A líder da comunidade Portelinha, Maria das Dores Salvador Priante, sequestrada, torturada e assassinada há 20 dias, em Iranduba, como resultado do conflito agrário com o acusado de ser o mandante do crime.

A líder da comunidade Portelinha, Maria das Dores Salvador Priante, 54, sequestrada, torturada e assassinada há 20 dias, em Iranduba (na região metropolitana de Manaus), foi vítima de omissão do Estado do Amazonas, que não atendeu seus inúmeros pedidos de socorro contra a violência que sofria, resultado do conflito agrário com o acusado de ser o mandante do crime, Adson Dias da Silva, 36, preso desde o último dia 17.

 

Somente pouco mais de três meses antes de sua morte é que foram tomadas medidas por parte da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), após audiência na sede do órgão, com a presença de Maria das Dores e outros moradores da comunidade Portelinha. Ela já havia pedido ajuda em audiência na gestão anterior da SSP em outras administrações do governo do Amazonas. Também denunciou as ameaças na polícia e solicitou apoio da Justiça Estadual e da Polícia Federal.

“Foram mais de 20 boletins de ocorrência feitos por ela. Parece que simplesmente engavetaram. O Pinguelão (apelido de Adson Dias da Silva) afirmava que ele era protegido dos policiais, que tinha muitos aliados. Para mim, minimizaram as denúncias da Dora. O Estado foi tremendamente omisso e negligente”, diz Gerson Priante, viúvo de Dora Priante, como ela era conhecida. Gerson também vai entrar com um pedido de proteção, pois ele próprio teme ser morto.

Gerson Priante é professor de ensino médio em uma vila próxima à comunidade Portelinha, mas tem casa na zona norte de Manaus. Ele teme também ser vítima da violência pelo conflito agrário. “Descobriram onde eu moro com meus filhos. Podem fazer o mesmo comigo o que fizeram com a Dora”, contou.

Em entrevista dada à Amazônia Real, o secretário executivo adjunto de operações integradas, Pedro Florêncio Filho, admitiu que o Estado teve responsabilidade na morte de Dora Priante, apesar das medidas tomadas nos últimos meses pela SSP, já sob nova administração do governo do Amazonas.

O delegado de Iranduba, Paulo Mavignier, disse que houve uma “certa omissão de uma série de órgãos, que viam eles se matando e nada faziam” (leia mais nesta matéria).

Gerson Priante mostrou à reportagem a cópia de uma denúncia feita na Justiça de Iranduba, mas conta que a mulher nunca foi chamada para dar depoimento no órgão.

Desde 2012, Dora Priante e outros moradores da comunidade Portelinha já registravam boletins de ocorrência na delegacia de Iranduba (a 22 quilômetros de Manaus em linha reta) nos quais citava ameaças de morte, agressões, expulsões e vendas ilegais de lotes praticadas por Adson Dias da Silva, que está preso no presídio de Manacapuru, pois o corpo de Dora Priante foi encontrado na jurisdição deste município.

A Polícia Civil diz, sem citar nomes, que há suspeita de que ele tem amparo de empresários, ricos profissionais liberais e políticos de Iranduba e de Manaus, devido ao interesse nos terrenos da zona rural de Iranduba, que ficaram supervalorizados após a construção da Ponte Rio Negro, obra que custou R$ 1 bilhão aos cofres públicos do governo do Amazonas (o dobro do previsto). A ponte, inaugurada em outubro de 2011, liga Manaus a três cidades: Iranduba, Manacapuru e Novo Airão.

Dora Priante (de blusa estampada), durante reunião na sede da SSP. (Foto: Assessoria do deputado estadual José Ricardo)

Dora Priante (com as mãos em cima de papéis), durante reunião na sede da SSP. (Foto: Assessoria do deputado estadual José Ricardo)

 

A agência Amazônia Real teve acesso a cópias de cinco destes boletins feitos por Dora Priante na Polícia Civil. Eles são das datas de 04 de abril de 2012; 04 de maio de 2012; 23 de junho de 2014; 20 de novembro de 2014; 03 de julho de 2015.

