Uma equipe de 45 jornalistas de dez países se juntou para investigar episódios de violência contra lideranças ambientais e suas comunidades.
Seis dos dez países mais hostis para as lideranças e comunidades que defendem o meio ambiente e suas terras ancestrais estão na América Latina, segundo o relatório que o Relator Especial Michel Forst apresentou às Nações Unidas em 2016. Foto de abertura: a líder pemon Lisa Henrito Percy
Uma equipe de 45 jornalistas, desenvolvedores e fotógrafos/videógrafos de dez países (Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras, México, Peru e Venezuela) se juntou para investigar episódios de violência contra lideranças ambientais e suas comunidades. Seis desses países estão, infelizmente, nessa lista.
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O resultado deste projeto, no qual estamos trabalhando há um ano, foi a criação de uma base de dados com 2.367 ataques nos últimos onze anos (2009-2019) e 29 reportagens detalhadas.
Não pretendemos gerar uma análise completa dos ataques ocorridos durante esse período, pois a subnotificação é grande. No entanto, nossa base de dados – construída a partir de mais de 100 fontes, tais como entidades oficiais, arquivos de imprensa, organizações sociais e repórteres in loco – mostra um panorama sombrio.
O que encontramos?
Em nossa pesquisa, encontramos 2.133 ataques contra homens e mulheres e 234 contra comunidades ou organizações que defendem o meio ambiente e o território.
78,7%dos casos ocorreram contra homens, talvez por serem os que tradicionalmente ocupam posições de liderança comunitária, embora também tenhamos encontrado 441 ataques contra mulheres – incluindo os que vocês vão ler nas histórias sobre a liderança pemona Lisa Henrito Percy, na Venezuela; a liderança siona Martha Liliana Piaguaje, na Colômbia; ou, a liderança kichwa Patricia Gualinga, no Equador.
De assassinatos e atentados ao assédio judicial e ao deslocamento forçado, eles pagaram um alto preço por defenderem seu direito a um ambiente saudável e por proteger ecossistemas estratégicos – florestas, montanhas, bosques, lagos, rios e pântanos – dentro de seus territórios.
Minorias atingidas
O alvo de um alarmante 48% desses episódios de violência (1.146 registros) ocorreram contra alguma minoria, mostrando que os territórios indígenas e quilombolas são, particularmente, vulneráveis a esses interesses criminosos.
Os dados mostram 893 ataques contra membros de 159 etnias indígenas diferentes. Os que mais foram vítimas de ataques foram os lenca de Honduras (71), povo ao qual pertencia a liderança assassinada Berta Cáceres; seguidos pelos guarani-kaiowá (54); e os munduruku (39), ambos do Brasil. Na Colômbia, das 15 etnias atingidas, 11 já foram declaradas em risco de extinção pela Corte Constitucional.
Dezessete de nossas reportagens mostram ataques e agressões contra comunidades indígenas que buscam salvaguardar suas terras ancestrais – os lenca, em Honduras; os kollas e atacamas, na Argentina; os pemones, na Venezuela; os shuar e kichwa, no Equador; os piratapuyo, tucano, pijaos, siona, zenú e nutabe, na Colômbia; os guarani-kaiowá, munduruku, karipuna e uru-eu-wau-wau, no Brasil; os rarámuri e ódami, no México; os moxeños trinitarios e torewa, na Bolívia; ou, os asháninka e tikuna, no Peru.
A base de dados também apresenta 148 casos de violência contra populações afrodescendentes e 105 contra os garifuna, também de origem afro, em Honduras. Três de nossas pesquisas demonstram os ataques sofridos pelas comunidades afro no Pacífico colombiano e no nordeste do Brasil.
A Amazônia, centro de ataques
Em mais da metade das nossas reportagens se analisa a violência contra lideranças, comunidades e guarda-parques na Amazônia de seis países diferentes.
Estas 16 reportagens mostram como dezenas de territórios indígenas, comunidades ancestrais e parques nacionais em toda a bacia amazônica estão sendo alvo de ataques, bem como de interesses criminosos.
