Pesquisa revela detalhes sobre as propriedades das partículas de aerossóis da Amazônia e aponta para impactos causados pela poluição em Manaus.
As primeiras medições sobre o impacto da cidade de Manaus no funcionamento do ecossistema amazônico trouxeram resultados surpreendentes. O experimento, fruto de uma colaboração internacional entre pesquisadores de Brasil, Estados Unidos e outros países constatou que partículas de aerossóis na atmosfera amazônica são constituídas majoritariamente por partículas líquidas, e não sólidas, como esperado. A natureza das partículas auxilia nos processos de formação de gotas de nuvens. Graças à descoberta, será possível fazer previsões mais precisas sobre as chuvas na região. A iniciativa trouxe ainda informações importantes sobre os impactos da urbanização da zona metropolitana de Manaus na atmosfera da floresta amazônica.
Partículas de aerossóis são componentes da atmosfera responsáveis pela formação de nuvens e parte do controle da radiação solar que chega à superfície terrestre. Com base em levantamentos anteriores realizados em florestas boreais, modelos climáticos consideravam que essas partículas eram sólidas na região amazônica. No entanto, o estudo publicado em dezembro na revista Nature Geoscience mostra que o estado físico dos aerossóis na Amazônia é 80% líquido.
Segundo o trabalho, a diferença deve-se a várias razões, entre elas a umidade relativa do ar, bastante elevada na região. Outros fatores que influenciam o estado das partículas são os compostos orgânicos voláteis que as formam. Em florestas boreais, os compostos orgânicos voláteis que formam as partículas são majoritariamente terpenos, enquanto, na Amazônia, as partículas são formadas a partir do isopreno.
A liquidez das partículas interfere diretamente na atmosfera amazônica e é responsável por um funcionamento mais dinâmico se comparado a locais com maior concentração de partículas sólidas, como as florestas boreais da Finlândia. “As reações químicas que acontecem entre uma partícula líquida e a atmosfera são mais eficientes do que em fase sólida. A dissolução dos compostos é mais rápida e, como os componentes são solúveis, são mais eficientes para formar gotas de nuvem”, explica o físico brasileiro Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), que participou do estudo.
Influência da urbanização
O levantamento sobre os aerossóis faz parte do projeto GoAmazon2014/15, voltado à compreensão dos efeitos da urbanização da zona metropolitana de Manaus na atmosfera amazônica. Para avaliar a composição física das partículas, foram realizadas coletas em diferentes pontos do estado do Amazonas: alguns em áreas remotas livres de poluição, entre 50 e 120 quilômetros ao norte de Manaus, outros no município de Manacapuru, área urbana localizada 110 quilômetros a sudoeste da capital. A conclusão foi que a fração de partículas sólidas aumentou quando houve contato com a poluição.
Para chegar a este resultado, os especialistas utilizaram um jato de partículas com amostras de aproximadamente 50 a 150 nanômetros (tamanho aproximado de um décimo de um fio de cabelo) e dois detectores regulados de acordo com a umidade relativa do ar na região. Como as partículas líquidas têm maior aderência ao colidir com uma superfície, o estudo comparou as partículas que permaneceram na superfície do primeiro detector e aquelas que ricochetearam e bateram no segundo detector – sendo, portanto, sólidas. “O que medimos foi a razão entre as partículas que ricocheteavam versus as partículas originais [que aderiram ao primeiro detector]. Com isso sabemos qual fração das partículas originais eram efetivamente líquidas”, detalha Artaxo.
A explicação para a diferença de estado físico das partículas aerossóis dentro e fora do ambiente urbano está relacionada aos gases orgânicos envolvidos em sua emissão. “Como as fontes emissoras são distintas, várias propriedades das partículas são alteradas: composição química, tamanho, forma, fase, e, consequentemente, suas propriedades ópticas, isto é, como elas interagem com a radiação solar”, afirma a física Márcia Yamasoe, do Departamento de Ciência Atmosféricas da USP, destacando que a frota veicular movida a diesel é a principal fonte de emissão sólida destas partículas na atmosfera – um dado preocupante, já que o ritmo de urbanização na região amazônica não dá mostras de desaceleração. Se a poluição será grande o suficiente para alterar a formação de nuvens e a dinâmica das as chuvas? Só o tempo dirá.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Ciência Hoje e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.