No boletim de ocorrência do dia 23 de junho de 2014, Dora Priante relata que, além de ser ameaçada e agredida, testemunhou a demolição das estruturas de uma obra destinada à sede da associação comunitária. Adson esteve no local, acompanhado de dois homens que se identificaram como policiais militares. Os três demoliram a obra e alegaram que o local pertencia a um oficial identificado como “comandante Marcos Frota”. Em resposta ao questionamento da Amazônia Real sobre o nome do oficial citado, a assessoria de imprensa da Polícia Militar disse que “o comandante do Comando de Policiamento do Interior (CPI), coronel PM Marcus James Frota Lobato, segundo declaração do mesmo, não possui terras no local citado”.

Dora também esteve na Polícia Federal no dia 20 de fevereiro de 2015, quando denunciou agressões, estelionatos, expulsões de moradores e ameaças por parte de Adson Dias da Silva e pessoas de seu convívio ao delegado Caio César Cordeiro de Oliveira Silva. Dora estava acompanhada da vice-presidente da Associação Comunitária de Portelinha, Nailde Maria Pereira de Souza. Esta também relatou que havia sido ameaçada de morte por Adson no dia 14 de novembro de 2014. A reportagem tentou, por email e por telefone, contato com o delegado Caio para saber sobre as providências tomadas, mas não teve retorno.

Dora Priante morava desde 2009 na comunidade Portelinha após receber um terreno no local e há três, segundo depoimento seu dado na Polícia Federal, como presidente da associação. No mesmo depoimento, ela contou que vivem 362 famílias na comunidade, sendo que 41 foram expulsas após terem seus lotes vendidos por Adson.

Pesa sobre Adson Dias da Silva outros boletins de ocorrência acusando-o de estelionato e esbúlio possessório. Vários registros que a Amazônia Real também teve acesso denunciam Adson de vender para terceiros terrenos que ele já havia comercializado anteriormente. Os terrenos desapropriados irregularmente eram revendidos a preço bastante variado. Alguns eram vendidos por R$ 300 reais, outros por R$ 1 mil, R$ 2 mil, R$ 5 mil, R$ 10 mil e R$ 12 mil e assim por diante.

Em seu desespero por pedir socorro, ela também enviou ofício ao ex-prefeito de Iranduba, Nonato Lopes, e ao vereador do município Francisco Elaime (PSD), até que em abril deste ano falou na tribuna da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM).

No mesmo mês, ela esteve na sede da SSP, onde apresentou um detalhado relato ao secretário executivo adjunto de operações integradas, Pedro Florêncio Filho. Em ofício enviado no dia 30 de abril de 2015 ao diretor de polícia do interior, Carlos Augusto Monteiro, Pedro Florêncio Filho reconhece “a gravidade do assunto e pede providência para solucionar o problema”.

Ele também pede investigação sobre o suposto envolvimento de policiais civis e militares “em questões com os moradores da comunidade Portelinha”.

Uma sindicância foi aberta pela Corregedoria Geral de Segurança Pública do Estado do Amazonas para apurar envolvimento de policiais. A Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da SSP para pedir informações sobre o andamento da sindicância, e até a publicação desta matéria não obteve as respostas solicitadas.

Gerson Priante, marido de Dora Priante: "Não estamos de braços cruzados". (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

Gerson Priante, marido de Dora Priante: “Não estamos de braços cruzados”. (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

Gerson Priante disse que o caso de sua mulher é um dos maiores exemplos de omissão do Estado em sua responsabilidade de proteger o cidadão. Ele afirmou que estuda processar o Estado por conta disso.

Para o viúvo de Dora, a morte de sua mulher transcende uma simples briga por terra. Ele diz que a especulação imobiliária aumentou a pressão contra os terrenos em Iranduba após a valorização causada pela construção da Ponte Rio Negro.

“Na Portelinha, muita gente ‘grande’ tem terreno e casa. Algumas são verdadeiras mansões. São casas que contrastam com outras moradias simples, cobertas apenas de galvanizado, madeira, restos de construção, de pessoas que precisam realmente de terra. Muitos foram invadindo e tomando terra com a conivência e negociata do Adson”, diz.

 

Um Comitê para pedir Justiça

Familiares e amigos criaram o Comitê Dora, com o objetivo de continuar a luta da líder comunitária. (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

Familiares e amigos criaram o Comitê Dora, com o objetivo de continuar a luta da líder comunitária. (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

No último sábado (29), Gerson Priante esteve à frente da criação do Comitê Dora, em uma primeira reunião ocorrida em uma sala da Igreja Católica São Bento, bairro Cidade Nova, zona norte. A Amazônia Real acompanhou toda a reunião.

