Áreas de floresta com exploração ilegal ativa são anunciadas em grupos na rede social. Nesse marketplace do garimpo, há todo tipo de suprimentos – inclusive mercúrio e “meninas”.
O caminho para se comprar um garimpo ilegal na Amazônia é simples. Propriedades na Área de Proteção Ambiental (APA) Tapajós, em Itaituba (PA), região vizinha dos intensos conflitos entre indígenas Munduruku e garimpeiros ao longo deste ano, são anunciadas às claras em grupos abertos de compra e venda no Facebook.
A equipe do InfoAmazonia entrou em contato com três anunciantes, apresentando-se como possíveis compradores. Apenas um deles afirma estar, de fato, vendendo um garimpo legal em atividade. O corretor pede R$120 milhões e afirma que irá repassar os documentos necessários para se operar legalmente. Entretanto, sem uma carta de intenção de compra, ele se negou a passar as informações do registro da área na Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os outros anúncios, apesar de divulgarem a venda de garimpos, estão vendendo apenas as terras. O Direito Minerário entende que o subsolo não faz parte da propriedade do solo, então, para se explorar recursos minerais, o proprietário de um terreno precisa de autorizações específicas da União. Para a exploração garimpeira é necessária, entre outros documentos, a solicitação de uma Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) e autorização de Lavra Garimpeira concedidas pela ANM.
A reportagem descobriu que nas propriedades anunciadas já existem garimpos ilegais que estão em operação sem a documentação exigida.
O topógrafo Leandro Sales Eudoxio é um dos anunciantes. Por mensagem, ele informa que não atua como garimpeiro, mas trabalha com a legalização de áreas de garimpo. Ele explica que ganhou a propriedade como pagamento de um serviço prestado e que há um garimpo em atividade dentro de seu terreno de quase 400 hectares.
“Tinha um pessoal trabalhando lá, mas eu não tenho tempo de ir lá conversar com o pessoal para eles não mexerem”, disse. Leandro afirma que a área não tem PLG e que se tivesse, “o negócio seria diferente”. Ele destaca que o local tem a “documentação base”, mas se refere apenas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento auto declaratório de posse de terras.
“Se tivesse uma PLG lá em cima o preço seria diferente, porque você sabe, com isso o negócio muda, você sabe disso”, afirma. Quando questionado sobre o que quis dizer, o topógrafo responde que já daria para trabalhar na área sem a documentação. “Dá para trabalhar sem nenhum problema, é só chegar e arrochar o buriti para cima, entendeu?”.
Garimpos anunciados reúnem camadas de ilegalidades
Questionado sobre a possibilidade de uma fiscalização ambiental interromper a extração de ouro na sua propriedade, Eudoxio afirmou que até o momento nunca houve operação na área.
À pedido da reportagem, um fiscal do Ibama — que preferiu não se identificar por receio de represálias — analisou as imagens de satélite de 2021 da área que o topógrafo está vendendo e constatou que as cicatrizes existentes são do chamado “garimpo de barranco”, pelo qual as calhas dos rios e igarapés são exploradas, prática ilegal inclusive fora de unidades de conservação.
“Não tem como licenciar esse tipo de atividade, ela destrói totalmente o leito do rio”, denuncia. “Dá para ver que o fluxo do igarapé foi alterado completamente pelas cavas para lavagem”, completa o servidor.
De acordo com o CAR, a propriedade de Eudoxio possui sete nascentes, consideradas Áreas de Proteção Permanente (APPs), e 80% da área é Reserva Legal, parcela de vegetação nativa que não pode sofrer alterações.
De acordo com Telton Correa, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM), atual ANM, e ex-Secretário-Adjunto da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), é proibido qualquer tipo de exploração minerária ou garimpo em APPs. “Dificilmente conseguiriam autorização sequer para fazer pesquisa na área, quanto mais para lavrar. Com nascente, então, é muito mais difícil”, aponta.
