Rebanho regional cresceu quase 1000% desde os anos 1970 e hoje representa mais de 40% do nacional. Brasil assinou compromisso de reduzir 30% do gás-estufa até final da década e terá de rever modelo da pecuária na floresta.

O rebanho bovino na Amazônia Legal cresceu 20 vezes mais do que no restante do país. Desde 1974, quando o IBGE começou o monitoramento, a boiada aumentou 984% nos municípios dos estados amazônicos, enquanto cresceu 49% nas demais cidades brasileiras. Essa realidade desafia o acordo firmado pelo Brasil e outra centena de países na COP26 para reduzir as emissões do metano até o fim da década. A pecuária no país é a maior fonte do potente gás de efeito estufa, que amplia o aquecimento do planeta. 

Os dados do IBGE analisados pelo InfoAmazonia mostram que o rebanho atual soma 218 milhões de cabeças no país, mais que os 213 milhões de brasileiros. Na Amazônia Legal, o rebanho saltou de 8,5 milhões em 1974 para 93 milhões de animais em 2020, o que representa quase 43% do rebanho nacional.

Entre 2004 e 2020, o rebanho aumentou 30% na Amazônia Legal, enquanto que nas outras regiões do Brasil encolheu 6%. Nessas duas décadas, a Amazônia brasileira perdeu 197 mil km² de florestas, área equivalente a do Paraná, sobretudo pela abertura de pastagens. 

Conforme o IBGE, os estados com mais bois no país são o Mato Grosso, com 32,7 milhões de cabeças, seguido por Goiás, com 23,6 milhões, e Pará, com 22,3 milhões. Nos municípios paraenses de São Félix do Xingu e de Marabá estão o primeiro e o terceiro maiores rebanhos nacionais, somando 3,7 milhões de cabeças. O segundo posto é de Corumbá (MS), com 1,8 milhão de animais. 

 A concentração do rebanho na Amazônia é fruto de incentivos políticos e econômicos para incremento da agropecuária desenhados desde a ditadura militar, avalia o economista André Cutrim, do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA): “A política de incentivos fiscais se tornou a maior fonte de financiamento do desmatamento para a formação de pastagens e da pecuária nos vastos territórios da Amazônia”.

Segundo Cutrim, o modelo aliou vastas extensões de terra e baixo custo de operação em benefício da política do “ocupar para não entregar”, lema do regime militar. “A pecuária de corte extensiva ocupa grandes áreas, reproduzindo na fronteira o modelo latifundiário, com baixo custo da ocupação não apenas devido ao baixo preço da terra, mas também porque o custo dos investimentos da implantação dos projetos agropecuários seriam subsidiados por incentivos fiscal-financeiros dirigidos, com destaque às grandes empresas das regiões Sul e Sudeste que vieram para a Amazônia”, explicou.

Aumento de produtividade

Mas os números do rebanho nacional que fazem do país o maior exportador mundial de carne ampliam o desafio para o corte das emissões de metano. O Brasil e outros países acordaram reduzir as emissões do poluente climático em 30% até 2030 durante a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP26, em Glasgow (Escócia). Conforme o Observatório do Clima, as emissões de metano bovino somam 17% de todos os gases de efeito estufa lançados do país.

Gás carbônico e metano são os dois principais poluentes que contribuem para o aquecimento global. O metano é emitido pelo pum e pelo arroto da boiada durante a digestão. Outras fontes são a decomposição de materiais nos lixões e fertilizantes nitrogenados. “Os efeitos da redução das emissões de metano contra o aquecimento global podem ser percebidos em um prazo mais curto. Enquanto o gás carbônico demora milhares de anos para se dissolver na atmosfera, isso ocorre em apenas 11 anos no caso do metano”, ressaltou em entrevista ao BrazilClimateHub o físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas. 

Conforme a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, cortar as emissões de metano passa por consolidar outras economias além da pecuária na Amazônia, como a bioeconomia e o uso de florestas preservadas. Estudo da ONG mostra que pastagens ocupam 75% da área desmatada em terras públicas na Amazônia. “O principal câncer do desmatamento no país é a destruição de florestas públicas não destinadas para a formação de pastagens. Voltamos ao patamar de dois dígitos de desmatamento nos últimos dois anos na Amazônia, região onde mais cresce a agropecuária nacional”, ressaltou a geógrafa.

Governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) avalia que investir em assistência técnica, inovação e tecnologia aumentará a produtividade bovina em áreas já desmatadas na Amazônia. O estado mantém em média menos de um boi por hectare e é o único na região que monitora a cadeia produtiva da pecuária. “Sem fiscalização ou só com fiscalização contra crimes ambientais não avançaremos no corte de emissões. Podemos triplicar a produção pecuária no Pará e em outras regiões sem derrubar uma árvore a mais na Amazônia. Os governadores da região estão comprometidos com essa meta”, ressaltou.

O principal câncer do desmatamento no país é a destruição de florestas públicas não destinadas para a formação de pastagens. Voltamos ao patamar de dois dígitos de desmatamento nos últimos dois anos na Amazônia, região onde mais cresce a agropecuária nacional.

Ane Alencar, diretora do IPAM

Estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que, sem melhorias reais em produtividade, até 2030 poderão ser desmatados até 1 milhão de hectares anuais na floresta tropical brasileira para abastecer os mercados interno e global de carnes. “Estudos da Embrapa mostram que melhorar a qualidade dos pastos pode reduzir em 20% as emissões de metano e ainda capturar carbono. Além disso, adicionar algas marinhas à dieta dos rebanhos, por exemplo, pode reduzir em até 80% as emissões de metano”, destacou Artaxo.

O Mato Grosso já tem um plano em curso para dar conta do desafio. A iniciativa Produzir, Conservar e Incluir (PCI) quer reduzir as emissões de gases-estufa pela pecuária com fiscalização, produção de mais grãos, carne e madeira em áreas degradadas ou desmatadas, preservação e recuperação da vegetação nativa, maior participação da agricultura familiar no mercado interno e eliminação do desmatamento ilegal.

Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura não atenderam os pedidos de entrevista e não informaram como o Brasil cortará as emissões de metano até o fim da década. A pasta ambiental enviou nota comentando que ações como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano ABC+ contribuirão para cumprir as metas para corte, que foram integradas aos compromissos nacionais de redução de gases-estufa. Em outubro, o Brasil criticou recomendações de relatório do IPCC voltadas à redução do consumo mundial de carne e ampliação de produtos vegetais para reduzir o desmatamento e conter a crise do clima. O documento é uma das referências para os debates na COP26. 

Sem detalhar a rota para o corte dos lançamentos de metano, o vice-presidente e coordenador do Conselho da Amazônia Legal, Hamilton Mourão, declarou à imprensa que a pecuária nacional terá que se adaptar para cumprir a meta para diminuição de 30% nas emissões do gás, até 2030. "A questão do metano está ligada aos excrementos da pecuária. Nós temos um rebanho bovino enorme, então vai ter que haver uma adaptação, um planejamento pra isso. Existe know how (capacidade), é só uma questão de todo mundo se adaptar, mitigação. E tem recursos envolvidos aí na ordem de 12 bilhões de dólares para auxiliar os países nesse processo", disse. Os recursos citados pelo vice-presidente são de um fundo internacional anunciado na COP26 com US$ 12 bilhões em recursos públicos e privados para bancar ações contra o desmatamento e pela conservação de florestas e, ainda, fomentar um comércio global de produtos agropecuários livre de desmatamento.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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