Um dos maiores fotógrafos da atualidade envia carta a Bolsonaro e afirma que a epidemia de Covid-19 pode representar o genocídio de diversas etnias.

Um dos maiores fotógrafos da atualidade envia carta a Bolsonaro onde alerta que a epidemia de Covid-19 pode representar o genocídio de diversas etnias no Brasil. Foto de abertura: Fernando Frazão/Agência Brasil

O fotojornalista Sebastião Salgado, brasileiro conhecido em todo mundo por seus dramáticos registros em preto e branco, enviou uma carta ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e aos presidentes da Câmara e do Senado cobrando ações urgentes de proteção aos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus.

Veja abaixo a carta completa

Radicado em Paris, onde cumpre as medidas de isolamento social, ele concedeu entrevista na noite desta segunda-feira ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo. Durante a entrevista, ele explicou que sua ação busca alertar as autoridades sobre o “risco muito grande de genocídio”, ou seja o extermínio de etnias inteiras.

O editor do InfoAmazonia, Gustavo Faleiros, participou da bancada de entrevistadores do Roda Viva.

“Esses povos indígenas fazem parte da extraordinária história de nossa espécie. Seu desaparecimento seria uma grande tragédia para o Brasil e uma imensa perda para a humanidade. Não há tempo a perder”, diz a carta, à qual o fotógrafo agrega diversas assinaturas de personalidades e organizações brasileiras

Assista na íntegra o programa Roda Viva com Sebastião Salgado

Dedicação à Amazônia

O foco principal das preocupação de Sebastião Salgado são os indígenas isolados na Amazônia. Ele atenta para o fato, como ocorrido no passado, de que a falta de defesas às enfermidades possa representar o rápido desaparecimento destes grupos.

A principal ameaça, ele apontou, é o “enfraquecimento do filtro” de proteção aos territórios indígenas, que sofrem com invasão de garimpos ilegais e crescente assédio de grileiros. Ele destacou como um dos casos mais graves a invasão massiva de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami em Roraima, o que classificou como “barbarismo”

Em sua opinião, a resposta dada pelo governo Bolsonaro às queimadas – o acionamento do Exército para o combate aos focos de incêndio – prova que existe espaço para uma ação bem sucedida. “Não importa se ele vai ouvir. Esta é uma carta para a Presidência da República, uma instituição brasileira. E eu acredito nas instituições brasileiras”, disse durante o programa Roda Viva.

O conhecimento de Salgado sobre a Amazônia se deve às incursões feitas nos últimos sete anos para a preparação de seu próximo livro e exposição. O fotógrafo passou temporadas junto a doze etnias indígenas, algumas de recente contato, como os Korubo, no Vale do Javari , estado do Amazonas. Os primeiros ensaios deste novo trabalho têm sido publicado na Folha de S. Paulo, com textos do jornalista Leão Serva.

Seu novo livro, que deverá chamar-se apenas “Amazônia”, como revelou nesta segunda, vai reunir tanto fotos mais recentes como coleções antigas. Em 1986 por exemplo, Salgado gerou um dos trabalhos mais admirados na fotografia documental: o ensaio dos trabalhadores da mina de Serra Pelada, no estado do Pará.

A partir de abril de 2021, uma grande exposição de suas fotos será lançada em São Paulo, Rio de Janeiro Paris e Roma. As obras, ele conta, serão exibidas junto com peças musicais compostas por Heitor Villa Lobos para a Amazônia. Há também músicas encomendadas ao grupo paulista Pau Brasil e ao compositor francês Jean Michel Jarre. “Tenho certeza que milhões de pessoas vão assistir e ver a importância da Amazônia para a sobrevivência da humanidade”, disse durante o Roda Viva.

Íntegra da carta de Sebastião Salgado

APELO URGENTE AO PRESIDENTE DO BRASIL E AOS LÍDERES DO LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO

Os povos indígenas do Brasil enfrentam uma ameaça extrema à sua própria sobrevivência devido à pandemia de coronavírus. Há cinco séculos atrás, esses grupos étnicos foram dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores europeus. Desde então, sucessivas crises epidemiológicas mataram a maioria de suas populações. Agora, com esse novo flagelo se espalhando rapidamente por todo o Brasil, povos indígenas, como aqueles que vivem isolados na Bacia Amazônica, podem ser completamente eliminados, uma vez que não têm defesa contra o Coronavirus.

Sua situação é duplamente crítica, porque os territórios reconhecidos para o uso exclusivo dos povos indígenas estão sendo invadidos por atividades ilegais de garimpeiros, madeireiros e grileiros. Essas atividades ilícitas se aceleraram nas últimas semanas porque as autoridades brasileiras encarregadas de proteger essas terras foram imobilizadas pela pandemia. Como resultado, sem nada para proteger os povos indígenas desse vírus altamente contagioso, eles agora enfrentam o risco real de genocídio causado por infecções causadas por invasores ilegais em suas terras.

Tal é a urgência e a seriedade da crise que, como amigos do Brasil e admiradores de seu espírito, cultura, beleza, democracia e biodiversidade, apelamos ao Presidente do Brasil, Sua Excelência Sr. Jair Bolsonaro, e aos líderes do Congresso e do Judiciário a tomar medidas imediatas para proteger as populações indígenas do país contra esse vírus devastador.

Esses povos indígenas fazem parte da extraordinária história de nossa espécie. Seu desaparecimento seria uma grande tragédia para o Brasil e uma imensa perda para a humanidade. Não há tempo a perder.

 

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