Comunidades indígenas, afrodescendentes e outras comunidades tradicionais estão envolvidas na escalada de violência do tráfico de drogas no “corredor da cocaína” da Amazônia.
Por Plan V*
Os Comandos de la Frontera (CDF), um grupo armado colombiano que também opera no norte do Equador, e a gangue equatoriana Los Choneros impuseram um regime de terror nas províncias amazônicas de Sucumbíos e Orellana, embora as alianças entre eles não sejam claras. Uma das atividades ilegais que mais cresceu na região é o garimpo de ouro, que está destruindo aceleradamente a floresta e rios como o Punino, um nome que se tornou sinônimo de destruição e morte.
As águas deste rio se destacam no vasto verde da Amazônia por sua cor amarela, alterada pelo garimpo. O Punino corre entre as províncias de Orellana e Napo, no nordeste do Equador, a aproximadamente 65 quilômetros da fronteira com a Colômbia e a quase 150 quilômetros de Quito. Do alto, a cor do rio Punino contrasta com o verde escuro —quase cinza— de um rio vizinho, o Payamino. Ambos foram afetados pelo garimpo de ouro nessa parte da Amazônia, lar das comunidades kichwas e rica em biodiversidade.
Mudanças nos rios Punino e Payamino entre junho de 2022 e maio de 2024
Dezenas de retroescavadeiras operam rio acima, em uma área conhecida como Alto Punino, e estão provocando mudanças ambientais, no leito do rio e na dinâmica social da região. Populações que antes viviam relativamente tranquilas viram o número de mortes violentas aumentar nos últimos dois anos e testemunharam cenas macabras, semelhantes às deixadas pelas máfias em outros países. As comunidades estão divididas sobre o comércio de ouro, e aqueles que um dia protestaram agora preferem permanecer em silêncio diante das ameaças dos forasteiros que passaram a controlar tudo.
A floresta também está mudando. A rápida expansão do garimpo provocou o desmatamento de 1.001 hectares no Alto Punino — equivalente a 1.400 campos de futebol — entre novembro de 2019 e dezembro de 2023, segundo o relatório de fevereiro de 2024 do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina. Desse desmatamento, 78% foi registrado em um único ano: 2023.
Desmatamento provocado pela mineração
No Punino, o ouro é aluvial, está misturado com areia e argila. Os habitantes mais antigos de Orellana lembram que as comunidades kichwas sempre lavaram ouro para obter recursos e poder comprar material escolar ou roupas, mas sem se deixarem levar pela ambição; é por isso que eles chamam o ouro de supay ishma (palavras kichwa que significam “urina do diabo”).
Agora as comunidades indígenas assentadas em Punino estão mudando. Esse é o caso de San Lorenzo, com aproximadamente 350 pessoas, ou Santa Catalina, uma aldeia com apenas 25 pessoas. Antes da mineração, a principal atividade econômica nesses locais era o cultivo de palmito. Para chegar lá, é necessário passar por San José de Guayusa, uma cidade maior, localizada a cerca de 20 quilômetros da área de mineração de Punino, que está sob a jurisdição da capital da estado, Francisco de Orellana, mais conhecida como El Coca.
Nos últimos anos, pessoas desconhecidas vieram para essa região de outras partes do país e da Colômbia, e com elas, o garimpo, a destruição e a violência.
Para extrair ouro do rio Punino, os garimpeiros utilizam métodos agressivos. Com retroescavadeiras, elas movem grandes quantidades de terra, para depois depositá-las em um classificador “tipo z”, uma máquina que separa o ouro da terra. A mudança na cor das águas do Punino se deve à presença de sedimentos oriundos das descargas de argila — com alto teor de enxofre — e lama por conta do desmatamento, da movimentação do solo e da lavagem do ouro aluvial, explica Matthew Terry, ativista ambiental e membro da Fundação Rio Napo.