“Queremos mostrar com este Comitê que não estamos de braços cruzados e muito menos aceitando o que aconteceu. Estamos aqui, família e amigos, para nos manifestar e continuar cobrando o Estado. A questão de terra tem que ser vista também como caso de polícia”, disse Gerson Priante, na abertura da reunião.

Irmãos de Dora Priante, que exigem punição dos culpados. (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

Irmãos de Dora Priante, que exigem punição dos culpados. (Foto: Elaíze Farias/AmReal)

 

Estiveram presentes quatro dos sete seis irmãos de Dora: Raimundo dos Santos Salvador, 69, Atanázio dos Santos Salvador, 63, Maria Francisca Salvador, 59, e Rosa Maria dos Santos Aragão, 55. A família é natural do município de Benjamim Constant, na região do Alto Solimões.

À reportagem, o vereador Francisco Elaime contou que acompanhou Dora diversas vezes na delegacia para fazer boletins de ocorrência. “Ela sempre me procurava para que eu ajudasse a resolver os problemas da comunidade. Também acompanhei ela em reuniões na Secretaria de Segurança Pública. Uma das vezes, tivemos reunião com o ex-secretário Paulo Vital”, lembra. Paulo Roberto Vital foi nomeado titular da SSP em 2011, na administração do ex-governador Omar Aziz (PSD), hoje senador, e ficou até 2014.

Sobre as vendas de terras na Portelinha, o vereador conta que Adson teria começado essa prática em 2009. “Ele vendia terras e as pessoas que não construíam, apenas limpavam o lote e colocavam cerca era depois expulsas. Ele se intitulava presidente e fundador da Portelinha e enrolava as pessoas”, conta. A Amazônia Real não conseguiu falar com o ex-prefeito Nonato Lopes nem com o Coronel Paulo Vital.

O deputado estadual José Ricardo (PT) foi o articulador de Dora Priante com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, desde que ela lhe procurou, no início deste ano.

“Ela nos procurou para pedir ajuda, queria falar na tribuna para os deputados. Foi quando a gente começou a cobrar da Secretaria de Segurança. A Dora falava que todas as vezes que fazia registro na delegacia, o Adson ficava sabendo imediatamente. Então, alguém da delegacia contava para ele”, afirmou o deputado José Ricardo, que intermediou reuniões da líder comunitária com os órgãos de segurança do Estado.

 

Secretário de Segurança diz que tomou medidas

Dora Priante tentou por pelo menos três anos chamar atenção da Segurança Estadual de Segurança Pública. Somente em abril de 2015 ela conseguiu convencer o Estado a investigar as denúncias que fazia.

“Como ela disse que nada foi feito, passamos a fazer algo que nunca tinha sido feito. Eu provoquei através de oficio a Polícia Civil para que nos informassem que destino deram para as várias denuncias feitas na delegacia. Me responderam que tinham feito várias investigações e que tinham sido encaminhadas para a justiça. E que estava parado na justiça”, disse Pedro Florêncio Filho, secretário executivo adjunto de operações integradas, em entrevista à Amazônia Real.

O secretário afirmou que, paralelamente, solicitou aumento no patrulhamento na Portelinha, além de investigações envolvendo outras acusações contra Adson Dias da Silva. Uma audiência pública em Iranduba chegou a ser cogitada.

Em julho passado, por meio de um mandado autorizado pela Justiça Estadual, uma série de buscas nas residências da família e de amigos de Adson tentou encontrar provas de envolvimento dele com tráfico de drogas, sem sucesso. Foi encontrada apenas uma arma caseira na casa do pai dele, além de um simulacro de arma na casa de Adson, que ele costumava mostrar nas redes sociais. Algumas ações sociais também foram realizadas na comunidade, como emissões de registros de nascimento, de carteiras de identidade e palestras.

No dia 6 de agosto, seis dias antes da morte de Dora Priante, o titular da SSP, Sérgio Fontes, encaminhou ao deputado José Ricardo um relatório sobre as ações desenvolvidas na comunidade Portelinha e sobre o curso das investigações, entre elas, as citadas nesta reportagem.

“Confesso que me sinto frustrado. A conheci aqui, vi a seriedade, a fragilidade delas (Dora e outras duas moradoras da Portelinha), não só como mulheres, mas como lideranças e por lidarem com uma briga de terras no interior, que é sempre muito difícil. Fizemos tudo que estava em nosso alcance, não fomos irresponsáveis. Mas não conseguimos impedir a morte da dona Dora”, afirmou o secretário adjunto Pedro Florêncio.

