Livro reúne conhecimento sobre primatas que vivem em ambientes alagados ao redor do mundo, explica a relação dos animais com esses ambientes e como pesquisas podem ajudar na conservação.
Muitas espécies de primatas, em diferentes partes do mundo, fazem largo uso de ambientes alagados – entre eles pantanais, manguezais, igapós e até praias – para extrair recursos para sua sobrevivência. Conhecer a atual situação e as dinâmicas que regem tais ambientes é um desafio, mas também uma tarefa de grande importância para a manutenção dessas espécies. Em 2016, pela primeira vez, o conhecimento sobre esse tipo de primata será reunido em um grande livro: Primates of flooded habitat: ecology and conservation (“Primatas de hábitats alagados: ecologia e conservação”, em tradução livre), escrito com a participação de pesquisadores da África, Ásia e Américas Central e do Sul. A publicação, em inglês, tem previsão de lançamento para julho.
Ambientes alagados são, de uma forma geral, ricos em biodiversidade. No entanto, ainda há muito o que investigar sobre a presença de primatas nessas regiões. “Estudos com primatas em áreas alagadas são muito difíceis de serem realizados, primeiramente por questões logísticas, mas também porque nem sempre é possível ter acesso a essas áreas no período de águas altas, o que limita a pesquisa”, justifica a bióloga Fernanda Pozzam Paim, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e autora de um dos capítulos do livro.
Apesar disso, o que já se sabe é bastante interessante. A quantidade de espécies que fazem uso de tais ambientes é grande: inclui gorilas e chimpanzés no Congo, orangotangos em Bornéu e até saguis na Amazônia. “Algumas espécies visitam os ambientes alagados apenas ocasionalmente para explorar alguns recursos específicos, outras podem passar a vida inteira neles”, conta Adrian Barnett, biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e um dos três editores da publicação.
Em esforço inédito, a iniciativa reuniu pesquisadores de Brasil, Argentina, Guiana, Bolívia, México, Japão, Indonésia, Malásia, Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul, Congo e Botswana, entre outros países. O livro vai apresentar dados sobre espécies que desenvolveram relações de dependência com ambientes alagados ao redor do mundo.
Em Pernambuco, por exemplo, os manguezais são fonte de ostras e caranguejos para os macacos-pregos da espécie Sajajus libidinosus. “Sem os martelos e quebradores que nós usamos para quebrar suas cascas e conchas, esses macacos usam peças de pau do manguezal para bater os crustáceos e moluscos até a carne suculenta ficar acessível”, explica Barnett. Já nas praias do sul do continente africano, babuínos frequentam as costas rochosas em busca de cracas e moluscos. No Japão, primatas da espécie Macaca fuscata – conhecida aqui como macaco-japonês – vão até a costa litorânea atrás das algas ricas em ferro e outros nutrientes que complementam sua alimentação.
Segundo o especialista, a preservação das áreas alagáveis é fundamental para a própria conservação dos primatas. “Algumas áreas estão realmente ameaçadas diretamente pelo desmatamento, como os manguezais de diversas partes do mundo”, alerta. “Outras estão sofrendo os impactos da mineração, como a acumulação de sedimentos e mercúrio, e outras, ainda, a extração excessiva de determinadas espécies vegetais”.
Com o lançamento do livro, cientistas da área esperam contribuir não só com a conservação dos primatas, mas também de outras espécies animais e das próprias áreas alagadas. “Primatas são animais simpáticos, que quase sempre chamam a atenção das pessoas por serem considerados ‘próximos’ do ser humano”, lembra Paim. “Por este motivo, projetos de conservação de primatas, especialmente os ameaçados de extinção, são essenciais para a conservação da biodiversidade como um todo. Uma vez que um estudo é realizado em determinada área, com o objetivo de conservar uma espécie, toda a fauna e flora associadas a tal ambiente são automaticamente protegidos”, aposta. Barnett concorda: “Primatas são muito queridos ao olhar do público, as pessoas em geral acreditam que eles têm muito charme. Podemos usá-los como ‘espécies bandeiras’ para conservar os hábitats – muitos deles em perigo”.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Ciência Hoje e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.