Depois de divergências, o cacique Mapu diz ainda que o ex-vereador Allison Lima (PR) quis ficar com dinheiro de índios e o apontou como autor de ameaças de morte, mas o político nega.
Em Plácido de Castro, cidade que fica a 103 quilômetros de Rio Branco (AC), na fronteira com a Bolívia, 25 indígenas da etnia Huni Kuin (também conhecidos como Kaxinawá) se estabeleceram no Parque Ambiental Municipal em agosto de 2015. Originários da Terra Indígena (TI) Kaxinawa Ashaninka do Rio Breu, que fica entre os municípios de Marechal Thaumaturgo e Jordão, na fronteira com o Peru, eles foram deslocados para o parque por ação de políticos, entre eles o ex-vereador Allison Lima (PR).
O objetivo foi tornar os Huni Kuin (em português significa homem verdadeiro) uma atração turística da cidade. No entanto, no mês de abril, divergências entre os indígenas e o ex-vereador provocaram um sério conflito, inclusive com ameaças de morte contra o cacique Mapu Huni Kuin. As ameaças foram registradas na polícia.
Em entrevista à agência Amazônia Real, o cacique Mapu Huni Kuin, 27 anos, diz que as divergências começaram, este ano, depois que o Allison Lima tentou controlar o dinheiro recebido pelos índios da prefeitura e exigiu que eles andassem nus na frente dos turistas, contrariando a cultura e os direitos indigenas.
“Depois do contato com o homem branco, passamos a usar roupas. Ainda temos nossas vestimentas tradicionais, não andamos sem roupa”, afirma o cacique.
Segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA), as vestimentas tradicionais dos Huni Kuin têm influência dos Incas. São vestidos compridos e com desenho ( keneya). Os indígenas usam cocar (maite), a maioria feita de penas brancas e penas vermelhas da cauda da arara. Nas costas, usam um adorno pendurado (hawenas), com penas de gavião e caudas feitas das penas do corpo de vários pássaros (kuxu dani ou hana dani).
Em Plácido de Castro, o Parque Ambiental fica no quilômetro 2 da estrada AC-475, que interliga a cidade ao município de Acrelândia. A reportagem esteve no lugar, que é formado por uma área de floresta, mas com partes já desmatadas. Para chegar até a entrada e o galpão que abriga os indígenas, é preciso estacionar o carro em uma área de recuo da rodovia e caminhar cerca de 50 metros a pé por um terreiro que, no período de chuva, vira lama.
Para o parque foram levados pelos políticos oito homens, quatro mulheres e 13 crianças Huni Kuin. O pajé José Pereira Kaxinawá, 49 anos, é quem recebe os turistas, alguns vindos do Chile, Argentina, Europa, Israel e Estônia. Plácido de Castro está localizado numa região estratégica da fronteira do Acre com a Bolívia, onde predomina o comércio de artigos importados.
No Parque Ambiental, os turistas vão em busca de rituais da cura de doenças por meio de ervas ou da ingestão do ayahuasca, um chá resultado da fervura do cipó-jagube (conhecido como mariri) com folhas de chacrona, diz o pajé.
O lugar não dispõe de água tratada ou de rede de energia. Os índios, quando precisam de água potável, buscam na casa de um vizinho do parque.
“Fiz um ofício há mais de um mês para a Eletroacre [atual Eletrobras] para que eles pudessem colocar luz. A iluminação ajudará na parte da segurança, porque fui ameaçado e no escuro é muito perigoso”, disse o cacique.
Apesar da precariedade, para a liderança é bom viver no Parque Ambiental, pois facilita os estudos dos jovens. Os indígenas Huni Kuin utilizam um galpão como moradia comunitária. A alimentação é feita em um fogão a lenha improvisado. Eles aproveitam uma área desmatada para o plantio de subsistência.
“Se é bom viver neste espaço, vai ficar melhor ainda com eletricidade. É um lugar bom, tranquilo, espaço de terra que fazemos nosso plantio e tudo cresce. Já plantamos macaxeira, milho, banana, inhame, taioba e amendoim”, comemora Mapu.
O convite da atração turística
Além do ex-vereador Allison Lima (PR), apoiaram o deslocamento dos índios Huni Kuin da aldeia para o Parque Ambiental outros políticos de Plácido de Castro, incluindo o ex-prefeito do município, Luiz Pereira (que à época era do DEM, hoje está no PSDB).
O cacique Mapu Huni Kuin disse à agência Amazônia Real que em um encontro com o ex-prefeito, ele contou que a área de 24 hectares estava abandonada, sendo utilizada como motel, depósito de lixo e ponto de usuários de drogas. Luiz Pereira foi prefeito de Plácido de Castro de 1989 a 1992, e de 1997 a 2000.
