Localizados a mais de duas horas de Leticia, cidade na fronteira com o Brasil, os lagos são um destino frequentemente procurado por viajantes que visitam a parte colombiana da floresta, famosa por seus carismáticos botos cor-de-rosa. No entanto, o turismo está começando a levantar muitas questões entre as comunidades indígenas próximas, que temem que possa sair do controle. Como encontrar um ponto de equilíbrio?
Entre setembro e outubro de 2023, houve semanas sem chuva na Amazônia. Milhões de pessoas dos oito países da região ficaram sem água, combustível e comida durante uma temporada seca que durou mais do que o normal, deixando algumas áreas completamente isoladas.
Nesses dias, as famílias da reserva indígena Ticoya, localizada a mais de duas horas de lancha de Leticia, se organizavam para ir uma ou duas vezes por semana ao centro urbano de Puerto Nariño para buscar água, lembra Jerónimo Ahue Cuello, vigia ambiental da comunidade Puerto Esperanza.
Enquanto uma canoa com um motor barulhento passa em frente ao posto de vigias em Ticoya, Jerónimo menciona que durante esses meses secos não viu tantos turistas.
Puerto Nariño é um dos destinos mais turísticos da Amazônia colombiana, recebendo cerca de 24.000 turistas por ano. Há cinquenta anos, antes da fundação do município em 1984, isso era impensável. Os tempos mudaram: hoje, o município conta com 22 hotéis e 19 agências de viagens em operação.
Embora o turismo seja uma das principais fontes de renda econômica para o município, algumas comunidades questionam o impacto social e ambiental dessa atividade, que ganhou impulso após o Acordo de Paz de 2016. Atualmente, essa fonte de renda se expandiu para incluir conceitos como ecoturismo, turismo comunitário e etnoturismo.
Segundo a Secretaria de Turismo e Cultura do departamento colombiano do Amazonas, em Leticia, a capital, mais de 400 serviços, entre agências, operadores e alojamentos, recebem cerca de 30.000 turistas por semestre no Aeroporto Internacional Alfredo Vásquez Cobo. Esses serviços acomodam os turistas e organizam suas viagens para fora do município de Leticia. Outro destino popular é Puerto Nariño e seus arredores.
Muito perto de Puerto Nariño está o sítio Ramsar: Um sítio Ramsar é uma zona úmida classificada como local de importância ecológica internacional ao abrigo da Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional. Lagos de Tarapoto, o primeiro complexo de áreas úmidas na Amazônia a receber essa designação, a mais alta medida internacional para a proteção desses ecossistemas. Declarado em 2018 pelo Ministério do Meio Ambiente, este sítio está situado dentro da reserva Ticoya, de onde Jerónimo fala. É composto por 22 comunidades dos povos indígenas Ticuna, Cocama e Yagua.
Nesta reserva amazônica, várias opiniões convergem sobre o turismo. Embora seja um setor econômico importante, tem havido descumprimento das regras de acordos de pesca que as comunidades estabeleceram alguns anos atrás. Essa situação as mantém divididas.
As discordâncias em Lagos de Tarapoto
No início da década anterior, em Lagos de Tarapoto, houve uma diminuição de espécies de peixes como aruanãs, tambaquis brancos, bagres e o famoso pirarucu. As comunidades se aproximavam das florestas alagadas, onde árvores crescem entre a água às margens dos rios, lugares onde normalmente era mais fácil encontrar peixes, mas não os encontravam como décadas atrás.
Há mais de 40 anos, em 1980, um indígena levava em média 15 minutos para capturar o necessário para sua família e para o comércio. Hoje em dia, essa tarefa pode levar até uma noite inteira, especialmente durante a temporada de verão. Isso também afeta a alimentação dos botos cor-de-rosa e cinza (Inia geoffrensis e Sotalia fluviatilis), espécies sentinelas que estão no topo da cadeia alimentar e cujo bem-estar é um indicador do estado do ecossistema. Atualmente, ambas estão categorizadas como “em perigo” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Segundo relatos do vigia Jerônimo Ahue, os acordos alcançados pelas comunidades têm ajudado a enfrentar essa escassez. “Antigamente, víamos pessoas das mesmas comunidades pescando pirarucu”, que hoje não podem mais pescar.