O garimpo movimenta milhões de dólares. A partir das informações fornecidas pelas autoridades após as apreensões de máquinas, pode-se concluir que cada retroescavadeira custaria cerca de US$ 150 mil. Apenas entre outubro de 2022 e maio de 2024, os militares encontraram 82 retroescavadeiras em oito operações em San Lorenzo, Alto Punino e em San José de Guayusa; um investimento de mais de US$ 10 milhões, sem contar com o que é necessário para comprar geradores de energia, motores de sucção de água e milhares de galões de combustível, insumo que também foi apreendido em operações.
O dano ao ecossistema não está apenas na atividade das máquinas, também é registrado pelo uso de combustível, óleos, lubrificantes e mercúrio, metal proibido no Equador desde 2015, mas que ainda é utilizado em atividades ilegais de mineração, apesar de o Estado equatoriano ter ratificado a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, que busca proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos do metal.
O rio Punino revela o rápido crescimento do garimpo ilegal, que se move de um lugar a outro e caminha floresta adentro para fugir das operações antigarimpo dos militares e da polícia. “Passa pelo Yutzupino e estoura aqui”, diz um morador de Orellana que veio até o rio Punino em várias ocasiões para registrar o avanço do garimpo. De estatura média e pele queimada, ele usa um chapéu para se proteger do sol intenso. Daqui para frente, ele será identificado apenas como “o guia do chapéu”, porque prefere manter seu nome em sigilo para evitar retaliações.
O guia do chapéu menciona o caso de Yutzupino, uma comunidade de Napo, adjacente a Orellana, cortada pelo rio Jatunyacu, epicentro do garimpo ilegal após a pandemia de covid-19.
Operações antigarimpo foram realizadas em Yutzupino e Punino, mas a população duvida de sua eficácia. Há relatos de retroescavadeiras destruídas e confiscadas, e perguntas sobre onde está o maquinário que não foi destruído e também por que razão às vezes os garimpeiros sabem com antecedência das operações. E logo você vê máquinas operando de novo. Além disso, poucos casos acabam na Justiça. Entre 2021 e fevereiro de 2024, o Ministério Público recebeu 23 denúncias por crimes de mineração. Mas em três anos, apenas um caso chegou ao tribunal. Enquanto isso, as áreas de garimpo se espalham.
O guia do chapéu e outras lideranças sociais entrevistadas, que também não querem ser identificadas, concordam que uma parte dos garimpeiros do rio Jatunyacu se mudou para o Punino. Os dois rios são separados por uma viagem de cinco horas. O Punino é um afluente do Payamino, que se conecta ao rio Coca, um dos maiores rios da Amazônia equatoriana que abastece dezenas de comunidades indígenas.
LOS CHONEROS PREFEREM O OURO DA AMAZÔNIA
Uma equipe do Amazon Underworld chegou a San José de Guayusa e, embora por razões de segurança não tenha conseguido chegar à área exata onde as atividades de mineração são realizadas no Punino, rio abaixo conseguiu observar suas consequências. Na confluência do Punino com o Payamino, as águas têm duas colorações e o amarelo do primeiro e o cinza do segundo são facilmente diferenciados.
Durante o passeio realizado em fevereiro passado, a equipe pôde observar uma esguia estrada de pedra e areia de uma pista que liga Guayusa à comunidade Kichwa de San Lorenzo, o setor mais próximo da atividade de mineração. A entrada parecia guardada por dois homens, sentados à sombra das árvores, que não perdiam de vista o que estava acontecendo ao seu redor.
A estrada atravessa as plantações de palmeiras, que por sua vez têm inúmeras vias pequenas. Embora a distância seja curta, a viagem entre as duas comunidades pode levar até três horas devido ao mau estado da estrada. Essas características a tornam uma armadilha mortal para aqueles que buscam se aventurar sem permissão.
Mas quem autoriza a entrada pela estrada onde estão os homens que parecem vigilantes? Moradores e líderes sociais concordam que a corrida do ouro atraiu pessoas que não são da região: grupos de equatorianos e colombianos. Dizem que a violência chegou junto com eles.
Orellana passou de ser uma das províncias mais tranquilas do país a ter um alto índice de homicídios. Em 2023, registrou uma taxa de 29,6 homicídios por cada 100.000 habitantes, o que a colocou como a nona província mais violenta do Equador. Em 2024 (até 19 de maio), Orellana subiu para o segundo lugar e sua taxa foi de 25,3 homicídios por cada 100.000 habitantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INEC).