“O ex-prefeito Luiz Pereira estava de passagem no hotel em que eu estava hospedado. Ele puxou conversa comigo e perguntou se eu era boliviano. Falei que sou índio. Ele falou do Parque Ambiental criado por ele e que estava abandonado. Na hora nem liguei porque estava casado com outra mulher e morando em um terreno muito grande, onde eu e meus parentes vivíamos. Quando me separei, ocorreu-me que poderia pedir apoio para nossa mudança para o parque. Então fui procurar o ex-vereador Allison [Lima do PR]”, explica o cacique.
Mapu Huni Kuin afirmou que, na época do pedido de apoio aos políticos, o ex-vereador Allison Lima era diretor municipal de Cultura e intermediou o deslocamento dos índios da terra indígena para o parque com o atual prefeito Roney de Oliveira Firmino (PR).
“Para que eles pudessem permitir nossa vinda para o parque, ele fez um acordo para a gente votar nele [Alisson] e no prefeito [Roney]. Assim prometeram ajudar a gente. Esse acordo a gente vai cumprir”, afirma.
Vereador quis índios nus e dinheiro
Com o acordo fechado, segundo Mapu Huni Kuin, os indígenas Elimar Henrique Kaxinawa e Ocimar Henrique Kaxinawa passaram a receber salários pagos pela prefeitura como vigias para cuidarem da área do Parque Ambiental.
O cacique explicou que as divergências começaram depois que o vereador Allison Lima tentou controlar o dinheiro recebido pelos índios da prefeitura e exigiu que eles andassem nus na frente dos turistas.
“Ele [o ex-vereador] queria ficar com o dinheiro sob a alegação de usar para a compra de alimentos. Ele queria chamar mais parentes para morar em Plácido de Castro. Queria obrigar todos a andarem nus para os turistas, o que não existe, porque, depois do contato com o homem branco, passamos a usar roupas. Ainda temos nossas vestimentas tradicionais, não andamos sem roupa”, afirmou o cacique.
Para Mapu, a permanência dos indígenas no Parque Ambiental acabou virando um caso de polícia no último dia 21 de abril. Ele afirma que foi ameaçado de morte quando voltava da escola, onde cursava o primeiro módulo do ensino médio do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“Estava empurrando minha bicicleta e esperando que meu sobrinho pudesse se aproximar porque ele estava logo atrás, quando esse carro [preto] freou e um dos homens acabou gritando que eu iria morrer. No dia seguinte, preferi não ir para a escola, mas meu sobrinho foi, e o mesmo carro preto acabou parando ele já próximo do parque. Eles pararam meu sobrinho e ficaram me procurando, então foram embora porque não me encontraram”, afirmou o cacique Mapu.
Depois da ameaça, o cacique diz que foi aconselhado por Ninawa Huni Kui, presidente da Federação dos Povos Huni Kui do Acre (Fephac), pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo assessor especial dos povos indígenas do governo do estado, Zezinho Yube, a não retomar a rotina entre a escola e sua casa.
“Depois da ameaça e do meu sobrinho ter sido parado pelos mesmos homens, resolvi procurar a delegacia para registrar o caso. Também falei com a Funai, com o Ninawa e o Zezinho que me aconselharam a não retornar mais para a escola até que o problema seja resolvido”, afirmou.
O cacique Mapu apontou como possível mandante das ameaças o ex-vereador Allison Lima. “Suspeito de Allison ter feito as ameaças, porque ouvi dele muitas coisas. Como eu deveria sempre fazer tudo que ele mandasse, mas me recusei e nossas divergências começaram. A partir de nossas divergências, ele tentou me tirar de cacique, proibiu que a gente fizesse o plantio na área e até proibiu eventos no parque. Mas não aceitamos. Até que no dia 21 de abril fizemos uma comemoração ao Dia do Índio, reunindo os vizinhos próximos e algumas pessoas da cidade”, disse.
Ex-vereador nega as denúncias
Procurado pela agência Amazônia Real, Allison Lima negou a denúncia de ameaça de morte ao cacique Mapu Huni Kui, e prometeu processá-lo. No entanto, o ex-vereador confirmou que obteve a autorização do deslocamento dos índios para o Parque Ambiental, pois “desejava explorar a cultura indígena como uma forma de atração turística no município”.
“Foi minha a ideia de colocar os índios no Parque Ambiental. Nosso projeto era utilizar os índios para trazer turistas para Plácido de Castro, porque, atualmente, o nosso maior atrativo para os visitantes é a Vila Evo Morales, que fica do lado boliviano, mas, com a crise econômica, o movimento de clientes caiu, então a pretensão era usar os índios como atração, o que acabou não ocorrendo por divergências”, afirmou Allison Lima.
Puerto Evo Morales, que fica na região da Zona Franca do Departamento de Pando, está na fronteira de Plácido de Castro com a Bolívia. As duas cidades são separadas por uma ponte improvisada de madeira sobre o rio Abunã. No local, são vendidos produtos importados que atraem sacoleiros e turistas interessados em artigos como bebidas, eletrônicos e perfumes.
O ex-vereador Allison Lima confirmou, ainda, que pediu os salários pagos aos índios, contratados como vigias da prefeitura, para comprar mantimentos.
