Comunidade local acredita que o desaparecimento tem ligação com a presença de madeireiros ilegais na região. Autoridades no Amazonas ignoram o caso há mais de 30 dias, apesar dos pedidos de socorro de familiares e amigos
Ao ver que seu pai enfrentava dificuldades para cumprir um acordo com madeireiros locais para puxar 150 toras de madeira do meio da floresta até às margens do Rio Urupadí, na Terra Indígena Andirá-Marau, município de Maués, a 640 quilômetros de Manaus, o jovem Reinaldo Santana Magalhães, indígena da etnia Sateré-Mawé, de 20 anos, decidiu ajudá-lo . Afirmando terem licença para desmatar, madeireiros se instalaram na divisa com a terra indígena há cerca de três meses e aliciaram indígenas (como Reinaldo e seu pai) e ribeirinhos com a promessa de altos pagamentos – que não se concretizaram.
“Os indígenas sempre estavam devendo algo, seja pela comida fornecida ou por acusações não comprovadas de roubo de equipamentos e mantimentos. Era um sistema muito cruel que fazia eles ficarem presos ali”, contou à nossa reportagem uma das lideranças da comunidade, que terá sua identidade preservada por questões de segurança.
Nesta sexta-feira, 2 de junho, completam 39 dias do desaparecimento de Reinaldo. Um sumiço suspeito, segundo a comunidade local, e totalmente ignorado pelas autoridades locais.
No Boletim de Ocorrência (B.O.) registrado em 24 de abril, consta que Reinaldo saiu para caçar na área da floresta do Urupadí e não retornou. O local do desaparecimento fica em uma área contínua à terra indígena, próximo de onde ocorria o desmatamento ilegal. Cerca de 13 mil indígenas vivem na TI Andará-Marau.
Dias antes do desaparecimento de Reinaldo, segundo testemunhas ouvidas pela reportagem, os invasores acusaram os indígenas de roubarem uma motosserra e litros de gasolina. Ainda segundo os relatos, essa confusão, como em outros episódios, tinha como objetivo evitar o pagamento pelos serviços prestados aos madeireiros.
“Eles sempre criavam alguma confusão na hora de pagar os indígenas. Essa história do roubo da motosserra teria acontecido pelo menos umas três vezes com outras pessoas”, nos contou a liderança local.
Local do desmatamento onde Reinaldo Santana Magalhães foi visto pela última vez
Segundo testemunhas, Reinaldo desapareceu próximo a uma área de desmatamento ilegal na Floresta Urupaí, onde comunidades pedem criação de uma Unidade de Conservação sustentável.
“Ninguém sabe o que de fato aconteceu, mas temos uma grande suspeita que o desaparecimento possa ter ligação com os madeireiros ilegais. Reinaldo conhecia bem aquela área, é muito improvável que ele tenha se perdido na mata”, emendou a liderança.
Os pedidos de socorro de familiares e da comunidade foram totalmente ignorados pela Polícia Civil local que, segundo testemunhas ouvidas pela InfoAmazonia, teria afirmado “ter outras demandas mais urgentes”.
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil negou que houvesse qualquer registro sobre o desaparecimento de Reinaldo, mesmo a nossa reportagem informando o número do B.O. e a data do registro.
Após insistência de parentes e amigos, o Corpo de Bombeiros fez um sobrevoo na região e uma rápida busca terrestre, mas, segundo a comunidade, foi insuficiente. O mesmo pedido de socorro foi feito à Polícia Federal e Funai, mas até agora nenhuma busca ou ação no local foi feita pelos órgãos. A Polícia Federal e a Funai não responderam os pedidos de entrevista feitos pela reportagem. O Ministério Público Federal (MPF) informou que investiga o caso sob sigilo na esfera criminal, mas não passou detalhes.
A comunidade local denuncia que os madeireiros estavam há cerca de três meses desmatando a floresta às margens do Rio Urupadi com uso de mão de obra indígena e ribeirinha, incluindo crianças, e com indícios de trabalho análogo à escravidão. “Quando chegava o dia do pagamento eles inventavam uma confusão e não pagavam”, contou a liderança.