A designação de Lagos de Tarapoto como sítio Ramsar, que permite proteger uma área de 54.643 hectares, ocorreu ao mesmo tempo em que as comunidades alcançaram 10 acordos de pesca responsável para aumentar as populações de peixes. Esses acordos incluem restrições para proteger certas espécies em períodos específicos do ano, de acordo com seus ciclos de reprodução, e também definem quais espécies são completamente proibidas para pesca, assim como quais redes e motores são permitidos.
Durante a seca do ano passado, a viagem de Lagos de Tarapoto a Puerto Nariño demorava cerca de uma hora a mais do que os 15 a 20 minutos que normalmente duram. As florestas alagadas, onde durante a época de cheias os botos cor-de-rosa e cinza (Inia geoffrensis e Sotalia fluviatilis) nadam, pareciam apenas vegetação sobre a terra, sem água.
De acordo com estimativas da Fundação Omacha, uma ONG que acompanhou durante quatro anos a reserva Ticoya na formulação dos acordos, cada família necessita de uma sarta: Vaso largo, redondo e pouco fundo, que serve para frigir ovos, peixes, etc. e meia por dia (sendo que uma sarta tem em média dez peixes), o que equivale a 2 quilogramas diários durante as águas baixas e 0,67 quilogramas durante a temporada de águas altas. Os acordos permitem que cada pescador pesque diariamente até 10 sartas ou 20 kg, embora a captura diária por espécie não possa exceder 10 kg.
Para garantir o cumprimento dos acordos, na entrada do complexo de áreas úmidas há uma estação onde membros das 22 comunidades se revezam a cada quinze dias para revisar as redes usadas pelos pescadores, verificar os motores dos barcos e as espécies capturadas.
Para o vigia Juan Ahue Cuello, de Puerto Esperanza, cumprir os acordos também traz benefícios “para as gerações futuras, nossos netos e bisnetos. Como vigias, estamos contribuindo para que os peixes continuem se reproduzindo; caso contrário, não teremos mais nada”.
Embora os acordos tenham ajudado a recuperar populações de espécies, como destaca o vigia Gabriel Ahue Gómez, da comunidade de Santa Clara de Tarapoto, há discordâncias entre as comunidades porque alguns pescadores não cumprem o tamanho permitido para as redes (que deve ser maior que três polegadas) e usam redes de duas polegadas.
Santa Clara é a comunidade onde os pescadores menos cumprem os acordos. Estão mais próximos do lago principal e não veem com bons olhos seguir as regras das outras comunidades da mesma reserva que vêm para “seu” lago.
“Os pescadores não concordam. Eu gostaria que, especialmente no verão passado, não houvesse redes”, opina Jerônimo, quando o período seco foi prolongado.
Para Fernando Trujillo, diretor científico da Fundação Omacha e eleito Explorador do Ano pela National Geographic, existem dois problemas principais: os que não cumprem os acordos não recebem qualquer tipo de sanção e a maioria dos vigias “são pessoas mais velhas e, infelizmente, não têm muita autoridade” entre os pescadores e as autoridades da reserva que não reconhecem os acordos.
Os problemas entre pescadores e vigias ocorrem principalmente no verão porque, como explica Trujillo, é quando há maior concentração de peixes, enquanto em outros períodos “os pescadores podem passar a noite inteira e, com sorte, tirar uma sarta”.
Outro ponto de discórdia são as canoas, que só podem ter um motor pequeno, denominado “pkpk cavalo 5.5”, e navegar a menos de 5 km/h, para evitar prejudicar os peixes e os botos com as hélices ou afetá-los com o ruído. Esta é uma regra que, segundo os vigias, não é conhecida nem cumprida por algumas embarcações de operadoras que levam turistas.
É paradoxal: o avistamento de botos é um dos principais interesses dos turistas que chegam a Lagos de Tarapoto, mas, segundo dados da Fundação Omacha, as populações de botos cor-de-rosa diminuíram 52% e as de botos cinza 37% nos últimos 30 anos no Trapezio Amazônico (o extremo sul do departamento).
“Isto ocorre em uma área onde há manejo. Nas outras áreas onde não há, a situação provavelmente é pior”, enfatiza Trujillo.