O subsolo da propriedade de Eudoxio faz parte de um requerimento maior protocolado na ANM com autorização para a fase de pesquisa minerária, que permite apenas trabalhos para definição e avaliação da viabilidade de exploração da jazida. A licença foi concedida para a Brazauro Recursos Minerais SA, empresa que foi vendida em 2010 para a canadense Eldorado Gold Corp e possui diversos outros requerimentos de exploração minerária junto à ANM na região. A empresa também possui cinco autos de infração por desmatamento no mesmo município.
A área havia sido requerida em 1996 para exploração garimpeira por uma mulher chamada Maria Tereza Barbosa da Silva. Ela requereu uma PLG que foi arquivada. Em 2011, o direito da área foi cedido à Brazauro e em 2013 a empresa apresentou um relatório de pesquisa negativo, registrando não ter descoberto ocorrências minerais economicamente viáveis. O relatório não foi aprovado, situação em que a ANM constata insuficiência dos trabalhos de pesquisa ou deficiência técnica na sua elaboração.
Em 2018, o requerimento entrou em disponibilidade, ou seja, retornou à carteira da ANM para que novos interessados deem prosseguimento ao projeto minerário. Eudoxio afirmou à reportagem que pode pedir uma “carta de anuência” à mineradora, pedindo a cessão de direito do subsolo.
Correa explica que uma autorização de pesquisa de extração mineral não pode, simplesmente, ser cedida diretamente a um garimpeiro. “Uma pessoa física ou uma microempresa que queira garimpar precisa fazer uma PLG no nome dela e para isso é preciso uma cessão total da área, transformar o título numa PLG, um processo complicado”.
As imagens de satélite mostram que a área começou a ser aberta para exploração a partir de 2010 e entre 2016 e 2020, a cicatriz da exploração cresceu.
A reportagem procurou Eudoxio para se pronunciar sobre o anúncio, ele afirmou que há posseiros e garimpeiros ocupando a região há décadas, antes de a Brazauro requerer o subsolo, e que a empresa, como outras mineradoras, teria feito diversos requerimentos na região apenas para “segurar o subsolo”.
Questionado sobre a ilegalidade em se vender um garimpo sem PLG, o topógrafo afirmou que pretende fazer o requerimento. “Eu vou enviar um parecer para a Brazauro pedindo o requerimento da posse para eu poder entrar em atividade, porque estou sem atividade”, completa. Eudoxio afirma, então, que tem a posse das terras desde 2014. É possível ver nas imagens de satélite que o garimpo dentro de sua propriedade atingiu seu ápice no ano de 2017.
O fiscal do Ibama ouvido pela reportagem afirma que, embora a prática de ofertar uma propriedade sem a licença para garimpar não configure um ilícito ambiental em si, é um indicativo para ser usado em uma investigação. “A venda de uma propriedade como se estivesse vendendo um garimpo talvez possa ser enquadrada como estelionato, mas precisaria ser feita uma investigação com base no anúncio para entender se houve crime ambiental”, afirma.
Contatadas, a ANM e a Brazauro não responderam aos questionamentos da reportagem até a publicação.
Outra postagem no Facebook anuncia a venda de um garimpo de quase 4 mil hectares, numa área identificada como “Mamoal”, por cerca de R$15 milhões. O vendedor afirma que nesse caso tanto a propriedade como o “registro do subsolo” estão sendo vendidos. A reportagem não conseguiu identificar o local exato do garimpo, mas o vendedor confessa que a área não tem PLG.
Segundo Luiz Jardim, professor de geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) que pesquisa garimpo, o termo “registro do subsolo” não faz parte do processo de concessão de exploração de lavras garimpeiras. ” Ele pode até ter feito o requerimento [de PLG] na ANM, mas deve ter no máximo a autorização de exploração pelo dono do solo, uma coisa informal, acordo de boca”.