Comunidades indígenas afetadas pelo garimpo no Punino
Joya de los Sachas não registra atividade de mineração, mas é um lugar que favorece sua logística. Ao contrário de Guayusa, onde não há internet ou sinal de telefone, Joya de los Sachas é uma cidade maior, com maior comércio e infraestrutura e menos presença policial e militar. Durante o dia, Guayusa parece abandonada, porque a maioria dos habitantes trabalha em fazendas longe da cidade. Somente ao meio-dia, quando as crianças saem da escola, há pessoas nas ruas de terra.
De acordo com líderes locais, os Los Choneros, uma das maiores e mais perigosas organizações criminosas do Equador, foram os primeiros a chegar a Orellana atraídos pelo ouro há cerca de dois anos. Quem já os viu os descreve como mestiços vindos, sobretudo, de cidades do litoral, o que se nota pelo sotaque. Um cidadão que participou de um dos protestos contra a mineração em El Coca lembra que conheceu um homem que se apresentou como membro de Los Choneros naquele ato.
No último 1º de maio, as Forças Armadas reportaram a prisão de 22 “supostos membros de Los Choneros” em San José de Guayusa durante uma operação contra o garimpo ilegal. Eles também apreenderam três armas de fogo, 141 munições, 350 galões de combustível e roupas militares e policiais.
Além disso, outros 11 supostos membros desse grupo foram presos em Orellana por posse ilegal de armas, roubo e sequestro, entre janeiro e abril deste ano, segundo dados da polícia. Um dos capturados tinha uma tatuagem de um leão e uma águia no peito, com a frase “Irmandade até a morte, uma única assinatura”. O leão é o símbolo do grupo Los Fatales e a águia, do grupo Las Águilas. Ambos são reconhecidos como as principais facções de Los Choneros.
Os três estão entre os 22 grupos do crime organizado transnacional, dedicados principalmente ao narcotráfico, que foram designados como “organizações terroristas e atores não estatais beligerantes” pelo governo de Daniel Noboa, em decreto presidencial de 9 de janeiro. No mesmo documento, o presidente reconheceu a existência de um “conflito armado interno” com o objetivo de enfrentar a crescente violência no país, incluindo os militares nas tarefas de segurança interna. A identificação de “beligerantes” trouxe críticas a Noboa por serem grupos criminosos, que sob esse nome poderiam ser vistos como insurgentes com aspirações políticas.
A ENTRADA DOS COMANDOS DE LA FRONTERA
Los Choneros não estão sozinhos no negócio de ouro de Punino. Juan Vinicio Ramos, chefe interino da polícia de Orellana, confirma a presença dos Comandos de la Frontera, da Colômbia, embora não tenha dado detalhes sobre se os dois grupos operam em aliança, nem deu informações sobre suas ações específicas. Ele mencionou que é um assunto sigiloso e que está sendo investigado por outras unidades policiais. Ele não é o único que evita o tema. O Amazon Underworld pediu durante várias semanas uma entrevista com o chefe militar da Brigada das Florestas nº 19 Napo, que está em El Coca e organiza as operações em Orellana e Sucumbíos. Mas ninguém atendeu às chamadas ou mensagens de texto.
Ramos atribuiu o aumento da violência em Orellana aos CDF e a Los Choneros, e sua atuação no garimpo ilegal.
Há também evidências da presença dos CDF na província equatoriana de Sucumbíos, na fronteira, mas sua chegada a Orellana mostra que eles têm entrado em áreas não fronteiriças.
Os CDF estão ligados à Segunda Marquetalia, grupo liderado pelo ex-chefe negociador de paz das FARC, Iván Márquez, que voltou a se esconder após a assinatura dos acordos de 2016 com o governo colombiano.
No dia 5 de junho, delegações do governo de Gustavo Petro e da Segunda Marquetalia assinaram um acordo para iniciar formalmente outros diálogos de paz e anunciaram para o final de junho a instalação de uma mesa de negociações em Caracas. Entre os negociadores da Segunda Marquetalia está Giovani Andrés Rojas, conhecido como Araña, líder dos CDF, que, por sua vez, está na lista de “alvos militares de grupos terroristas” do governo do Equador. ‘Araña’ esteve nas reuniões com o governo colombiano e até apareceu falando sobre o novo processo de paz.
