A licença do empreendimento foi concedida pelo Ibama depois que o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves deu aval sem ouvir índios.
A Justiça Federal no Amazonas suspendeu a Licença Prévia do processo de licenciamento ambiental concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à concessionária Transnorte Energia S/A para execução das obras de construção do Linhão de Tucuruí até que seja realizada uma consulta prévia aos índios Waimiri Atroari, como prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As obras, que também foram suspensas, irão interligar o estado de Roraima ao Sistema Integrado Nacional (SIN), mas vai cruzar 125 quilômetros do território indígena, que começa no Amazonas.
A decisão, em caráter liminar, da juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, saiu dia 19 de fevereiro, mas foi divulgada nesta terça-feira (23). A medida atendeu ação civil pública do Ministério Público Federal no Amazonas, ingressada em dezembro pelo procurador da República, Fernando Merloto Soave, conforme publicou a agência Amazônia Real aqui.
A Licença Prévia da obra saiu em novembro do ano passado depois que o presidente da Fundação Nacional do Índio, João Pedro Gonçalves da Costa, concedeu um aval ao Ibama sem consultar os indígenas.
Na ocasião, 23 lideranças da Comunidade Waimiri Atroari assinaram uma carta enviada à presidente do Ibama, Marilene Ramos, afirmando que a etnia não foi consultada previamente por João Pedro Gonçalves sobre os impactos socioambientais da obra na terra indígena.
Segundo as lideranças, para construir a linha de transmissão serão instaladas cerca de 250 torres de sustentação, o que levará centenas de operários para dentro da reserva onde vivem mais de 1,6 mil índios considerados de recente contato pela Funai. Os Waimiri Atroari também contestaram o traçado da obra definido na Licença Prévia.
Na ação, o MPF afirma que “é essencial que se faça consulta ao povo Waimiri Atroari, sob pena de que estes venham a ser vítimas, mais uma vez em sua história, de outro episódio irresponsável de manobras e falhas administrativas”.
Na decisão, a juíza Marília Gurgel Rocha Sales suspendeu os efeitos da Licença Prévia no. 522/2015 expedida pelo Ibama nº 522/2015 para execução das obras. Ela enfatizou que a Convenção nº 169 da OIT “é explícita quando afirma ser obrigatório que os governos devem consultar os povos interessados, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
Também acrescentou que “sendo a declaração de utilidade pública, ato administrativo que importa em restrição de direitos, deveria a comunidade indígena Waimiri Atroari ter sido consultada há muito tempo, uma vez que sofrerá reflexos diretos da implantação desta LT [Linha de Transmissão]”.
“Nem se diga que a declaração de utilidade pública se refere a imóveis no Estado de Roraima, pois está inteiramente ligada a construção e instalação da LT objeto da lide, não havendo dúvidas de que sua implantação causará interferência direta não só em todos os ecossistemas ali existentes, mas também na própria comunidade indígena”, destacou a juíza Marília Gurgel Rocha Sales.
A Licença Prévia do Ibama foi o primeiro passo do processo ambiental para que a concessionária Transnorte Energia S/A (formada por consórcio entre a Alupar e Eletronorte) consiga a Licença de Instalação, esperada para iniciar a obra. A linha de transmissão terá um total de 721 km partindo de Manaus para gerar 500 KV de energia em Boa Vista a partir da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.
Segundo o Ibama, o traçado escolhido pela concessionária Transnorte Energia S/A é a alternativa 1, que consta do Estudo de Impactos Ambientais (EIA-Rima), que contemplou, em 2014, os estudos do componente indígena. O percurso vai acompanhar o acostamento da rodovia federal BR-174.
No aval, o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves alertou o Ibama sobre os possíveis impactos socioambientais da obra à etnia. “(…) No cumprimento de nossa missão institucional, é necessário alertar que qualquer intervenção naquela terra indígena sem a necessária construção de um consenso entre seus moradores, poderá acarretar novos conflitos que não são desejáveis nem ao empreendedor e tampouco àquela comunidade”, diz.