O secretário adjunto também reconhece a responsabilidade do Estado, mas não a culpa. “Dizer que o Estado tem culpa, eu diria que não. Que ele é responsável, claro que sim. A responsabilidade de segurança pública é do Estado”, completou.

Florêncio diz que não há dúvida de que o mandante do assassinato de Dora Priante é Adson Dias da Silva. Adson também é suspeito de grilagem de terra e estelionato. “Infelizmente, descobrimos que ali há uma especulação imobiliária muito grande. Então as pessoas querem tirar os posseiros, os pequenos que moram lá há anos, para vender como área turística. Dizem que tem pessoas importantes com terrenos. Políticos do município. Empresários, policiais. A informação sobre policiais, encaminhei para a corregedoria para ser investigada”, afirmou o secretário adjunto da SSP.

A Amazônia Real conversou com o titular da Delegacia de Iranduba, delegado Paulo Mavignier para saber não apenas sobre a investigação que levou à prisão de Adson Dias da Silva, mas também para perguntar por que as apurações sobre as ameaças contra Dora Priante não surtiam efeito. Ele disse que, no tempo em que está como titular da Delegacia de Iranduba (um ano e dois meses) fez vários levantamentos que resultaram em um procedimento criminal chamado de TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência).

“O procedimento previsto para crime de ameaça não cabe prisão preventiva. Por isso fizemos o TCO. Você ouve a vítima, ouve o acusado. No caso, o Pinguelão. Mas essas ameaças e registros vinham se acumulando há quase quatro anos. Quando tomei conhecimento, investiguei. Não foi culpa da Polícia Civil. Na verdade, foi uma certa omissão de uma série de órgãos, que viam eles se matando e nada faziam. Por exemplo, o Incra não se manifesta sobre essa situação”, disse o delegado.

Paulo Mavignier conta que quando chegou na delegacia identificou que Adson vendia terras de forma ilegal e escrevia nos recibos “termo de doação”. “Ele negociava em valores entre 5 e 20 mil reais, segundo o delegado. Adson também foi investigado por tráfico de drogas, mas essa acusação não foi comprovada. Pelo menos 20 pessoas foram vítimas de estelionato de Adson. Ele fazia isso pois era sua única fonte de renda”, disse o delegado, concluindo: “Não resta dúvida de que Adson é o mandante da morte de Dora Priante e que outras investigações continuam sendo feitas. A investigação para prender os executores da líder comunitária Priante também continua”.

 

Ex- prefeito disse que doou terras para famílias

A Amazônia Real conseguiu falar com José Maria Muniz, ex-prefeito de Iranduba. Ele afirma que foi o doador do terreno que deu origem a Comunidade Portelinha. No local, segundo ele, foram assentadas “pessoas que não tinham onde morar”.

“Comprei há muitos anos de um posseiro que não sei mais o nome. Paguei R$ 16 mil. Era uma terra que não valia nada, não tinha a comodidade da ponte. Doei para algumas pessoas. Não doei para o Adson. As pessoas é que escolheram ele para representá-las”, diz Muniz, que na época da doação não era prefeito de Iranduba.

O ex-prefeito não soube dizer o ano em que comprou o terreno. Mas, afirma que atualmente o terreno estaria valorizado em R$ 1 milhão por causa da especulação imobiliária no municipio de Iranduba.

José Maria Muniz, que hoje está afastado da política e diz que “fala com cuidado” por ter “problemas na Justiça”, afirma que comprou e vendeu vários terrenos para doar. O ex-prefeito de Iranduba foi condenado em 2012 a quatro anos de prisão pelo crime de responsabilidade (saiba mais aqui).

“A Portelinha começou quando um grupo de pessoas me visitou e pediu que eu lhes desse o terreno. Fizeram uma reunião e escolheram um rapaz, que era o Adson, como líder. Cada um ficou com um pedaço de terra de 10×20 metros. Ficou um tempo em paz, mas soube que depois que o Pinguelão agia como se fosse o dono. Eu nunca mais fui lá. Ficou uma tristeza. Tem lotes do tamanho do mundo. Fico triste porque perdi um terreno que não atendeu o benefício social que eu sonhei”, disse o ex-prefeito.