Os CDF operam principalmente no estado colombiano de Putumayo, na fronteira com Sucumbíos, e estão envolvidos com tráfico de drogas, extorsão e garimpo. O grupo nasceu em novembro de 2017 e é formado por dissidentes dos blocos 32 e 48 das FARC, da quadrilha criminosa La Constru, oriunda dos paramilitares e até ex-militares.
Os CDF chegaram ao Equador quando Araña assumiu o comando da organização, disse uma fonte da Inteligência colombiana. De acordo com o Ministério Público daquele país, Araña era um miliciano de Los Rastrojos, uma organização criminosa que atua no tráfico de drogas, e também apareceu como membro das FARC. No âmbito dos diálogos de paz, em 2017 foi nomeado gestor e deixou a prisão para realizar trabalho social, mas em vez disso formou os CDF.
Embora ele seja de Cali, Araña mora em Putumayo desde os 7 anos de idade. Por isso, diz a fonte da Inteligência, “ele sempre assumiu o Equador”, principalmente Sucumbíos. Depois de ter sido membro das FARC, ele continuou a usar o território equatoriano como um lugar de descanso, treinamento e refúgio, como os guerrilheiros historicamente faziam naquela área.
O relatório da Inteligência colombiana também confirma que os CDF possuem armas, esconderijos e laboratórios de drogas em Sucumbíos. Ele diz, por exemplo, que uma pessoa de codinome Galvis é responsável por transportar 1,5 tonelada de pasta base de coca, a cada 25 dias, para o Equador, onde eles têm cristalizadores para terminar de processar a cocaína.
Os habitantes de Lago Agrio, capital de Sucumbíos, se referem aos CDF como as FARC e os descrevem como um “poder oculto” que supostamente mantém o crime comum sob controle. “Aqui é comum ouvir que esses grupos (colombianos) protegem a gente das quadrilhas equatorianas. O cidadão comum acha melhor que a coisa seja assim“ se comparada às disputas e à violência agravada em outras áreas do país, diz um jornalista local que preferiu não ser identificado.
Os números também dispararam nos últimos anos em Sucumbíos. Nessa província, as mortes violentas passaram de 27 em 2019 para 176 até outubro de 2023, segundo o Observatório Equatoriano do Crime Organizado. A capital, Lago Agrio, foi responsável por mais de 70% dos casos em 2023.
Nos últimos anos, os CDF protagonizaram vários episódios violentos em Sucumbíos. São atribuídos a eles a chacina de oito pessoas em janeiro de 2022, e um ato de vingança pelo assassinato de um de seus membros, de acordo com uma fonte da Inteligência da polícia equatoriana ao jornal El Universo . Além disso, em março deste ano, no setor fronteiriço de Barranca Bermeja, quatro soldados equatorianos em patrulha foram atacados por homens armados, evento que não era registrado desde 2018. Um dos militares morreu. Então, em abril, soldados mataram um homem e capturaram outros sete, incluindo dois menores, em um garimpo em San José de Guayusa. Entre os pertences de um dos detidos, estava uma carteira de identidade colombiana.
O general Fernando Adatty, comandante do Exército, disse ao site Código Vidrio que os militares estavam seguindo a pista de um local de descanso de um dos líderes dos CDF em Barranca Bermeja. “Nesse setor há uma rota de movimentações dos CDF para áreas de garimpo no Equador, são caminhos de passagem, de descanso, há movimentação de combustível, o que é necessário para o garimpo ilegal, inclusive a passagem de armas e insumos”, aponta.
De acordo com o relatório da Inteligência colombiana, Araña frequenta a cidade de Santa Rosa de Sucumbíos, no lado equatoriano, que fica a apenas 10 quilômetros de Barranca Bermeja. Outras cidades que parece visitar são San Martín e Villa Hermosa.
