País abandonou o acordo firmado em 2015 no ano passado, mas agora se comprometeu de novo com metas semelhantes para corte de emissões e de proteção das florestas. Especialistas avaliam que acordo é uma boa notícia, mas veem com ceticismo posição do Brasil.
Depois de uma indefinição que perdurou até o início dos debates da Cúpula do Clima nesta segunda-feira (1º), o governo Bolsonaro anunciou novas metas para o corte de emissões de gases de efeito estufa e hoje (2) assinou uma declaração com outra centena de países para a proteção de florestas. Medidas podem viabilizar recursos estrangeiros para conservação no Brasil. Especialistas viram o gesto com ceticismo.
No novo Acordo de Florestas (Forest Deal), o país assume novamente o compromisso de zerar o desmatamento ilegal entre 2022 e 2028. Até lá, as promessas para redução dos crimes são de 15% ao ano até 2024, de 40% ao ano até 2026, de 50% em 2027 e de 100% em 2028. Desmatamento e agropecuária somam hoje quase 70% do total de emissões de gases do efeito estufa do país.
Cálculos do InfoAmazonia com base nos alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o DETER, mostram que o Brasil desmatou quase um terço da meta para a restauração de florestas que firmou em dezembro de 2015, no Acordo de Paris. O compromisso assumido era o de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, mas o país avançou na direção contrária e desmatou 39,8 mil km2 (3,9 milhões de hectares) na Amazônia.
Conforme o Observatório da Restauração e Reflorestamento, apenas 79 mil hectares foram restaurados ativamente com árvores nativas, ou 0,65% da meta brasileira em vigor desde o início de 2016. Onze milhões de hectares estão regenerando naturalmente, quase tudo na Amazônia.
Os dados oficiais apontam que as derrubadas na Amazônia sobem desde 2013 e, no governo Jair Bolsonaro, se aproximam de patamares superados há mais de uma década. “Nos dois primeiros anos de governo Jair Bolsonaro, a média de desmatamento da Amazônia foi 60% maior do que a média da década anterior. Bolsonaro nos afasta de qualquer compromisso para a redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa”, resumiu o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
Há seis anos, na 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21), em Paris (França), representantes de 195 países e da União Europeia apertaram as mãos para tentar manter o aumento da temperatura média do planeta abaixo de 2ºC e ajudar os países mais vulneráveis a enfrentar o aquecimento global. O acordo entrou em vigor no ano seguinte, após ser ratificado inclusive pelo Brasil, e substituiu o Protocolo de Kyoto, de 1997.
Em 2020, o governo brasileiro anunciou metas climáticas mais brandas em relação às de 2015 e não detalhou como seriam alcançadas. O compromisso para restaurar 12 milhões de hectares de florestas acabou debaixo do tapete. A chamada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que são os compromissos firmados por cada país para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, também não apontava como diferentes setores ajudariam atingir as metas. Especialistas viram nos novos parâmetros anunciados na COP26 uma permissão para que o Brasil emitisse cerca de 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa a mais do que a meta até então em vigor.
“Com ajuda do Parlamento, o governo Bolsonaro legalizou crimes socioambientais e mutilou políticas públicas e legislação que ajudavam a conter emissões e cumprir metas climáticas. O projeto de lei 1539/2001 foi aprovado no Senado e pede o fim do desmatamento ilegal até 2025, recuperando parte das metas do Acordo de Paris. Mas precisa ser regulamentado por decreto”, ressaltou Maureen Santos, da ONG FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e professora da PUC-Rio.
Árvores de pé
Manter a saúde das florestas tropicais, como na Amazônia sul-americana e no Congo (África), é parte do inadiável do jogo para conter a crise climática, filha do desmatamento, do avanço da agropecuária e da urbanização, da queima de gasolina, carvão e outros combustíveis fósseis. Para tentar reverter esse quadro, líderes de países que abrigam 85% das florestas mundiais assinaram acordo florestal na COP26 e prometeram recursos públicos e privados que somam US$ 19,2 bilhões para manter e restaurar florestas.
acordo florestal (forest deal) - 2021
- Mais de 100 líderes que representam mais de 85% das florestas do mundo fazem promessa histórica para acabar com o desmatamento e a degradação da terra até 2030
- US$ 12 bilhões de fundos públicos serão comprometidos para proteger e restaurar as florestas e US$ 7,2 bilhões de investimento privado.
“As florestas absorvem um terço do CO2 global liberado pela queima de combustíveis fósseis todos os anos, mas uma área de floresta do tamanho de 27 campos de futebol é perdida a cada minuto. Atualmente, 23% das emissões globais vêm de mudanças no uso da terra, como extração de madeira, desmatamento e agricultura. Proteger as florestas e acabar com o uso prejudicial da terra é uma das coisas mais importantes que o mundo pode fazer para limitar o aquecimento global catastrófico”, informa a também chamada Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, a qual o Brasil faz parte.