José Maria Muniz diz que foi procurado “umas duas ou três vezes” por Dora Priante, quando ela passou a morar no local. Ele conta que sugeriu que Dora assumisse a associação de Portelinha e assim fizesse uma divisão equitativa dos lotes.

“Ela me pediu um documento, mas eu não tinha. Tenho apenas a posse, sem registro nem escritura. O camarada de quem comprei recebeu o terreno do Incra”, afirmou.

 

Terras da Portelinha são de domínio particular

Procurado pela reportagem, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informou que a área onde hoje é a Comunidade Portelinha, em Iranduba, teve sua regularização fundiária registrada como Lote nº 14, Gleba 06, do Imóvel PIC (Projeto Integrado de Colonização) Bela Vista. O terreno de domínio particular tem uma área de 29,7236 hectares e foi titulada pelo Incra no dia 20 de 10 de 1988 em nome de Teófilo da Silva Gomes.

O Incra disse ainda que nos Projetos de Assentamentos localizados no município de Iranduba, não há na Superintendência Regional do órgão no Amazonas registro de ocorrências de conflitos agrários.

A Amazônia Real tentou falar com o superintendente do Programa Terra Legal, no Amazonas, Luiz Antônio Nascimento, para saber sobre a situação fundiária atual da Portelinha e de outras áreas de Iranduba, mas não conseguiu (seus números de celular deram fora de área e no telefone fixo da sede do programa, em Manaus, ninguém atendeu). O Terra Legal é o órgão federal vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário responsável pela regularização das terras públicas na Amazônia.

Um ex-funcionário do Terra Legal no Amazonas informou à Amazônia Real que o título concedido pelo Incra tem cláusulas restritivas por 10 anos. Depois, pode ser vendido. Se foi alienado antes deste período, o órgão emissor pode cancelar o título e a terra volta para o domínio do Estado (governo estadual ou União).

Em ofício assinado por uma assistente do Iteam (Instituto de Terras do Amazonas), com data do dia 13 de janeiro de 2015, consta que a área de interesse (Portelinha) encontra-se inserida na gleba PIC Bela Vista, de propriedade da União/Incra, e simultaneamente ao APA (Área de Proteção Ambiental) Margem Direita do Rio Negro, Setor Padauari-Solimões.

 

Como Dora Priante morreu

Dora Priante falou sobre as ameaças que sofria na Assembleia Legislativa em abril deste ano. (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

Dora Priante falou sobre as ameaças que sofria na Assembleia Legislativa em abril deste ano. (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

Em um episódio que lembra a morte de Chico Mendes em 1988, considerado a maior liderança extrativista da Amazônia, Dora Priante estava tomando banho em sua casa na comunidade Portelinha quando foi abordada por dois homens. Seu marido não estava presente. A descrição abaixo foi dada pelo delegado Paulo Mavignier, com base em relato de Ronaldo de Paula, 21, preso como partícipe do crime.

Ronaldo de Paula contou na delegacia de Iranduba que três semanas antes do assassinato havia sido chamado por Adson Dias da Silva para ajudá-lo no sequestro e morte de Dora por um pagamento de R$ 3 mil. Ronaldo disse ao delegado que ficou acuado e em pânico. Ou aceitava a proposta ou morria. Aceitou. Recebeu R$ 1.500 de antecipação. O dinheiro teria sido gasto em bebida e drogas em um bar na própria Portelinha dias antes do assassinato.

O acerto era de que Ronaldo fosse (fazia um tempo que ele não aparecia no local) à casa de Dora e se mostrasse para os pistoleiros, sinalizando que ela estava em casa. Por volta de 19h30, dois homens em um carro pararam em frente a casa dela e a retiraram do banheiro. Simularam um sequestro de Ronaldo, deixando-o algemado nos punhos e pernas. A simulação não deu certo. Ronaldo foi o primeiro suspeito a ser ouvido e acabou admitindo que participou do crime, se dizendo arrependido.

“O Ronaldo falou que o Pinguelão o procurou e disse que a namorada dele era ambiciosa, precisava ter as coisas e ofereceu R$ 3 mil reais e mais uma moto. O que o Ronaldo teria que fazer era entregar documentos que supostamente incriminassem o Pinguelão e a própria Dora. Ele também deveria indicar onde ela estava”, disse Paulo Mavignier.