“Com o dinheiro recebido da Prefeitura de Plácido de Castro compramos mantimentos para os índios, mas não os obriguei a andar sem roupa e também não ameacei de morte o cacique. Vou processar o cacique”, afirmou Lima.
Sobre a questão das roupas dos índios, o ex-vereador Allison Lima diz que desconhecia a cultura deles e pediu, por meio de ofício em novembro de 2015, a visita de um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) na área do parque. “O órgão não se manifestou sobre o caso até o momento”.
Diante das acusações e da falta de um acordo, o prefeito também não teria interesse em manter os Huni Kui no parque, segundo Allison Lima. “Não queria que os índios andassem nus, mas com as roupas adequadas para os costumes deles, por isso chamei a Funai e o servidor do órgão disse que eu não poderia segurar o dinheiro para comprar os mantimentos e que eles deveriam fazer uso como eles quisessem”, relatou, mostrando fotos no celular de como seriam essas roupas.
Lima diz que as supostas ameaças são uma invenção do cacique ou uma tentativa de incriminá-lo. “Depois dos desentendimentos, ele [Mapu] criou essa ameaça de morte, porque ele sabe que eu tenho um carro preto. Então ele fez isso para me atingir, pois eles querem continuar na terra, mas o prefeito [Roney Firmino] acenou que não levará adiante o projeto porque o idealizador fui eu, e acabei me afastando com a intensão de ser candidato a vereador”, afirmou Allison Lima.
A reportagem da agência Amazônia Real procurou a sede da Funai no Acre e também sua assessoria de imprensa, em Brasília, para comentar as denúncias do cacique Mapu Huni Kui e a situação dos indígenas no Parque Ambiental, mas o órgão não respondeu à solicitação de entrevistas com os servidores que cuidam do caso.
A coordenadora da Delegacia de Polícia Civil de Plácido de Castro, delegada Lucélia Dias Feliz Martins, foi procurada pela agência Amazônia Real. Por meio da assessoria de imprensa, ela disse que não conseguiu identificar os supostos autores das ameaças contra o cacique. A delegada ainda explicou que o líder indígena não conseguiu reconhecer os suspeitos por meio de fotos e vídeos.
A reportagem também procurou o ex-prefeito de Plácido de Castro, Luiz Pereira, mas, segundo sua assessoria, ele está em tratamento de saúde em São Paulo.
Governo pede solução ao prefeito
Sem um acordo formal de utilização do Parque Ambiental, o povo Huni Kuin encaminhou um ofício à Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Sejudh), provocando uma reunião que foi organizada no último dia 5 de maio. O encontro, realizado na Câmara Municipal, teve a presença da Polícia Federal, Polícia Civil, Funai, de vereadores e do prefeito Roney de Oliveira Firmino (PR).
Segundo o secretário de Direitos Humanos, Nilson Mourão, a reunião teve o objetivo de buscar uma mediação no conflito e para cobrar uma posição da prefeitura sobre o caso.
“Na reunião, o prefeito prometeu um estudo que busque a manutenção dos Kaxinawá [Huni Kuin] no Parque Ambiental. Um projeto de lei deverá regulamentar a exploração do espaço”, diz o secretário Mourão.
A reportagem da Amazônia Real procurou o prefeito Roney de Oliveira Firmino para falar sobre o deslocamento dos índios Huni Kuin para o Parque Ambiental e a permanência do grupo no local, mas o gestor não atendeu as solicitações de entrevistas nem tampouco as ligações realizadas para o gabinete da prefeitura. Ele também não foi achado em sua residência na cidade.
Segundo estudo da organização Instituto Socioambiental (ISA), os índios Huni Kuin, também conhecidos como Kaxinawá, habitam a fronteira brasileira-peruana na Amazônia ocidental. No Brasil, eles somam 7.535 pessoas e vivem no Acre e sul do Amazonas, tendo as aldeias nas regiões do Alto Juruá e Purus e no Vale do Javari.
Os Huni Kuin pertencem à família lingüística Pano. “Os grupos Pano designados como nawa formam um subgrupo desta família por terem línguas e culturas muito próximas e por terem sido vizinhos durante um longo tempo. Cada um deles se autodenomina huni kuin, homens verdadeiros”, diz a pesquisa.
No Acre, a Terra Indígena (TI) Kaxinawá Ashaninka do Rio Breu, com 31.277 hectares, está localizada entre os municípios de Marechal Thaumaturgo e Jordão, na fronteira com o Peru.
Procurado pela Amazônia Real, um dos líderes da etnia, Assis Kaxinawá, concorda com a permanência dos 25 Huni Kuin no Parque Ambiental de Plácido de Castro. Ele é presidente da Organização dos Agricultores Kaxinawá da Terra Indígena Colônia, no município de Tarauacá.
“No passado eles [brancos] expulsaram a gente de nossa terra. Essa é uma terra [Plácido de Castro] muito grande, muito rica. Eles [os Huni Kuin] querem criar uma aldeia no parque. Nós vamos conversar com as autoridades para eles continuarem lá”, disse.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.