Turismo no extremo da Amazônia
Lilia Java, líder dos vigias, conta que na estação registram todos os pescadores que entram, mas controlar os turistas é difícil. “Alguns se aproximam e conhecem o trabalho dos vigias, outros vem nadar nos lagos e vão embora no mesmo dia, outros ficam mais de uma noite, outros vem pescar”, uma atividade proibida pelos acordos. O problema não são tanto os turistas, “mas sim os operadores. Já tivemos momentos em que ficaram irritados porque fizemos a observação de que não podem entrar com embarcações de motores de alto cilindro. Há outros que entram devagar e aumentam a velocidade mais adiante.”
Das 22 comunidades indígenas de Ticoya, 12 oferecem hospedagem e atividades para turistas, e desde o ano passado começaram a cobrar por isso. “A finalidade das comunidades parece ser arrecadar fundos, não fazer cumprir os acordos nem apoiar o trabalho dos vigias”, questiona Java.
No ano passado, essa atividade gerou um recorde de ganhos no país, mais de US$ 9.000. Quanto a Puerto Nariño, em 2023 o município recuperou a certificação de turismo sustentável que havia perdido entre 2017 e 2018 devido à falta de saneamento e água potável. Segundo a Secretaria de Cultura, Turismo, Recreação e Esportes de Puerto Nariño, dos dois mil turistas que chegam por mês, 40% vão para Lagos de Tarapoto.
Para a secretária de Cultura, Linda Acevedo, um caminho para que as comunidades se envolvam mais no turismo seria se organizarem e se legalizarem “como empresas prestadoras de serviços turísticos”, além de receberem “investimentos em capacitação em turismo, bilinguismo e criação de atrativos turísticos dentro das diferentes comunidades”.
José Barreto, da operadora Amazon Xplorer Travel em Leticia e ex-membro da Direção de Assuntos Étnicos, diz que o ideal é que as comunidades indígenas recebam apoio para se certificarem como guias turísticos, mas também que as agências e operadoras “contratem guias nativos, que conhecem a floresta, em vez de contratar guias de fora”.
Mas para as comunidades, as questões sobre o turismo vão além de se organizar como prestadoras de serviços ou regular o uso de lanchas pelas operadoras. Elas questionam que o turismo esteja ignorando as regras dos acordos de pesca e que na Amazônia, a maior floresta tropical da Terra, não haja regulamentação sobre a participação das comunidades nessa atividade. No entanto, em Ticoya, recorreram à Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC) e estão próximos de conseguir o reconhecimento do que chamam de turismo comunitário.
Planejam apresentar ao governo uma proposta que permita às comunidades regularem o turismo em seus próprios territórios. “Queremos que este turismo seja reconhecido e beneficie as comunidades, não apenas as agências e operadoras”, afirma Java. “Temos outras formas de governo e de ver a vida; queremos que as comunidades tenham a possibilidade de organizar o turismo à sua maneira, em seu ritmo.”
A secretária de Cultura e Turismo do departamento colombiano de Amazonas, Marcela Velásquez, afirma que o Plano de Desenvolvimento Territorial atual inclui o fortalecimento de “cadeias de valor como o turismo comunitário e especializado”.
No ano passado, o Ministério do Comércio, Indústria e Turismo iniciou um plano para posicionar o turismo indígena no país, seguindo um documento elaborado pelas organizações indígenas que fazem parte da Mesa Permanente de Concertação.
O vigia Luis Ahue, que apoia o trabalho com a ONIC, reconhece que o turismo tem um potencial muito forte: “É o único setor que tem gerado emprego, mas se não fizermos um bom trabalho e nos unirmos, será um problema maior”, referindo-se ao possível descumprimento dos acordos de pesca.
Perto de Leticia, um processo semelhante já ocorreu, especificamente em Lagos de Yahuarcaca, formado por sete comunidades indígenas. Da associação Atica de pescadores dessas comunidades, que também realiza projetos de pesquisa com o Instituto Sinchi e a Universidade Nacional, formou-se uma associação de turismo comunitário chamada Painu, na qual três das comunidades participam e organizam passeios com turistas aos lagos.
Como desenvolver o turismo comunitário indígena?
Em um artigo publicado em abril na revista “Economic Development and Cultural Change”, Santiago Saavedra, PhD em Economia pela Universidade Stanford e professor da Universidade do Rosário, estudou o impacto do ecoturismo em 76 municípios da Colômbia, incluindo Puerto Nariño e Leticia.
