Pressões pela ocupação da região sul levam maior estado do país a ultrapassar Rondônia, preocupando ambientalistas que monitoram os principais indicadores de devastação da vegetação nativa.

Por Izabel Santos, de Manaus (AM)

Pela primeira vez, o Amazonas assume a terceira posição nos três principais rankings que indicam o avanço da degradação florestal na Amazônia brasileira, incluindo indicadores de queimadas, emissões de gases de efeito estufa e desmatamento nos estados, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). 

Em 2020, o estado registrou o maior número de focos de calor desde 2012, início da série histórica do satélite S-NPP da Nasa. Foram 91.753 detecções até 27 de novembro, 13.25% de todos os focos no bioma. O Amazonas não figurava entre as três unidades da federação com maior número de queimadas da região desde 2013.

Nos últimos  dois anos, o estado, que se projeta internacionalmente como um dos mais conservados da Amazônia brasileira, subiu nos rankings daqueles que mais destroem a floresta, ultrapassando Rondônia. Logo atrás do Mato Grosso, o Amazonas se tornou o terceiro também em volume de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Além disso, pelo segundo ano consecutivo, é o terceiro onde mais se desmata a Amazônia brasileira, com 1.521 km² de vegetação nativa perdidos entre agosto de 2019 e julho de 2020, conforme dados divulgados esta semana pelo Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Inpe.

De acordo com o Prodes, o Pará segue líder do ranking do desmatamento, desde 2006, com 5.192 km² desmatados, ou 46,8% do registrado na Amazônia. Mantendo o segundo lugar, o Mato Grosso aparece com 1.767 km², o que corresponde a 15,9%, enquanto o Amazonas vem em terceiro, com 13,7% do total registrado. Os três estados somam 76% dos 11.088 km² desmatados na Amazônia brasileira, segundo os dados preliminares do Prodes. 

Os números colocam o Amazonas em um cenário muito semelhante aos estados que já fazem parte do arco do desmatamento há muitos anos, ameaçando os planos de desenvolvimento sustentável do governo estadual.

Políticas de devastação

Ambientalistas avaliam que não há, por parte dos governos estadual e federal, medidas para conter o avanço da supressão da floresta no estado, e que o cenário deve se manter nos próximos anos.

“O arco do desmatamento vinha pelo Pará, Rondônia e Mato Grosso, mas agora está chegando no Amazonas. Isso acontece por ações governamentais, como a repavimentação da BR-319, que vão impulsionando cada vez mais o desmatamento, pois criam expectativas de ocupação da área. Algumas áreas estavam até então isoladas e agora vão ter capacidade de entrar no arco do desmatamento”, avalia o coordenador do Observatório do Clima, Márcio Astrini.

Para Astrini, o contingente do desmatamento, antes concentrado em Rondônia, Mato Grosso e Pará, está encontrando no Amazonas o mesmo terreno fértil para crimes ambientais que nos outros estados. “Já tem alguns anos que o Amazonas vem apresentando dados perigosos, como aumento de desmatamento e de violência no campo. Hoje, é muito nítido o aumento de todos os indicadores ligados ao desmatamento no estado do Amazonas. Isso gera uma preocupação muito grande, porque é um estado muito grande e não se vê resistência por parte do governo federal ou do estadual para impedir esse avanço”.

Para o cientista Lucas Ferrante, doutorando de Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a postura hostil à preservação do meio ambiente e favorável à relativização de atividades ilegais do Governo Federal tem facilitado o desmatamento no Amazonas. “Temos um estudo que provou o desmonte ambiental com sucateamento do Ibama e ICMBio, que teve a superintendência retirada do estado do Amazonas, o que é um absurdo, pois é o maior da região”, avalia Ferrante.

Em artigo publicado na revista Environmental Conservation, da Cambridge University, Brazil’s new president and ‘ruralists’ threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate, o cientista elenca as medidas de sucateamento adotadas no governo Jair Bolsonaro, entre as quais, a mudança de 21 dos 27 superintendentes do Ibama nos estados do Brasil.
“É importante frisar que obras do governo federal como a BR-319, que não está cumprindo a legislação ambiental, pois não tem os estudos exigidos sobre o Lote C e não fez a consulta dos povos indígenas como estabelece a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], já têm alavancado o desmatamento em locais como Lábrea e ramais ilegais adentrando os municípios de Tapauá e Manicoré”, diz Ferrante.

“Esse desmonte ambiental, além da aceleração de grandes obras na Amazônia, sem que sejam respeitadas a legislação ambiental e os direitos dos povos indígenas, têm propiciado o desmatamento que estamos vendo. E tudo isso é gerado pelo próprio governo federal”, completa.

O coordenador do Observatório do Clima também considera os resultados dos dados responsabilidade do governo federal. “Temos dois anos de governo e dois anos consecutivos de aumento de queimadas, aumento de desmatamento, aumento de invasão de terras públicas e aumento de emissões do Brasil. Não tem nada de novo do cenário ambiental que justifique essa situação de forma tão constante e abrupta, além desse governo que está aí”, diz Astrini.

“Nós não estamos vendo a invenção do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o que estamos vendo de novo é um governo que está do lado de quem pratica o crime ambiental, isso é uma novidade no Brasil. Os resultados do governo mostram isso”, critica Astrini.