Mas, em outro trecho do ofício, João Pedro Gonçalves destacou a importância da obra do Linhão de Tucuruí, liberando o empreendimento sem citar a consulta aos índios Waimiri Atroari.
“(…). Entretanto ao destacar que o Ibama, enquanto autoridade licenciadora já se manifestou acerca do melhor traçado para a Linha de Transmissão (…), e uma vez caracterizada, pelo governo federal, a imprescindibilidade da obra em seu traçado proposto (…), resta a esta Fundação, apresentar as condicionantes cabíveis no que se refere ao componente indígena (…)”, afirmou Gonçalves.
Na carta enviada ao Ibama, o líder da comunidade Waimiri Atroari, Mário Paruwe Atroari, e mais 22 indígenas afirmam que desde que tomaram conhecimento do aval da Funai ao Ibama para execução da obra do Linhão de Tucuruí, “dificuldades já estão ocorrendo na comunidade, surgindo conflitos que estavam contidos desde a abertura da BR-174”.
“(…). Não somos contra a luz chegar em Roraima, só não entendemos de o porquê da Linha ter de ser dentro da nossa terra, trazendo de volta um passado que gostaríamos que não tivesse acontecido, no qual nossos parentes foram mortos e não tínhamos o direito de ter opinião. (…). Por favor, repetimos, não considere os termos do ofício que a Funai escreveu para o Ibama, como sendo uma autorização da Comunidade Waimiri Atroari. (…) Nós não falamos para o Presidente da Funai para ele autorizar o Ibama a emitir a licença”, diz a carta das lideranças.
As assessorias de imprensa do Ibama e da Funai foram procuradas nesta terça-feira (23) pela reportagem, mas até o fechamento desta matéria não se pronunciaram sobre a decisão que suspendeu a Licença Prévia do Linhão de Tucuruí.
Ibama diz que vai recorrer
Em resposta à Amazônia Real, a assessoria do Ibama informou nesta quarta-feira (24) que o órgão vai entrar com um recurso contra a decisão da Justiça Federal que suspendeu a licença prévia. A assessoria disse que, na ocasião do pedido do MPF para suspender os efeitos da licença feito pelo MPF, o Ibama se manifestou apresentando pedido de indeferimento da liminar.
Entre os argumentos apresentados pelo Ibama na petição assinada pela Procuradora Federal Thalita Alves Motta pedindo o indeferimento, está a “desnecessidade de consentimento dos indígenas”.
Na ação civil pública, o MPF se fundamenta nas diretrizes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A convenção determina que povos indígenas e tradicionais sejam consultados sobre obras que impactam suas terras e sua coletividade.
Diz o artigo 1 da Convenção 169: “a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
Em resposta a este trecho da Convenção 169, a procuradora federal diz que “evidencia-se, na espécie, o acatamento das disposições da aludida Convenção, porque foram realizadas audiências públicas com tal intento”.
A procuradora federal ressalta em sua petição que “a Convenção nº 169/OIT fala em consulta, e não em consentimento”.
O Ibama não realizou audiências na própria Terra Indígena Waimiri Atroari. Segundo informou a assessoria do órgão, as audiências foram realizadas no município de Presidente Figueiredo e na capital Manaus, no Amazonas, e em Rorainópolis e Boa Vista (capital), em Roraima.
A Amazônia Real também procurou o sertanista José Porfírio Carvalho, porta voz dos índios Waimiri Atroari. Ele disse que a comunidade indígena vai aguardar a decisão definitiva com o julgamento da ação civil pública para se pronunciar.
A assessoria de imprensa da Funai também foi procurada e até o momento não respondeu aos questionamentos enviados pela Amazônia Real.
Matéria atualizada às 18h20 (horário de Manaus) do dia 24 de fevereiro de 2016, com a resposta do Ibama.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.