Além de não serem pagos, a liderança ressalta que os trabalhadores tinham descontado dos valores acordados a alimentação e as ferramentas que usavam, o que por muitas vezes gerava desentendimento no acerto de valores que quase sempre era acompanhado de ameaças e intimidações.
Reinaldo e dois irmãos menores de idade tentavam ajudar o pai a atingir a meta estabelecida pelos madeireiros, mas, mesmo juntos, eles não teriam conseguido cumprir o acordo, e teriam ficado em dívida com os invasores.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que também acompanha o caso, enviou ofício às autoridades cobrando providências sobre o desaparecimento do indígena e maior fiscalização do desmatamento ilegal. No documento, a organização destaca que a área onde Reinaldo desapareceu é de uso comum dos povos tradicionais da região. A área, contínua à terra indígena, é reivindicada para a criação de uma Unidade de Conservação sustentável para proteger indígenas e ribeirinhos.
Licença para desmatar
Desde novembro do ano passado, por orientação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, nenhuma autorização para manejo florestal deveria ser autorizada nas “áreas de uso tradicional dos povos tradicionais do Rio Urupadí”, segundo consta em um ofício de novembro de 2022.
Mesmo assim, a reportagem da InfoAmazonia identificou ao menos uma autorização para manejo florestal na região próxima de onde ocorria o desmatamento, emitida em fevereiro deste ano, pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). O documento autoriza a retirada de três mil metros cúbicos de madeira em tora dentro da área da unidade de conservação requerida e também próxima ao local do desaparecimento. A licença concedida pelo órgão está em nome de Inacilene França Cordeiro Pereira.
“Eles dizem que têm autorização, mas nunca mostraram nenhum papel para nós. O que sabemos é que existe uma orientação que proíbe a retirada de madeira daquele local para criação de uma unidade de proteção da comunidade”, afirmou a liderança que manteve contato com a reportagem.
Procurado, o IPAAM confirmou a autorização de manejo na região, mas não explicou porque emitiu a licença mesmo com orientações contrárias da Secretaria de Meio Ambiente. Segundo o órgão, apesar da autorização estar válida, “o solicitante não fez declaração de corte no sistema”.
Após informar que não havia registro da ocorrência, a Polícia Civil do Amazonas não respondeu mais aos pedidos da reportagem. Nós também procuramos Inacilene França Cordeiro Pereira, que tem uma licença para retirar madeira na região, mas ela não atendeu aos nossos chamados nos telefones indicados no órgão ambiental.Segundo relato dos Sateré-Mawé, os invasores abandonaram o local do desmatamento após o desaparecimento de Reinaldo, deixando para trás toras e madeiras serradas.
O Ministério Público Federal informou que o caso está sendo investigado pelo órgão em sigilo e que, por isso, não pode passar mais informações.
Amigo dentro do processo devidamente licenciado existe uma autorização da SEMA que foi dada em 2019, ainda no processo de licença prévia, pois a área da dona Inacilene, que também é ribeirinha e vive naquela região está situada na zona de amortecimento da Flona e por ser uma atividade sustentável, Plano de Manejo Florestal Sustentável, foi concedida. O processo ao sair da SEMA passou por todas a gerências do IPAAM e cumpriu todas a exigências legais para aquisição da licença, que diga-se de passagem demoraram absurdos 4 anos, mostrando aí sim a dificuldade de quem quer trabalhar devidamente legalizado e respeitando as regras da sustentabilidade. O IPAAM na fase final analisou tudo, inclusive a licença da SEMA que consta no processo e emitiu a L.O em questão. No local onde está sendo retirada a madeira não existe nenhuma criança ou indígena trabalhando, e nenhuma madeira em tora está sendo carregada por humanos, coisa impossível de se fazer, essa madeira dessa foto está com o DOF nota fiscal e com a identificação. Dona Inacilene e seu marido viram no Plano de Manejo Florestal Sustentável uma alternativa de conseguir fundos para melhorar as condições de vida da sua família, filhos e netos, que naquela região, onde eu presenciei cachorros comendo sabão, a fome e a miséria é uma triste realidade realidade.
O Plano de Manejo Florestal é uma maneira de preservar a floresta, na licença e na matricula do imóvel dela existe um termo de manutenção de floresta de 30 anos.