Pesquisadores do Instituto Mamirauá flagraram um macaco-prego predando o ninho de um jacaré-açu com a ajuda de uma ferramenta.
Manaus (AM) — Armadilhas fotográficas montadas para monitorar ninhos de jacaré flagraram um inesperado comportamento de macacos-prego (Sapajus macrocephalus) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, interior do Amazonas. Eles não estavam apenas predando os ovos, o que poderia ser esperado, mas utilizavam gravetos como ferramenta para fazer o trabalho. É a primeira vez que tal comportamento é registrado entre os macacos-prego da Amazônia.
O S. macrocephalus é uma espécie encontrada na Amazônia Central, ao norte do rio Solimões e oeste do rio Negro. Ele recebe esse nome porque parece ter uma cabeça maior do que os outros do grupo. Essa impressão ocorre devido a um topete bem desenvolvido. E, além do topete, agora os pesquisadores sabem que é um animalzinho engenhoso.
“Eles pegaram um graveto que fazia parte do ninho e cavoucaram um buraco nesse ninho, para acessar a câmara interior e acessar os ovos. O indivíduo utilizou o graveto como uma pá”, explica o primatólogo Rafael Rabelo, do Instituto Mamirauá. “Esse tipo de comportamento manipulativo, apesar de parecer simples para nós, é um comportamento cognitivo bastante complexo. Ele precisa entender que aquele instrumento que ele tem nas mãos vai resolver algum problema”.
É claro que os pequenos primatas correm risco ao descer das árvores e se aventurar em ninhos no solo. Afinal, não é qualquer um que está por perto para proteger a cria: são fêmeas do jacaré-açu, o maior predador da Amazônia. Mas o risco parece valer a pena. De acordo com a bióloga Kelly Torralvo, autora principal do estudo, os macacos-prego são os principais predadores de ninhos de jacaré-açu. “Eles são responsáveis por 39% das predações. Os outros predadores são a onça, lagartos e o homem”, afirma a bióloga.
Os pesquisadores ainda não sabem porque os macacos-prego usam o instrumento, mas suspeitam que o graveto permite aos primatas acessarem a câmara interior sem se machucar em espinhos do material usado para a confecção do ninho. Os ninhos têm cerca de 1,5 metro de diâmetro e 70 centímetros de altura.
Macacos equipados
O uso de ferramentas por macacos-pregos já havia sido registrado em espécies encontradas em outras regiões do país. Em 2013, macacos-prego-amarelo (Sapajus libidinosus), que vivem no Cerrado e na Caatinga, foram filmados utilizando pedras para abrir frutos. “Eles quebram os cocos, posicionando o coco em uma pedra, que a gente chama de bigorna, e aí eles levantam uma outra pedra, que a gente chama de martelo, e batem até quebrar”, conta bióloga do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, Patrícia Izar.
A bióloga, que há 12 anos estuda macacos-prego numa área de transição entre Cerrado e Caatinga, no Piauí, afirma que o uso de pedras como ferramentas já foi registrado em diversas outras populações de Sapajus. Além do S. libidinosus, o S. xanthosternos, que é espécie de Mata Atlântica, mas também vive em Caatinga, e o S. flavius, espécie classificada entre os 25 primatas mais ameaçados do mundo e encontrada em fragmentos da Mata Atlântica nordestina.
A descoberta foi apresentada no 16º Congresso Brasileiro de Primatologia, realizado esta semana em Manaus. O evento vai até esta sexta-feira e, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, o biólogo Wilson Spironello, é importante para chamar a atenção sobre a preservação desses animais.
O Brasil é o país com maior diversidade de primatas do mundo, com aproximadamente 20% do total das 700 espécies conhecidas. A maioria destas espécies brasileiras é encontrada na Amazônia. E apesar de ainda possuir grandes áreas preservadas, três primatas na região estão entre os mais ameaçados do país, o sauim-de-coleira, na região de Manaus, o cuxiú-preto e o cairara, que vivem entre os estados de Pará e Maranhão. As ameaças vêm da perda e fragmentação do habitat.
“Queremos chamar a atenção para a preservação”, afirma Spironello. “Se preservarmos os primatas, indiretamente você vai estar preservando a floresta, os recursos hídricos. É uma forma de chamar a atenção para uma espécie-bandeira”, diz o biólogo, destacando que outro ponto importante é incentivar a formação de novos primatologistas para sanar a carência destes especialistas na região amazônica.
– Esta matéria foi originalmente publicada no OEco e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.