Para o delegado, Ronaldo só não foi morto posteriormente porque, ao invés de ir para uma área próxima da praia de Açutuba, conforme orientação dos pistoleiros, ele preferiu ir para a casa de um amigo de Dora na mesma noite.

Adson também tentou simular um álibi. Ele próprio ligou para a delegacia afirmando que “alguma coisa estava acontecendo” em frente da casa de Dora Priante. O que não convenceu o delegado.

Dora Priante foi encontrada no início da manhã do dia 13 de agosto no KM-53 da estrada Manoel Urbano, que liga Iranduba a Manacapuru, com vários tiros, incluindo seis no rosto. “Esse crime é típico de quem tem vingança. Ela também estava com marcas de espancamento. Foi torturada”, disse o delegado. Ele acredita que a líder comunitária foi morta logo após ter sido levada de casa.

Ronaldo também está preso em Manacapuru, mas sob proteção, pois corre risco de morrer, já que reconheceria os homens que assassinaram Dora. “Logicamente, o Pinguelão nega ser o mandante do crime. Mas ele próprio, durante acareação com o Ronaldo, admitiu que deu dinheiro para que lhe fosse entregue documentos”, diz o delegado.

O viúvo de Dora, Gerson Priante diz que, diferente do que saiu na imprensa, Ronaldo não era caseiro, mas uma pessoa que havia sido acolhida pelo casal e passou a morar com eles. Nos últimos meses, Ronaldo estava afastado, e só reapareceu no momento do sequestro e morte de Dora.

“Foi uma surpresa para todos. Ela tinha acabado de chegar na Portelinha. Foi sozinha. Estava procurando um telefone do vizinho para fazer ligação. Ela voltou e foi tomar banho. Nesse ínterim, o rapaz (Ronaldo) chegou e ficou lá. Ele não era caseiro. Apenas dávamos abrigo, mas ele não tinha vínculo empregatício conosco. O Ronaldo havia arrumado uma namorada e sumiu. Foi aparecer agora, e deu no que eu”, relata o viúvo.

Gerson Priante conta que Dora morava na Portelinha há cerca de seis anos. Formada em Técnica de Enfermagem, ela trabalhava em regime de plantão e passava a maior parte do tempo na comunidade, onde atuava para regularizar os lotes de terra.

“Ela era muito operosa, trabalhadora, deixava a família para atuar lá quase que diariamente. Corria de uma entidade a outra. Ia no Incra, no Iteam, queria levar o projeto Minha Casa Minha Vida”, conta Gerson Priante.

Advogado de Adson afirma que ele é inocente

O advogado de Adson Dias da Silva, Eder Carlos Ribeiro Pires, disse à Amazônia Real que seu cliente não é culpado e sim totalmente inocente. Na semana passada, Pires entrou com pedido de revogação preventiva de seu cliente na Justiça de Manacapuru. Até o momento, não há decisão.

“Há apenas uma prova que é o depoimento do caseiro, que é uma pessoa da intimidade da vítima. Isso não cabe prisão preventiva. Ninguém pode ficar preso de maneira antecipada com base em comoção social. Não houve respeito de princípio da inocência”, disse Pires.

Para o advogado, Dora Priante era “espalhafota” e que gostava de fazer “esse tipo de coisa”. “Ela é da turma da irmã Helena”, afirmou.

Irmã Helena Augusta Walcott foi uma importante liderança dos movimentos sociais de Manaus, responsável nos anos 90 por ocupações de áreas da cidade que resultaram em vários bairros, como Santa Etelvina e Monte das Oliveiras, na zona norte da cidade.

Indagado sobre as ameaças feitas por Adson à Dora Priante, conforme registro de boletins de ocorrência, o advogado disse que soube apenas que “eles se estranharam uma única vez”. “Isso aconteceu há dois anos, mas ela puxou o terçado para ele. Ele só puxou um ripão”, afirmou.

A reportagem quis saber em que Adson trabalhava, qual sua profissão. O advogado afirmou que seu cliente é motorista, mas não disse se ele possuía emprego. Pires informou que em 2010, Adson se candidatou a vereador por Iranduba. “No momento, ele atuava na associação, ajudando as famílias”, contou.

A Amazônia Real também perguntou sobre as vendas de lotes ilegais. O advogado negou que Adson vendia terrenos; apenas “negociava”.

“Ele negociava e pedia algum recurso para custear as ações da comunidade, como urbanização, poços. Eu não tenho conhecimento de que ele vendia”, contou.

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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