“Descobrimos que onde o ecoturismo é promovido, há um aumento de 16% no emprego e uma redução de 50% no desmatamento”, explica o pesquisador, além de uma diminuição de outras atividades ambientalmente agressivas, como a sobrepesca.
Jeimy Cuadrado, coordenadora de Recursos Naturais e Meios de Vida Sustentáveis da WWF Colômbia, também destaca a importância de apostar em atividades que demonstrem o valor de manter a floresta em pé e mudar os sistemas de produção que tendem a desmatá-la. Ela ressalta que em regiões como a Amazônia, “o turismo depende de boas condições de biodiversidade para oferecer, o que, por sua vez, garante serviços ecossistêmicos como a absorção de carbono”.
Um relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) aponta que entre 2001 e 2020, a Amazônia perdeu mais de 54,2 milhões de hectares. Estudos indicam que se a região ultrapassar 20% de desflorestação, poderá chegar a um ponto de não retorno, transformando-se em savana. Até agora, a taxa está em 17%.
Além disso, estudos como os do World Weather Attribution mostram que o aquecimento global torna eventos como a seca do ano passado 30 vezes mais prováveis. Outro estudo recente na revista PNAS adverte que 37% da Amazônia está demorando mais para se recuperar de secas.
O turismo comunitário tem sido promovido há anos com comunidades locais em várias partes da Colômbia, mas há erros que não deveriam ser repetidos na Amazônia. Para Cuadrado, um turismo mal regulado pode gerar desequilíbrios ambientais e sociais, como quando se ignoram atividades tradicionais e se modifica o uso do espaço. Ela argumenta que é crucial desenvolver modelos de turismo “não massivos, com um enfoque experiencial que valorize a cultura, os costumes tradicionais, o respeito e a dependência dos ecossistemas”.
Paula Cortés, presidente executiva da Associação Colombiana de Agências de Viagens e Turismo (Anato), afirma que a maioria dos pacotes turísticos e produtos regionais são desenvolvidos em colaboração com as comunidades. Ela também menciona que a intermediação por agências e operadores turísticos não necessariamente resulta em turismo massivo.
O departamento colombiano não possui um protocolo ambiental específico para o setor turístico, mas está trabalhando na formulação de um Plano de Desenvolvimento Turístico que o inclua. O Ministério do Comércio menciona projetos em Amazonas, como a construção de embarcadouros fluviais e o apoio ao turismo regenerativo, aviturismo e turismo indígena.
Na comunidade indígena de Arara, entre Leticia e Puerto Nariño, estão sendo implementados processos semelhantes aos de outras áreas da Amazônia, como Lagos de Tarapoto. Jaime Vento, que impulsiona um empreendimento de turismo comunitário, destaca a importância de não apenas preservar, mas também educar os turistas sobre práticas sustentáveis.
Juan Monteiro, da associação Painu em Lagos de Yahuarcaca, lamenta a falta de apoio do departamento de Amazonas e vê potencial em parcerias com agências para promover o turismo e a venda de artesanato, embora tema que isso possa resultar em imposições ou concentração de lucros.
Luis Ahue, vigia em Puerto Nariño, enfatiza a necessidade de cumprir os regulamentos internos para evitar que o turismo se torne um problema.
Según Juan Monteiro, de la asociación Painu en Lagos de Yahuarcaca, no han recibido ningún apoyo o alianza por parte del departamento. Para ellos, asociarse con agencias u operadoras “sería una gran cosa, tendríamos visitas turísticas, venta de artesanías”. El único temor que tienen es que luego las agencias les impongan ciertos servicios o paquetes a ofrecer, o que terminen concentrando la mayoría de las ganancias.
Volviendo a Puerto Nariño, al borde del río Amazonas y mientras observa dos embarcaciones que llegaron con turistas, el vigía Luis Ahue dice que hay que empezar por que en Ticoya “se cumplan los reglamentos internos: ese es el primer paso para que el turismo no se vuelva un problema”.
*Este especial é possível graças ao projeto Conservando Juntos da Earth Journalism Network e à parceria entre El Espectador e InfoAmazonia, com apoio da Amazon Conservation Team.