As versões do chefe militar e do relatório da Inteligência colombiana coincidem com a do guia no chapéu. Ele afirma que esses grupos armados chegam a Orellana por estradas de terra. Por exemplo, descem a estrada La Bonita – Lumbaqui, que começa na fronteira com a Colômbia, passa por Sucumbíos e de lá chega a um setor chamado Sardinas, em Orellana.
O ouro chega ao país vizinho por esse mesmo caminho, contaram os moradores de Alto Punino ao guia do chapéu. Eles também estariam usando a estrada que liga Lago Agrio, em Sucumbíos, Equador, com La Hormiga, em Putumayo, Colômbia. Mas outra parte da produção, conta o guia, fica para o mercado interno, porque os garimpeiros pagam ouro aos donos das fazendas pelo uso de seu território.
Um ativista em Orellana que conhece a Amazônia confirmou que as estreitas estradas de terra que os grupos armados supostamente estão usando para se movimentar aumentaram.
O comandante Adatty, na entrevista ao Código Vidrio, não deu detalhes de como os grupos armados operam nessas áreas. Ele apenas confirmou que existem alianças entre os CDF e gangues locais, sem especificar com quais, pois, segundo ele, os acordos e disputas dependem dos líderes.
Outros fatos evidenciam a violência em Orellana e os confrontos entre militares e grupos armados. Em fevereiro passado, as Forças Armadas mataram um homem e prenderam outros dois em Alto Punino. Entre os objetos que foram confiscados estavam sete emblemas tricolores com a sigla FARC-EP. Dois dias depois, duas pessoas com uniformes militares e cinco pulseiras das FARC-EP foram capturadas em Joya de los Sachas.
“O que as FARC estão fazendo aqui? Alguém quer que acreditemos que as FARC estão aqui? Eu ficaria mais tranquilo se tivesse certeza que eles são das FARC. Mas sabemos que há crime organizado entrincheirado nessa área”, comenta um líder social que percorreu áreas rurais de Orellana e estranha o uso da roupa da extinta guerrilha colombiana.
Em Joya de los Sachas, os militares, também em fevereiro, encontraram os corpos de sete homens baleados enfiados no porta-malas de uma van e vestidos com trajes militares. Eles negaram que os mortos fossem membros das forças de segurança. Na mesma cidade, outro massacre em abril se conectou com os CDF. Um grupo armado invadiu um bar e matou quatro pessoas. Dias depois, em outra área, em Cascales, os militares prenderam Robinson A., também conhecido como Cejas, membro dos CDF, em uma operação de mineração, segundo informações da polícia. As autoridades disseram que o detido liderou o ataque em Joya de los Sachas, de acordo com imagens capturadas do lado de fora do bar.
A violência “aumentou 100%”, diz Diógenes Zambrano, ativista ambiental e defensor dos direitos humanos. Os grupos armados “é que decidem quem entra e quem sai (…) Sem brincadeira, qualquer deslize está sendo punido”, diz outra ativista que visitou a área de mineração de Alto Punino no final do ano passado e não quis ser identificada.
O OURO DO SILÊNCIO
Na região, eles sentem que o controle é absoluto e que os grupos têm cooptado pessoas para ampliar a rede de informantes e vigilantes, como aqueles que, no final de fevereiro passado, não perderam de vista o caminho estreito que chega ao coração do garimpo em Punino.
Desde julho de 2022 há denúncias sobre o trânsito de máquinas pesadas. Houve até uma manifestação em Guayusa porque as retroescavadeiras estavam danificando a pista. Meses depois, em novembro, foi registrada a presença de pessoas encapuzadas com armas, segundo denúncia enviada por lideranças sociais a autoridades civis e militares, que não obteve resposta. Em dezembro de 2022, 20 presidentes de municípios de San José de Guayusa reclamaram às autoridades sobre a devastação que o garimpo estava deixando nos rios Punino, Sardinas, Lumucha e Acorano, onde peixes mortos ou moribundos começaram a aparecer devido à poluição. “Os rios estão praticamente mortos”, disse um indígena à Rede Eclesial Pan-Amazônica.