Encontramos e documentamos casos de colonos que invadem terras comunitárias e de militares que atacam lideranças indígenas, de empresas petrolíferas que omitem sua responsabilidade pelas fontes de água poluídas e de traficantes de drogas que forçam comunidades a plantar coca, de guarda-parques assassinados por cumprir sua vocação de conservar os patrimônios coletivos e de madeireiros que perseguem as pessoas que protegem as espécies mais cobiçadas.
O que eles defendem e de que eles se defendem?
Embora em muitos casos as lideranças ambientais tentem proteger mais de um recurso natural, nesta pesquisa levamos em conta o principal recurso que eles defendem.
Além disso, em muitos casos, as lideranças e as comunidades têm se defendido de diferentes tipos de atores. Em nossa pesquisa, consideramos apenas o principal setor que atinge as comunidades defensoras: da agroindústria, exploração de petróleo, mineração, usinas hidrelétricas e estradas até o tráfico de drogas e o comércio ilegal de madeira.
Os seguintes são os tipos de violência contra as lideranças que analisamos com a base de dados, sem mencionar que, em vários casos de lideranças ou comunidades defensoras do meio ambiente, eles já sofreram mais de um ataque, por isso decidimos escolher o principal ou o primeiro que tenha acontecido.
Constatamos que uma porcentagem significativa dos eventos de ataque ocorreu nas vastas regiões da floresta que abrigam uma parte significativa da riqueza natural que tornou a América Latina a região mais biodiversa do mundo.
O mais complicado
As informações mais difíceis de estabelecer foi o status dos casos na justiça. Somente encontramos dados conclusivos de decisões judiciárias (independentemente de serem ou não sentenças condenatórias, absolutórias ou indultos) em 303 casos (12,8% do total), demonstrando que a Justiça tem uma dívida enorme com os defensores do meio ambiente.
Em muitos desses casos, essas sentenças incluem os autores materiais, mas não os intelectuais, como aconteceu com as sentenças no México e em Honduras pelo assassinato de Isidro Baldenegro e Berta Cáceres, ambos ganhadores do Prêmio Ambiental Goldman.
De qualquer forma, em mais de mil casos – 46% do total – não encontramos informações sobre o status das investigações.
Além disso, também foi alarmante ter constatado indícios de que, em pelo menos 1.325 casos (ou 56% do total), houve denúncias das vítimas e de suas comunidades às autoridades, desde instituições do Estado até organismos internacionais.
Constatamos que nem mesmo levar um caso à Comissão ou à Corte Interamericana de Direitos Humanos, os dois órgãos encarregados de garantir os direitos humanos na América Latina, gera medidas efetivas de proteção em todos os casos.
Tragicamente, apesar da sabedoria popular que diz que um soldado avisado não deveria morrer na guerra, a violência continuou ou, até mesmo, se intensificou contra as lideranças e as comunidades em cinco países – Brasil, Colômbia, Honduras, México e Venezuela – cujos Estados não fizeram o suficiente para proteger esses cidadãos, apesar das medidas cautelares ou de terem sido avisados do risco que elas estavam correndo internacionalmente.
Embora a nossa investigação não seja uma medição científica, mas sim jornalística, os dois anos em que encontramos o maior número de casos de violência foram 2017 (com 13,9% dos casos) e 2018 (com 10% dos casos), evidenciando a gravidade da situação atual.
Em 2019, esses casos representam 7,4%, apesar de que, quando nossa base de dados foi encerrada, muitas das fontes consultadas não tinham finalizado suas investigações. No entanto, o assassinato de várias lideranças indígenas no Brasil, México e Colômbia em março de 2020, demonstra que nem mesmo a crise de saúde pública e econômica provocada após a chegada da pandemia da Covid-19 na região conseguiu deter essa violência.
Esses defensores não somente protegem a terra que lhes dá vida, mas também as montanhas que nos proporcionam água e as florestas que geram ar puro para as cidades. Eles estão sendo ameaçados e assassinados em números realmente assustadores.
Cada um deles é mais do que um número. Estas são suas histórias de vida, de luta e de resistência.