Os Sateré-Mawé são povos originários da região do baixo rio Amazonas e inventores da cultura do guaraná, fruto amazônico que foi beneficiado por eles, dando origem à bebida que é conhecida no mundo inteiro.

Mas, o artesanato sempre esteve presente no cotidiano do grupo, que é falante da língua de mesmo nome da etnia e pertencente ao tronco linguístico Tupi.

Coletar na floresta amazônica as sementes que caem das árvores nativas, entre elas, o puca, o morototó, o açaí, a jarina (marfim vegetal), o tento, o caramuri, o tucumã e o muru-muru, para fazer colares, brincos, pulseiras, adornos para os cabelos e pés, é tarefa de muitas mulheres da etnia, da qual o nome na língua indígena significa “lagarta de fogo” (Sateré) e “papagaio falante” (Mawé), nomes dos principais clãs do grupo, conforme pesquisa do Instituto Socioambiental.

A Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) diz que a população dos Sateré-Mawé é estimada em 15 mil pessoas. A maioria, 13.350, vive dentro da Terra Indígena Andirá-Maraú, que fica entre os Estados do Amazonas e Pará, banhada pelos rios Andirá e Tapajós, afluentes do rio Amazonas. O restante se deslocou para as cidades amazonenses Maués, Parintins, Barreirinha e Manaus.

A migração de famílias da etnia Sateré-Mawé a partir dos anos 70 foi motivada pelo ensino público, oportunidades de emprego e tratamento de saúde em Manaus. Muitas mulheres viram na produção do artesanato uma fonte de geração de renda na cidade, que recebia também populações de vários Estados do país por causa do boom da Zona Franca. Hoje vivem na capital amazonense ao menos 1.500 indígenas da etnia. Leia mais sobre a vida indígena na cidade aqui

A artesã Sônia Regina Vilacio, 41 anos, é uma das coordenadoras da Associação das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (AMISM), fundada em 1992. Ela é filha de uma das lideranças da etnia e fundadora da associação, Zenilda da Silva Vilacio, que morreu em 2007.

Sônia diz que por 23 anos, as artesãs venderam as peças confeccionadas manualmente em feiras populares e de artesanato, eventos em escolas e universidades, e nas ruas da cidade. Em Manaus, 30 mulheres da etnia trabalham com o artesanato da AMISM. Outras 20 são coletoras de sementes e vivem nas comunidades que ficam na Terra Indígena Andirá-Maraú, distante a 369 quilômetros da capital amazonense.

“Por não termos um local para expor as peças permanentemente, tem mês que vendemos bem, tem mês que vende pouco. Tem outros que não vende nada”, afirmou Sônia Vilacio, que já viajou até para São Paulo para expor o artesanato Sateré-Mawé em um evento.

O empreendedorismo na comunidade indígena

A geração de artesãs: Suelen, Sônia, Zenilda Neta, Jucenilda e Sâmela (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

A geração de artesãs: Suelen, Sônia, Zenilda Neta, Jucenilda e Sâmela (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

O trabalho manual com sementes da Kakury (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

O trabalho manual com sementes da Kakury (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Em agosto passado, essa insegurança na venda do artesanato indígena mudou para dar lugar ao um pequeno negócio empreendedor: a loja Kakury Arte, que funciona dentro da AMISM, no bairro Compensa 2, na zona oeste de Manaus.

Kakury é o nome de uma peça artesanal para pescar. Para organizar a loja, Sônia Vilacio disse que dez artesãs associadas investiram R$ 2.000 em pequenas obras, pintura, compra de prateleiras, além da matéria prima, a maioria sementes da floresta. O estabelecimento, segundo ela, é cadastrado através da associação na Secretaria de Estado do Trabalho (Setrab).

“As 50 mulheres que trabalham com o artesanato tiram uma renda média mensal que varia de R$ 70 a R$ 300. Temos esse recurso como uma renda extra para cada família”, afirmou Sônia Vilacio, que recebe apoio das filhas Suelen, 20 anos, e Sâmela, 18, e Zenilda Neta no trabalho manual de confecção de brincos, colares e pulseiras, dando continuidade na geração de artesã Sataré-Mawé.

Também artesã e associada, Jucenilda Pena de Souza, 36 anos, trabalha na produção das peças junto com as filhas Angélica Wururuphort (nome que quer dizer Flor de puçá, na língua Sateré-Mawé), 18 anos, e Rangelma Waikiru (Estrela), 16 anos.

“Esse é um trabalho empreendedor das mulheres Sateré-Mawé. Lutamos muito tempo para ter essa loja, que vem suprir as necessidades das mulheres e das famílias. Nosso trabalho de artesã é uma forma de mantermos viva a cultura do nosso povo. Muitos moram na cidade, mas não esquecemos da nossa cultura”, disse Jucenilda Souza.

Na loja Kukury Arte, o visitante encontra peças artesanais produzidas com sementes de jarina, ingarana, morototó, pucá, tucumã. Pequenas esculturas feitas com madeira reciclada de figuras de animais da floresta como tatu, coruja, papagaio, além das cestarias de fibras de arumã e fios de tucum.

A artesã Suelen Vilacio com colares de sementes de puca e morotoro (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

A artesã Suelen Vilacio com colares de sementes de puca e morotoro (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Colar de madeira tinginda e sementes de mologo e fibra vegetal (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Colar de madeira tinginda e sementes de mologo e fibra vegetal (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Cola de jarina, o marfin vegetal, com sementes de açaí, ingarana e puca (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Cola de jarina, o marfin vegetal, com sementes de açaí, ingarana e puca (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

As sementes coloridas de açai (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

As sementes coloridas de açai (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

“Coletamos aquilo que a natureza solta”

Jucenilda Souza diz que o artesanato das mulheres Sateré-Mawé tem um traço marcante na maneira de produzi-lo. “Na época que surgiu o morototo como semente para artesanato, muita gente derrubou as árvores, levando a espécie ao declínio. Nós mantemos nossas árvores intactas. Coletamos aquilo que a natureza solta. Deixamos bem claro aos compradores que não somos uma fábrica e não temos interesse de ser uma. Já perdemos contratos por isso. Nós fazemos artesanato manualmente. E damos valor a isso. Se não tiver mais as árvores, onde vamos coletar as sementes? ”, indagou a artesã Sateré-Mawé.

“É por isso que o nosso artesanato é original. Vem da comunidade essa conscientização. Quem conhece o nosso trabalho acaba descobrindo isso. Há peças únicas que fazemos sob encomenda. Com isso a gente vem se mantendo ao longo dos anos”, concluiu a artesã indígena Jucenilda Souza.

O trabalho das mulheres Sateré-Mawé artesãs na associação (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

O trabalho das mulheres Sateré-Mawé artesãs na associação (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Brincos confeccionados com sementes, madeiras e fibra vegetal (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Brincos confeccionados com sementes, madeiras e fibra vegetal (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

As artesã Jucenilda Souza e Sônia Vilacio na loja Kakury Arte (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

As artesã Jucenilda Souza e Sônia Vilacio na loja Kakury Arte (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Sâmela Lorena Vilacio, neta da liderança Zenilda, com os adornos e pulseiras de sementes (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Sâmela Lorena Vilacio, neta da liderança Zenilda, com os adornos e pulseiras de sementes (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

OS COLARES DE PUCA

As sementes (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

As sementes (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Escultura de papagaio (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

Escultura de papagaio (Foto: Alberto César Araújo/Amreal)

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

Ainda não há comentários. Deixe um comentário!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.