partes já indica que algumas das previsões mais catastróficas estão ocorrendo agora.

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Gustavo Faleiros

Gustavo Faleiros é cofundador da InfoAmazonia e editor de Investigações Ambientais do Pulitzer Center.

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