Países como o Brasil, que somam 75% do comércio global de commodities como soja e carne, produzidas sobretudo onde havia florestas, firmaram também outro acordo, paralelo ao florestal, voltado à produção de itens supostamente com mais sustentabilidade. Mas o comprometimento também foi avaliado com ceticismo. “É uma declaração mais atrelada a dar transparência ao abastecimento do Norte do planeta do que para compor modelos produtivos realmente sustentáveis e inclusivos. Não existe proteção climática real com esse modelo de agronegócio, baseado na expansão de terras, na degradação de solos e águas, nos conflitos e violência no campo", destaca Maureen Santos, da FASE.
Novo acordo de commodities
- Os governos que representam 75% do comércio global de commodities essenciais que podem ameaçar as florestas (como óleo de palma, cacau e soja) também assinarão uma nova Declaração de Florestas, Agricultura e Comércio de Commodities, a FACT
- Os 28 governos estão se comprometendo com um conjunto comum de ações para oferecer comércio sustentável e reduzir a pressão sobre as florestas, incluindo apoio aos pequenos agricultores e melhoria da transparência das cadeias de abastecimento
O ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, apresentou metas que ampliam o corte das emissões nacionais de 43% para 50% até 2030 e o compromisso de zerá-las até 2050. Outra promessa foi acabar com o desmatamento ilegal até 2028. As medidas podem abrir alas a aportes financeiros estrangeiros para políticas públicas no Brasil.
Estados Unidos e Reino Unido foram os primeiros países a elogiar o anúncio oficial brasileiro. Mas, para o Observatório do Clima, as novas metas apenas empatam com os objetivos propostos seis anos atrás. “Se quisesse apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, a meta deveria ser de pelo menos 80% de corte (nas emissões)”, ressaltou o coletivo de ONGs.
“As metas anunciadas foram ‘terceirizadas’ para outros governos executarem. E dependem muito do combate à ilegalidade, pois a grande maioria do desmatamento na Amazônia é criminoso. Bolsonaro não é a favor da floresta, não é a favor da Amazônia. Ele é hoje o seu maior inimigo”, completou Márcio Astrini, secretário-executivo do OC.
Para o biólogo Roberto Waack, um dos fundadores da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, a Declaração das Florestas de Glasgow é positiva, pois reforça o valor das florestas e de outros ecossistemas na manutenção do clima, como fonte de sustento para inúmeras pessoas e como base para economias sustentáveis. Também evidencia o papel de comunidades indígenas e tradicionais no equilíbrio climático e abre uma série de oportunidades para o Brasil, para ele um dos países com maior expertise em silvicultura, monitoramento e uso da biodiversidade.
Promessas brasileiras na COP26
- Cortar emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030 e zerá-las até 2050. A meta anterior era de 43% nos cortes até o fim desta década.
- Zerar o desmatamento ilegal a partir de 2022, com reduções de:15% ao ano até 2024
40% ao ano, em 2025 e 2026
50% em 2017100% em 2028
“Temos possibilidades únicas para usufruir da Amazônia como o mundo precisa e nos tornarmos um grande fornecedor de produtos associados à manutenção da floresta e de seus povos. Mas se seguirmos desmatando, tratando mal os povos originários, jogaremos fora uma das maiores oportunidades que o mundo já ofereceu ao Brasil. Estamos fazendo tudo errado. Não há opção a não ser reverter tudo isso no curto prazo”, ressaltou Waack. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento multissetorial composto por mais de 300 empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia, comemorou o acordo e afirmou que o Brasil "não pode se esquivar de sua responsabilidade para conter o aumento da temperatura global e assegurar o sucesso do Acordo de Paris".
Devido à importância da Amazônia para manter o equilíbrio climático global, pesquisadores brasileiros publicaram um artigo na revista Nature lembrando que é urgente conter não só o corte raso, mas também outras fontes potentes de emissões de gases que ajudam a aumentar a temperatura média da Terra, como a degradação florestal, queimadas e incêndios, corte seletivo e efeito de borda.
“O Brasil destruiu uma das principais fontes de recursos para enfrentamento da crise climática, o Fundo Amazônia. O governo Bolsonaro mantém para o mundo uma retórica de agro mais sustentável, mas a realidade é bem diferente. Sua base de apoio é negacionista, não se interessa pela crise do clima ou pela preservação das florestas”, destacou Maureen Santos, da FASE.
Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão não estão COP26. Em 2019, na COP25 (Madri), o país foi representado pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afastado este ano do cargo por suspeitas de corrupção. O encontro poderia ter ocorrido no Brasil, mas o recém-eleito Bolsonaro alegou que o país não tinha recursos e forçou a retirada da candidatura como sede do encontro.
Perspectivas para o cumprimento de acordos firmados na COP26 ficam ainda mais frágeis diante do calendário eleitoral brasileiro. A tendência é de manutenção de uma política de retrocessos até uma mudança efetiva no cenário político, avalia Roberto Waack. “Ninguém acredita mais no que o governo fala. É preciso mostrar na prática um comprometimento com as agendas climática e de florestas. O Brasil não é isso, o mundo sabe de nosso protagonismo. A sociedade precisa entender a relevância da pauta climática e pressionar Executivo e Legislativo”, destacou.
A próxima conferência global do clima, a COP27, acontecerá ano que vem, no Egito, após eleições gerais no Brasil.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.