Os alertas do Deter registraram o maior desmatamento na floresta desde o início da série histórica do programa. As derrubadas se concentraram em Mato Grosso, Roraima e Pará e avançam sobre áreas no sul do Amazonas e na região ao redor da BR-319. Desmate é alimentado pela falta de fiscalização e deve crescer este ano.

As motosserras não foram desligadas nem mesmo durante as chuvas na Amazônia, e os alertas gerados pelo programa Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) somaram 430 km² em janeiro, a maior perda no mesmo mês desde 2016, início da série histórica. É 51% acima da  segunda maior taxa no período registrada em janeiro de 2020, 284 km². Especialistas conectam a explosão no desmate ao acentuado descontrole da criminalidade. Ano deve ter novo recorde anual de perdas.

O sistema oficial de monitoramento por satélites mostra que o desmatamento foi sobretudo com “solo exposto”, com o corte raso da vegetação para a implantação de pastagens e lavouras. As derrubadas se concentraram no Mato Grosso, Rondônia e Pará. Entre os municípios mais desmatadores de janeiro estão Porto Velho (RO), Rorainópolis (RR), Marcelândia (MT), Colniza (MT), São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA), Lábrea (AM), entre outros.

Timelapse feito pelo MapBiomas com base nos alertas do Deter mostra a região que concentrou o desmatamento em janeiro.

O mapeamento do Inpe mostra que a destruição segue avançando do “arco do desmatamento” para áreas antes intocadas da floresta, como o sul do Amazonas. Os grileiros agem sobretudo em terras públicas.

Para o cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, a disparada no desmatamento se deve ao desmonte da fiscalização ambiental, nos níveis federal ao municipal, e ao avanço do crime organizado internacional em regiões da floresta tropical.

“Chuva não para grileiro, e uma fiscalização debilitada não consegue atuar, sobretudo onde o acesso é ainda mais difícil. Criminosos têm mais dinheiro e equipamentos para desmatar pelo conluio com os tráficos de drogas e de armas. Há uma corrida pela posse ilegal de terras públicas”, denunciou o doutor em Ecologia.

Monitor da Floresta PlenaMata
Gráfico de alertas do Deter em janeiro no Monitor da Floresta PlenaMata.

Um relatório da iniciativa Amazônia 2030, publicado esta semana, revelou que metade do desmatamento na Amazônia nos últimos três anos aconteceu em florestas públicas não destinadas (30%) ou já destinadas (21%), como terras indígenas, parques nacionais, estaduais e outras unidades de conservação. 

O documento detalhou que 75% dos territórios públicos grilados e desmatados são transformados em pastagens para criação de gado – 20% deles são abandonados depois das ações criminosas. Florestas públicas sem uso regular ou oficialmente protegidas somam 565 mil km² no país, equivalente à área da Bahia.

Chuva não para grileiro, e uma fiscalização debilitada não consegue atuar, sobretudo onde o acesso é ainda mais difícil. Criminosos têm mais dinheiro e equipamentos para desmatar pelo conluio com os tráficos de drogas e de armas. Há uma corrida pela posse ilegal de terras públicas

Paulo Moutinho, cientista do Ipam

“O boi é o jeito mais fácil de se obter uma ‘legalidade ilusória’ para desmates criminosos. Alguém está comprando gado que fica nessas áreas por alguns anos. Preços da carne estimulam a pecuária na Amazônia. Formar pastagens na floresta é caro, até R$ 2 mil por hectare. Não são pequenos grileiros que arcam com isso”, ressaltou Moutinho, do Ipam.

Como mostraram o InfoAmazonia e o PlenaMata, a grilagem e o desmatamento avançam com mais força no oeste da Amazônia, especialmente na região conhecida como Amacro, e no sul do Amazonas. Em todo o ano de 2021 e em janeiro deste ano não foi diferente, conforme uma análise do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam).

O balanço da ONG revela uma disparada em derrubadas e queimadas na região da BR-319. Maiores perdas foram em municípios de Rondônia, como Porto Velho, e do Amazonas, como Lábrea, Humaitá, Canutama e Tapauá. No Amazonas, os desmates cresceram 48%, de 1.395 km² (2020) para 2.071 km² (2021), segundo os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que também monitora a região por meio de imagens de satélites.

O ano de 2021 também concentrou o maior número de focos de calor em municípios da região da BR-319 desde 2010. Ano passado, 10% (10.622) dos focos de calor de toda a Amazônia Legal (102.213) foram registrados nestas localidades, segundo o monitoramento do Programa Queimadas, do Inpe. Porto Velho, em Rondônia, e Lábrea, Canutama e Manicoré, no Amazonas, estiveram entre os que mais queimam a floresta naquela porção amazônica.

“Anúncios de que a obra da BR-319 será concluída este ano aqueceram grilagem e desmatamento na região. Flexibilizações legais, anistias a crimes e desmontes de órgãos ambientais alimentam uma ‘bola de neve’ de ilegalidades, como a ocupação e a venda de lotes no entorno da rodovia”, avaliou a secretária-executiva do Observatório da BR-319, Fernanda Meirelles.

Carolle Alarcon/Cedida/OBR-319"
Trecho do Meio da BR-319. Bolsonaro tem planos de concluir sua pavimentação neste ano.

O licenciamento e as obras da rodovia avançam com recursos federais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e do Ministério da Infraestrutura. O governo Jair Bolsonaro espera concluí-los este ano e colher dividendos político-eleitorais na Amazônia. A empreitada não tem um plano para barrar o desmatamento e seu licenciamento é falho, conta a especialista.

O descontrole sobre a criminalidade e economias informais exaure recursos naturais estratégicos dos brasileiros, bloqueia uma agenda de desenvolvimento sustentável na Amazônia e, ainda, inchará o desmatamento este ano. 

Conforme a PrevisIA, ferramenta que aponta áreas sob maior risco de desmate, 15.391 km² podem desaparecer entre agosto de 2021 e julho de 2022. As derrubadas seriam as maiores dos últimos 16 anos. “O desmatamento, infelizmente, não vai parar e devemos ter mais recordes mensais durante este ano eleitoral”, arrematou Moutinho, do Ipam.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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