Em coletiva de imprensa após a divulgação dos dados do Prodes, o general Hamilton Mourão disse que a Operação Verde Brasil 2 começou atrasada, em maio. E também avaliou como positivos os números, pois o governo tinha expectativas ainda mais pessimistas. “Temos que trabalhar com o [recurso] que tem, essa é a visão do Conselho”, disse o general.

A reportagem do InfoAmazonia procurou o Conselho Nacional da Amazônia Legal em duas oportunidades, na segunda-feira (30) e na quarta-feira (02). Em ambas as ocasiões, foi solicitada nota com manifestação da vice-presidência, que comanda o Conselho, sobre as críticas feitas pelos ambientalistas. No entanto, até o momento da publicação, a reportagem não havia obtido retorno. Por telefone, a assessoria de comunicação justificou que o general Hamilton Mourão está cumprindo compromissos, por isso a demora em responder demandas da imprensa.

Sul é a região que mais queima

Os municípios amazonenses de Lábrea, Apuí e Novo Aripuanã estão entre os dez do Brasil que mais queimaram este ano. Os três ficam na área de influência de duas rodovias importantes, a BR-319 e a Transamazônica, e juntos somam 48% dos focos de queimadas registrados até 1o de dezembro de 2020 no estado. Desde junho, o governo do Amazonas executa a Operação Curuquetê 2, no sul do estado. Mesmo assim, como mostram os números do Inpe, não obteve sucesso no combate ao desmatamento e às queimadas na região.

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas (Sema-AM) disse à reportagem que “apesar da alta dos índices de desmatamento, dados do Prodes indicam um cenário de desaceleração da curva de crescimento”. O órgão justifica que, nos anos de 2018 a 2019, o Amazonas registrava 37% de aumento, e que em 2020 só teve aumento de 6%, em relação ao ano anterior. “Desta forma, o governo do Amazonas segue dentro da expectativa de metas previstas no Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento e Queimadas (PPCDQ-AM), lançado em junho deste ano para orientar as ações de combate do Estado”, completa a nota. A meta do PPCDQ-AM prevê que, até o final de 2022, o Amazonas reduza os índices de desmatamento em 15%, em relação ao ano de 2019.

Aumento nas emissões

O impacto ambiental do aumento do número de queimadas e desmatamento no Amazonas reflete na quantidade de emissões de gases do efeito estufa. Segundo mostra o SEEG, o estado emitiu em 2019, 148.312.242 toneladas de CO2 equivalente, a maior parte (89%) por mudanças no uso de terra e florestas.

Em novembro, o Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas aprovou a minuta de decreto para execução do Programa de Regulação do Clima e Carbono e do subprograma de REDD+ (Redução de Emissões decorrentes Degradação das florestas e do Desmatamento). A expectativa é que, com a medida, o Amazonas implemente políticas públicas para a redução de emissões de gases do efeito estufa e para mitigação das mudanças climáticas. A Sema espera com isso receber recursos para executar os projetos. O documento ainda precisa ser apreciado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cemaam).

A divulgação dos dados preliminares do Prodes confirmou o que já vinha sendo alertado por pesquisadores e ambientalistas, que apontavam que o Brasil está se distanciando do cumprimento de acordos climáticos internacionais. “A publicação [do Prodes] da taxa oficializa que o Brasil descumpriu a meta da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a lei nacional que preconizava uma redução da taxa a um máximo de 3.925 km² em 2020”, diz nota divulgada à imprensa pelo Observatório do Clima. “O país está 180% acima da meta, o que o põe numa posição de desvantagem para cumprir seu compromisso no Acordo de Paris, a partir do início do ano que vem”.

Para a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante, será muito difícil que o país consiga se reorganizar para cumprir as metas. “Nós seremos cobrados não por aquilo que prometemos fazer, mas por aquilo que fizemos.” 

“O Acordo de Paris não é um protocolo de boas intenções, são compromissos que devem ser monitorados”, diz Bustamante.

O cenário já tinha sido antecipado pelo pesquisador da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), Carlos Antônio da Silva Júnior no artigo “Persistent fire foci in all biomes undermine the Paris Agreement in Brazil“, publicado na revista Nature Scientific Reports. A conclusão do artigo, que avaliou as emissões de queimadas de 1999 a 2018, é de que o Brasil não conseguirá atingir as metas que ele mesmo estabeleceu.

“A Amazônia tem papel fundamental para o cumprimento do Acordo de Paris, mas está queimando proporcionalmente ao seu tamanho”, alerta Carlos Júnior.

A estimativa elaborada pelos autores do artigo é de que, em 2030, apenas com queimadas florestais nos seus seis biomas (Pampa, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal, Cerrado e Amazônia), o Brasil emitirá 5,7 GtCO2, lê-se gigatoneladas de dióxido de carbono (cada gigatonelada corresponde a um bilhão de toneladas).

O pesquisador da Unemat destaca que o Brasil dispõe de todas as ferramentas para controlar suas emissões. “Já temos modelos matemáticos que fazem previsões de períodos secos como o que tivemos esse ano. É possível se planejar. Mas não estamos vendo políticas públicas que combatam as queimadas e o desmatamento”, avalia Júnior.


Esta reportagem faz parte do Amazônia Sufocada, projeto especial do InfoAmazonia com o apoio do Rainforest Journalism Fund/Pulitzer Center.

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