Também há relatos em Santa Catalina de cobrança de pedágio. Em tendas feitas de plástico e pau, pessoas do setor —sua relação com os garimpeiros ou com os grupos armados não é clara— cobravam entre 5 e 200 dólares, dependendo do tipo de veículo e do material que carregavam. Além disso, há relatos de que os habitantes da área alugavam suas propriedades como depósitos para armazenar material necessário no garimpo, motosserras e roçadeiras. Em San Lorenzo, por outro lado, eles abriram empresas conhecidas como eletromecânicas para consertar máquinas pesadas e vender peças de reposição.
Na região também há quem seja a favor do garimpo. Após os primeiros sinais de desconforto, os garimpeiros começaram a dar-lhes combustível e dinheiro e “se alguém ficava doente, os mineiros emprestavam o carro”, disse o guia com o chapéu. Eles também pagam por feriados, programas de Natal e consertos na igreja, de acordo com depoimentos coletados na área.
Aqueles que protestaram preferiram parar. Antes, toda semana, um grupo de cidadãos exigia em frente ao Ministério Público a atenção das autoridades diante da grave poluição do rio Punino. Mas a partir do final de 2023, essas queixas públicas cessaram porque líderes sociais, ativistas de direitos humanos e jornalistas foram ameaçados.
O silêncio é uma sombra que acompanha os habitantes de Orellana. “Eles têm ouvidos em todos os lugares”, diz o guia do chapéu. É por isso que também não é fácil tirar fotos ou fazer vídeos. Um entrevistado disse: “Carregar uma câmera é como assinar sua sentença de morte”.
O quadro se torna mais complexo porque à presença de Los Choneros e CDF em Orellana se soma a possível presença de Los Lobos, outra gangue incluída na lista de “grupos terroristas” e rivais de Los Choneros. Em novembro de 2023, os corpos de dois homens foram encontrados pendurados na ponte do rio Payamino, na estrada Coca-Loreto. Eles estavam seminus, tinham sinais de tortura e de bala. Um era colombiano e o outro equatoriano com uma tatuagem de lobo. Isso fez com que a polícia se vangloriasse da presença daquele grupo que esteve por trás da mineração ilegal, principalmente na Serra Equatoriana.
Há pouca informação sobre as atividades de Los Lobos em Orellana. Mas, em fevereiro passado, uma imagem circulou em um panfleto no Whastapp, escrito em letras maiúsculas, ameaçando autoridades e estudantes com sequestros se deixassem suas casas. Foi supostamente assinado por Los Lobos e Los Tiguerones, outra gangue criminosa. O panfleto anunciava o início de uma guerra: “Nós já fizemos isso no Sacha, vamos para El Coca”.
Em San José de Guayusa, o abandono é evidente. Onde estavam os vigias da estrada para San Lorenzo, já houve um controle militar, disse o guia do chapéu, mas em fevereiro passado, em pleno estado de emergência e luta contra as gangues que o governo descreveu como terroristas, a equipe de Amazon Underworld não observou nenhum controle militar ou policial na área rural ou nos setores urbanos da estrada.
O presidente Noboa tem buscado, por meio da declaração de estado de emergência, militarizar as áreas mais violentas do país, especialmente as maiores cidades do litoral de onde saem carregamentos de drogas, principalmente da Colômbia, e que são o combustível de disputas entre grupos criminosos e sua guerra contra o Estado, mas para a Amazônia ele não tornou pública nenhuma política específica.
Punino foi abandonado. No meio da floresta amazônica há uma zona de guerra que cresce em silêncio e ninguém vê.
* Esta investigação foi produzida para o Amazon Underworld por uma equipe de jornalistas do veículo ecuatoriano Plan V. O texto não está assinado com o nome dos repórteres por questões de segurança.
O Amazon Underworld é uma investigação conjunta da InfoAmazonia (Brasil), Armando.Info (Venezuela) e La Liga Contra el Silencio (Colômbia), Plan V (Equador) e Red de Información Ambiental (RAI, Bolívia). O trabalho é realizado com o apoio da Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center e financiado pela Open Society Foundations, pelo Foreign, Commonwealth & Development Office do Reino Unido e pela International Union for Conservation of Nature (IUCN NL).