Megaprojeto do governo da Venezuela para conceder mais de 100 mil km² da Amazônia a mineradoras, Arco Mineiro do Orinoco é rejeitado por lideranças indígenas locais, que se recusam a deixar a região
Por Gustavo Faleiros
A crise política na Venezuela não está apenas levando enfrentamentos às ruas de Caracas. Na Amazônia venezuelana, indígenas contrários ao governo de Nicolás Maduro também estão sofrendo repressão. A principal crítica dos movimentos sociais nesta região é feita aos projetos de mineração, que avançam com um plano de concessões conhecido como Arco Mineiro do Orinoco.
Gregorio Mirabal, da etnia Kurripaco, está à frente da Organização Regional dos Povos Indígenas do Amazonas (ORPIA). É uma das lideranças mais expressivas quanto à falta de apoio do chavismo às causas dos povos nativos. Segundo Mirabal, desde a aprovação da nova constituição bolivariana por Hugo Chávez, em 1999, nenhum território foi criado ou titulado na Amazônia daquele país. Os Kurripaco são o povo indígena mais numeroso do estado do Amazonas, no sul da Venezuela, onde vivem outras 20 etnias.
Em sua opinião, o descaso pelas demandas indígenas tem relação com os planos de implementar o Arco Mineiro na região. O mega projeto, iniciado através de um decreto presidencial de 2013, cria um plano de concessões para 114 mil quilômetros quadrados onde empresas poderão explorar ouro, bauxita, coltan, cobre e diamantes, além de outros minerais. A área atingida equivale a 12% do território venezuelano e abarca principalmente a bacia do Rio Orinoco. A ORPIA afirma não ter sido consultada pelo governo, o que contrariaria a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que os povos indígenas e tradicionais devem ser consultados sobre projetos que os impactem diretamente. O texto foi ratificado e transformado em lei pelo Executivo Venezuelano em 2001.
A oposição de indígenas aos planos do governo, afirma Mirabal, já havia custado a vida do líder Sabino Romero, em 2013, na parte andina do país. Embora o assassinato tenha sido atribuído a disputa por terras, a percepção de que a morte deste líder ocorreu com o consentimento do Estado venezuelano deixou o movimento em estado de alerta. “Muitos líderes adotaram a autocensura. Eles têm medo”, diz a liderança Kurripaco.
Uma nova morte, do dirigente Freddy Menare, pode voltar a mobilizar os indígenas. Menare era uma conhecida liderança do povo Wottuja-Piaroa, também do sul da Venezuela, e foi assassinado com um tiro pelas costas quando saía de um restaurante de Porto Ayacucho, capital do estado venezuelano do Amazonas, no último dia 12 de maio.
Nesta entrevista ao InfoAmazonia, feita em 29 de abril, Mirabal afirma que os caminhos legais dentro da Venezuela para suspender as concessões mineiras já foram esgotados. No entanto, esta liderança Kurripaco promete resistência: “No território em que não queremos mineração, vamos resistir, vamos ocupar”
InfoAmazonia: Nos recentes planos de criação do Arco Mineiro, o governo venezuelano afirma receber apoio de organizações da região. Mas, de acordo com a ORPIA, não houve consulta.
Gregorio Mirabal: Assim como ocorreu na Bolívia, o estado venezuelano criou suas própria organizações indígenas. O governo montou frentes indígenas e um ministério indígena. São estas pessoas que representam os indígenas em todos os momentos. Nós que não estamos de acordo, somos excluídos, criminalizados. Não existimos para o Estado.
IA: De onde vêm estas lideranças que estão aliadas ao governo?
GM: Na constituição anterior, não tínhamos qualquer direito. Então, obviamente num primeiro momento nos aliamos a Chávez. Os acordos que ele fez para a aprovação da nova constituição foram cumpridos. Mas, ao longo dos anos, tudo isso foi ficando no papel. Começam então com projetos de mineração e também a ocupação de espaços que antes eram reservas da natureza. A partir daí, começamos a nos distanciar e cobrar que fossem feitas as consultas prévias. A solução foi a criação deste ministério indígena. A mensagem do governo foi: ‘quem não está de acordo, não nos interessa’.
IA: Por que desde 1999 não houve mais criação de territórios indígenas?
GM: Foram prometidas as titulações, mas o único que se fez foram titulações bem pequenas em outras regiões, na parte andina e oriental, de comunidades pequenas perto das cidades. Já na Amazônia não [fizeram], alegando que se trata de um território muito grande e que ali estão todos os recursos naturais da Venezuela.
IA: Como estão se organizando para contrapor ao projeto do Arco Mineiro?
GM: Tem gente que discorda. Mas há gente [indígenas] que está de acordo com os planos. Em muitas área em que se está implementando o Arco Mineiro, as empresas e o Estado estão dividindo os movimento indígenas. Não há consulta, oferecem dinheiro, convencem as comunidades, as fazem assinar um documento e pronto. Mas ali no Amazonas estamos unidos e ninguém está aprovando nada sem consentimento de todos.
IA: Neste momento, quais são os casos de violência mais significativos ?
GM: O momento mais difícil foi o assassinado de Sabino Romero [líder indígena da etnia Yukpa morto em 2013]. Ele tomou a decisão de retomar seu território e o mataram com cumplicidade do Estado. Como isso foi muito violento (junto a ele mataram outras sete lideranças), percebemos que ali interromperam as perseguições físicas, mas todas as portas foram fechadas. Sempre desacreditam aquilo que expomos e nos acusam de ser da oposição. O que dizemos não vale. Além disso, muitos líderes adotaram a autocensura. Eles têm medo.
IA: Quais seriam então os próximos passos para o movimento indígena na Venezuela?
GM: Os caminhos já estão esgotados. Nunca pudemos falar diretamente com o presidente. Falamos com o vice-presidente e o alto comando militar. Mas eles já nos avisaram que não vão revogar os decretos. O que nos restaria seriam ações internacionais e estamos considerando, embora a Venezuela já tenha avisado que vai se retirar da OEA (Organização dos Estados Americanos). Eles não querem que ninguém os controlem. O que nos resta então? Estamos dizendo: “No território em que não queremos mineração, vamos resistir, vamos ocupar”
(Foto do topo: liderança indígena Gregorio Mirabal, por YPIS)