Em evento realizado na COP 21, indígenas do Alto Rio Negro (AM) e do Parque Indígena do Xingu (MT) falaram de suas percepções sobre as mudanças no tempo e no meio ambiente.

Nesta terça-feira (1º), a realidade dos povos indígenas no Brasil chegou à COP-21 com depoimentos de quatro lideranças do Alto Rio Negro (AM) e do Parque Indígena do Xingu (MT). Em um evento com mais de 60 participantes, realizado pelo Instituto Socioambiental, no Espaço do Clima da Sociedade Civil na COP, o site Ciclos anuais do Rio Tiquié e o filme “Para onde foram as andorinhas?” apresentaram em detalhe os impactos das mudanças climáticas que os povos indígenas na Amazônia brasileira estão sentindo em seus territórios.

André Baniwa, vindo do Rio Içana, no noroeste amazônico, foi o primeiro a falar: “Os Estados Nacionais já levam mais de 20 anos discutindo o problema da questão climática, um problema que aponta o fim do planeta, mas não encontram solução. E os povos indígenas conhecem e entendem que sua relação com a natureza é de respeito. Milenarmente os povos indígenas estão trabalhando para o bem-viver. O mundo inteiro precisa aprender”.

O líder Baniwa cobrou atenção dos chefes de Estado para os conhecimentos indígenas, denunciando os ataques do Estado brasileiro aos direitos territoriais indígenas – que já conta com 22 anos de atraso nas demarcações de Terras Indígenas. Para o seu povo, o que se avizinha é um tempo de silenciamento do mundo: “Os xamãs do povo Baniwa dizem que esse mundo vai parar daqui a algum tempo e não haverá sinal de vida. Será um período silencioso, na nossa previsão”.

No Rio Negro, onde vivem 22 povos indígenas diferentes, um projeto de pesquisa colaborativa está permitindo registrar as formas tradicionais de manejo ambiental e traduzí-los para os não indígenas. Com base em uma metodologia simples, o registro em diários, a pesquisa ganhou um formato inovador – um site com gráficos interativos. Os infográficos contam com medições de nível do rio e a pluviometria, além das estações do ano informadas por pesquisadores indígenas do Rio Tiquié de acordo com as constelações conhecidas pelos Tukano. Acesse o site-calendário.

Dagoberto Azevedo, do Rio Negro e Yapatsiama Waura, do XIngu

Segundo o pesquisador e estudante de Antropologia Dagoberto Tukano, que participou dessa pesquisa por oito anos, o trabalho começou pela constatação de que estavam acontecendo mudanças na região e que o crescimento de certas espécies vegetais ou a piracema dos peixes não estavam acontecendo no tempo certo: “As coisas não aconteciam conforme os conhecimentos dos pajés. Abacaxi, pupunha, mandioca não nasciam no tempo certo”, contou Dagoberto . Aloisio Cabalzar, antropólogo do ISA responsável pelo projeto, explicou: “No Rio Negro são os conhecedores indígenas os responsáveis pela manutenção dos ciclos anuais, por meio de benzimentos e rezas”.


Dois graus a menos

O evento contou também com a primeira exibição de um documentário sobre a realidade do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, uma ilha de floresta em pé cercada pela produção agropecuária de soja e milho. “Para onde foram as andorinhas?”, feito em parceria com o Instituto Catitu, trouxe a perspectiva dos principais anciãos dos povos do Parque, entre eles, Yapatsiama Waura, que participou do evento.

Yapatsiama lembrou da primeira vez que se viu uma grande queimada no Xingu, em 2005: “Quando nós jovens não estávamos acreditando, entendendo o que é que estava acontecendo, os pajés explicaram para nós que algo estava errado”. Agora, as mudanças estão claras inclusive para ele: “Está muito quente demais e as flores não estão conseguindo florescer. É muito quente. Nós estamos muito tristes”.

O ancião do povo Waura falou também do impacto de grandes empreendimentos, como hidrelétricas, sobre as Terras Indígenas: “O rio, a cada ano que passa, está sendo barrado. Agora diminuiu o fluxo do rio e os peixes estão morrendo. Vai morrer mais ainda. Vai morrer tudo o que tem no nosso território”.

Fechando os debates, o jovem agente de saúde indígena Tukupe Waura deixou uma mensagem de indignação diante da tentativa de barrar o aumento de 2°C na temperatura global nos próximos 100 anos: “As aldeias de vocês são diferentes. As nossas estão esquentando. Nós estamos aqui para diminuir ao contrário. Por isso meu apelo aqui ao mundo. É para diminuir ao contrário: dois graus a menos!”

O evento foi realizado a convite da Embaixada da França e aconteceu na sala no Espaço da sociedade civil. Ainda durante a COP-21 haverá mais três edições.

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