Região já tem cinco vezes mais gado que gente e registra disparada em desmate e grilagem de terras. Dados oficiais mostram a contribuição crescente do Amazonas, Acre e Rondônia à destruição da floresta.
O Deter, sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), aponta que os estados do Amazonas, do Acre e de Rondônia vêm contribuindo de forma crescente para o desmatamento da Amazônia. O monitoramento oficial indica que a região perdeu 7,71 mil km2 entre janeiro e outubro deste ano. Desse total, 43% (3.338 km2) foram derrubados nos três estados.
Sua contribuição para o desmatamento total da região cresce nos últimos três anos, evidencia o Deter atualizado nesta sexta-feira, 29 de outubro. Em 2019 e 2020, o percentual foi de 33%. Entre 2015 e 2018, a média de perdas florestais no Amazonas, Acre e Rondônia foi de apenas 1.415 km2 anuais. O pico no período foi registrado em 2016, com 2.332 km2 derrubados.
“Percebemos em nossos monitoramentos um avanço da fronteira do desmatamento entre a parte sul do Amazonas, o Acre e Rondônia. Parte disso pode ser explicada devido à localização de um polo de agronegócio na região”, avalia Larissa Amorim, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A pesquisadora aponta para a “Zona de Desenvolvimento Sustentável dos Estados do Amazonas, Acre e Rondônia”, batizada de Amacro pela soma das iniciais dos estados e hoje intitulada ZDS Abuna-Madeira. O projeto foi conhecido em 2019, quando o desmatamento começou a crescer nos três estados, e teve apoio imediato do governo Jair Bolsonaro.
O Imazon informa que cinco dos dez municípios que mais desmataram a Amazônia em agosto estão na Amacro. São eles: Sena Madureira e Feijó, no Acre, Porto Velho, em Rondônia; e Lábrea e Boca do Acre, no Amazonas. Nessas áreas, as derrubadas seguem com maior chance de avançar, aponta o sistema da ONG que calcula risco de desmatamento, o PrevisIA.
Seu território-alvo tem 454 mil km2, área semelhante a duas vezes o território de Roraima. Florestas foram derrubadas na região sobretudo para a abertura de pastagens. Conforme o Greenpeace Brasil, há 35 abatedouros e 8 milhões de bois na área. São quase cinco vezes mais gado do que os 1,7 milhão de pessoas que lá vivem. “O objetivo da Amacro é legalizar a ocupação irregular do território pelo agronegócio. O projeto foi criado a portas fechadas, sem debate público. Desde 2019, o desmatamento e a grilagem só crescem, inclusive em áreas protegidas. A Amacro é a frente mais viva da ‘economia da destruição’ na Amazônia”, denuncia o agrônomo Danicley Aguiar, do Greenpeace Brasil.
Ameaças pairam também florestas públicas preservadas na região. Essas terras da União não foram endereçadas para reforma agrária ou protegidas em parques nacionais, territórios indígenas ou quilombolas. A indefinição abre espaço para o avanço da grilagem, desmate e outros crimes contra o patrimônio natural dos brasileiros.
O Imazon aponta que há 94 mil km2 de florestas públicas não destinadas nos 32 municípios da Amacro, hoje ZDS Abuna-Madeira – 70% só no Amazonas, ou 66 mil km2. Um estudo de Paulo Barreto, pesquisador da ONG, aponta que, sem melhorar a produtividade, até 2030 poderão ser desmatados até 1 milhão de hectares anuais na Amazônia para abastecer o crescente mercado de carnes. E uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostra que pastagens dominam 75% do que foi desmatado em terras públicas não destinadas em toda a Amazônia.
“Esse modelo econômico também é uma fonte de empobrecimento na Amazônia. Não dá para falar em desenvolvimento regional com mais soja, gado e mineração, que nunca resolveram questões como a da pobreza. Precisamos de uma transição para economias justas e sustentáveis”, ressaltou Aguiar. Em sua coluna no PlenaMata, Clarissa Gandour, coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative da PUC-Rio, reúne pesquisas e dados que confirmam o quanto o desmatamento atrasou a região amazônica.
Quase metade dos municípios da Amacro tem baixo IDH, segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Iniciativas produtivas que mantêm a floresta em pé e distribuem renda, como o projeto Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), estão cada vez mais encurraladas em meio ao avanço do desmatamento e da agropecuária na região.
A implantação do polo do agronegócio é coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Os governadores bolsonaristas do Acre, Gladson Cameli (Progressistas), de Rondônia, coronel Marcos Rocha (PSL), e do Amazonas, Wilson Lima (PSC), abraçaram a empreitada. Também é apoiada por Banco da Amazônia, Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e pelo Conselho da Amazônia Legal, coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Em noticiário oficial, a líder da Sudam, Caroline Löw, propaga que a Amacro reduzirá pressões ambientais no território, estabelecendo um cinturão de proteção florestal e fomentando uma produção “agrosustentável”. Também avisou que o projeto pode ser aplicado em outras regiões da Amazônia, como Alto Solimões, Ilha do Marajó e Transamazônica. “A Amacro vem como um projeto economicamente viável e ambientalmente sustentável no qual trabalharemos 13 eixos temáticos para melhorar a qualidade de vida da população diversificando a economia na região, além de conservar o meio ambiente”, afirmou.
A base técnica para implantação da Amacro é da Embrapa Territorial. A entidade tem função semelhante no Projeto Matopiba, outro polo do agronegócio entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A região concentra aumentos na produção agropecuária e no desmatamento do Cerrado. Estudos de ONGs indicam que as derrubadas são, sobretudo, criminosas. “É outro exemplo de projeto danoso em termos sociais e ambientais, fonte de desmatamento e desenhado sem a participação das comunidades que vivem na região”, descreveu Aguiar.
Ministério do Desenvolvimento Regional e Sudam não atenderam aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem. Assim, não puderam explicar como garantir sustentabilidade na implantação de um polo econômico num território onde disparam desmate e grilagem de terras públicas.
Na contramão da COP26
O desmatamento e grilagem de terras na Amazônia legal inflam as emissões nacionais de gases que contribuem para a crise global do clima e são acompanhados por violência contra populações indígenas e tradicionais.
Amazonas, Rondônia e Acre somam 482 casos de violência contra esses povos em 2020, incluindo agressões, ameaças e assassinatos, invasões e atrasos na regularização de terras indígenas, segundo dados do Cimi. Uma análise da Trase, que mapeia cadeias produtivas em todo o mundo, ressalta que conter o desmate é a maneira mais eficaz para reduzir as emissões globais de carbono, especialmente por países tropicais como o Brasil. Entre 2012 a 2016, mudanças no uso da terra na Argentina, Paraguai e Brasil liberaram 5,8 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
“O desmatamento na Amacro literalmente vira fumaça, pois quase tudo é queimado. Em alguns anos, um novo celeiro agrícola na Amazônia será apresentado e consolidado sobre a devastação da floresta, sobre crimes que ficarão impunes. Precisamos de um acordo na COP26 que livre a Amazônia de cadeias de produção e consumo baseadas em commodities”, destacou Aguiar, do Greenpeace Brasil.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.