Análise da PUC-Rio mostra que aplicação de fundos públicos foi distorcida e hoje beneficia sobretudo a agropecuária de grande porte na floresta.
Uma análise do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) aponta que recursos do Fundo Constitucional da Região Norte (FNO) poderiam ajudar a reduzir desmatamento e as queimadas na Amazônia. Para isso, é preciso melhorar critérios e reverter distorções na destinação dos valores, que hoje beneficiam principalmente os maiores produtores.
Segundo a pesquisa, médios e grandes produtores abocanham 57,2% dos créditos do FNO enquanto os pequenos levam apenas 42,8% do FNO, destinado especialmente a micro, mini e pequenos produtores e localidades menos desenvolvidas. O fundo responde por 36% do total de crédito rural na região e é a maior fonte de créditos para 78% de seus municípios do Norte. Seus recursos aumentaram de R$ 8,2 bi (2016/17) para R$ 18,7 bi (2020/21).
“A princípio, é uma boa notícia o maior volume ofertado pelo FNO, pois o crédito rural induz à redução de desmates. Além disso, são escassas as ofertas de crédito na região”, disse Priscila Souza, coordenadora de Avaliação de Política Pública e Instrumentos Financeiros da CPI/PUC-Rio.
Na região do FNO, predominam como instituições financeiras o Banco da Amazônia e o Banco do Brasil. Desde 2010, a concessão prioriza quem tem renda anual bruta de até R$ 16 milhões. Antes, o teto era de R$ 300 mil.
Por causa disso, praticamente todos os produtores da Amazônia se tornaram prioritários para o FNO. Esta é a “distorção” apontada pela CPI/PUC-Rio. Os outros fundos constitucionais são os do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO). Todos mantidos com recursos dos impostos de renda e sobre produtos industrializados.
“A falta de priorização efetiva dos recursos concentra créditos para maiores beneficiários e com maiores contratos, ampliando a escassez de crédito para pequenos produtores. O FNO tem falhado em cumprir seus objetivos, que eram estimular o desenvolvimento econômico e social, fortalecer pequenos produtores e reduzir disparidades de renda regionais”, destacou Leila Pereira, analista de Instrumentos Financeiros na CPI/PUC-Rio.
Mudando a agropecuária
A agropecuária é um motor histórico da eliminação da floresta, e os recursos públicos são a principal fonte de créditos do setor. “Não faz sentido injetar recursos numa atividade com alto impacto socioambiental e baixa produtividade. Sem critérios mais claros e rígidos para a concessão de créditos, os fundos seguirão incentivando desmatamento”, destacou o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Os recursos públicos podem tanto ampliar a eliminação de florestas quanto conter desmates ao estimular ganhos em produção e produtividade no campo. Mas, para isso, aponta a análise do CPI/PUC-Rio, é preciso cumprir com os requisitos dos fundos constitucionais, que se propõem a direcionar recursos para pequenos produtores e localidades menos desenvolvidas. Além de tornar as regras mais simples para ampliar seu acesso.
Ter normas que beneficiem produtores e municípios atentos à legislação ambiental e florestal ou que zeraram o desmate é outro instrumento eficaz para conter a destruição da floresta. Em 2008, o país restringiu créditos a produtores que descumprissem quesitos ambientais e de titulação de terras.
Paulo Barreto, do Imazon, acrescenta que os créditos rurais podem viabilizar agendas climáticas e ambientais. “Em vez de subsidiar quem já tem dinheiro, o país deveria apoiar economias de baixo carbono, a restauração e a manutenção de florestas e outras agendas socioambientais. Para isso, é preciso vencer a inércia dos governos, parlamentos e setores produtivos que mantêm a máquina econômica atual”, completou.
Créditos limpos
Zerar desmatamento e poluição climática ligados a créditos e investimentos privados e públicos, além de reforçar economias de baixo carbono, é uma das metas da Aliança de Glasgow pela Descarbonização dos Serviços Financeiros (GFANZ), lançada em abril na Cúpula do Dia da Terra. Participam do movimento 450 empresas de 45 países, com ativos combinados de US$ 130 trilhões, cerca de R$ 616 trilhões na cotação atual.
“Resolver o desmatamento é essencial para alcançar zero de emissões. Atualmente, os incentivos financeiros são de 40 para 1 a favor da derrubada de uma árvore. Isso pode e deve mudar, e as instituições financeiras têm o poder de fazer isso ao não investir no desmatamento e, sim, em atividades benéficas às florestas”, destacou em nota da Embaixada do Reino Unido o presidente da COP26, Alok Sharma, em visita ao Brasil.
No país, há 28 empresas financeiras ligadas ao GFANZ. Dessas, 5 são nacionais e gerenciam por volta de US$ 300 bilhões em ativos, ou ⅓ da indústria de fundos brasileira. Análises da aliança apontam que são necessários US$ 125 trilhões de investimentos nas próximas três décadas para uma “transformação econômica” que evite prejuízos ainda mais severos da crise climática global.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.