Quando perguntado se acredita que haveria problemas em extrair ouro da propriedade sem a licença correspondente, o vendedor Armando responde: “creio que não”. “Lá é área de garimpo mesmo, tudo já pesquisado, tudo sondado. A mulher tirou muito ouro lá já mas não mexeu nem em 10% do solo ainda. Pouca vezes o pessoal acha uma oportunidade dessas”, afirma. “A senhora pegar uma terra dessa aí, do tamanho que é, botar pra produzir mesmo, tirar material, dá dinheiro demais”, completa o vendedor.
De acordo com Jardim, se o proprietário da terra tem consciência de que há pessoas provocando um dano ambiental em sua propriedade, ele também tem responsabilidade pelo dano. “Eles estão vendendo um garimpo ilegal. Se sabem que a terra foi invadida por garimpeiros irregulares, de alguma forma, são corresponsáveis”.
Anúncios de mercúrio e convites para “meninas”
Não apenas garimpos são vendidos em redes sociais, mas também equipamentos e insumos para a atividade. Em busca realizada em diversos grupos de garimpeiros no Facebook, como o “Garimpo❤️❤️“, o “Fanáticos por garimpo” ou simplesmente grupos de compra, venda e troca em Santarém ou Itaituba, o InfoAmazonia encontrou anúncios de todo tipo de equipamento para extração mineral, inclusive insumos cujo uso é completamente ilegal e a venda controlada, como o mercúrio, conhecido pelos garimpeiros como azougue.
Um homem identificado como Marcos Hidecky Stoy anuncia azougue para entrega em todo o país por R$700 o quilo e disponibiliza, para contato, seu número, com DDD da região oeste do Pará. Outro, identificado como Leandro Canpos, posta a procura por um tipo específico de mercúrio e anuncia uma comissão de R$100 mil para quem “achar”. Já um perfil identificado como Ph Cardoso anuncia um vidrinho de mercúrio para venda em Jacareacanga (PA), município localizado no alto rio Tapajós, rodeado pela Terra Indígena Munduruku, onde ocorreram as principais operações contra o garimpo ilegal neste ano.
A reportagem encontrou também anúncios procurando “meninas” para trabalharem nas currutelas, termo utilizado para bares e prostíbulos frequentados pelos garimpeiros.
A autora de uma postagem procurava prostitutas para trabalhar no garimpo Crepurizão, localizado na rodovia Transgarimpeira, em Itaituba. A reportagem entrou em contato, dizendo que estava interessada na vaga e pedindo informações. Ela afirmou que não haveria problema caso a interessada fosse menor de idade. “Acho que sim, tu pode ir, aí já é com você”.
Ela explica que a “menina” teria que morar no garimpo em períodos que variam entre três semanas e um mês. Em seguida, pede uma foto de corpo. “Você pode mandar uma foto sua, do seu corpo, só pra eu mandar para a mulher lá para ver se ela quer”.
Os anúncios que chamam mulheres para trabalhar nos garimpos se dividem entre as vagas para cozinheiras e as vagas para as currutelas, também chamadas de “bar” ou “cabaré”. Em uma das postagens, um integrante afirma precisar de oito moças “para trabalhar em um cabaré no garimpo pra voltar rica de lá”.
A maior parte das postagens nos grupos são selfies tiradas e postadas por mulheres. Também há muitas pessoas procurando parentes desaparecidos e vistos pela última vez em algum garimpo.
Nos grupos de Facebook também é possível encontrar diversas postagens criticando operações do Ibama e da Polícia Federal. Nelas, os garimpeiros frequentemente utilizam a hashtag “garimpeiro não é bandido”. Em outras postagens há imagens aéreas de garimpos da barranco com comentários como “uma foto dessa só chama a atenção das autoridades, gente sem noção”, ou “não postem fotos porque vai prejudicar vocês”.
Me assusta muito esses relatos. E o silêncio do MPT é ensurdecedor. Inacreditável. Além disso, o silêncio também perante aos garimpeiros que foram aos montes em autazes tb.
Alguém sabe informar quem é o produtor desse mercúrio? Não seria o caso de fazer um controle nessa empresa que produz e cortar o mal pela raiz?