Em 21 dos 62 municípios a situação do fogo é crítica, inclusive, com registro de animais em extinção mortos. Manaus amanhece com névoa forte da fumaça.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou em setembro deste ano um recorde desanimador de queimadas e incêndios florestais no Estado do Amazonas para os programas públicos do desmatamento ilegal zero na Amazônia. Foram detectados de 1º. ao dia 30 , 5.882 focos de fogo no Estado. Isso representa um aumento de 95% em relação a todo o mês de setembro do ano passado, que foi 3.057 focos. Também é o maior em 17 anos do monitoramento realizado pelo Inpe no Amazonas.
No acumulado anual, de janeiro a setembro, o Inpe detectou 11.040 focos no Amazonas, um crescimento de 49% em comparação ao igual mesmo período de 2014, quando 7.401 focos foram registrados.
Os dados do desmatamento do mês de setembro de 2015 ainda não foram divulgados pelo Inpe. Mas em agosto, quando a temporada do fogo começou, o monitoramento realizado pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) detectou 415 quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia Legal. O desmatamento se concentrou no Pará (36%), seguido por Mato Grosso (28%), Amazonas (17%), Rondônia (8%), Roraima (5%), Tocantins (5%) e Acre (1%).
O monitoramento de queimadas e incêndios florestais do Inpe é realizado com imagens de satélites. As informações são comunicadas diretamente às brigadas de combate de fogo no país. No infográfico abaixo (click nele para ampliar) o instituto mostra o aumento dos focos de fogo no Amazonas, em 2015.
O chefe do Centro de Operações do Corpo de Bombeiros do Amazonas, major Clóvis Junior, disse à agência Amazônia Real que as queimadas e os incêndios florestais são mais críticos nos municípios de Anori, Anamã, Coari, Caapiranga e Manaus. Para essas regiões foram deslocadas equipes para apagar 310 incêndios florestais e urbanos desde o mês de setembro deste ano.
Já o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) incluiu na lista de registros de focos de fogo os municípios de Lábrea, Humaitá, Canutama e Manicoré, no sul do Estado. A agência Amazônia Real recebeu relatos a respeito de fogo em floresta, inclusive com mortes de animais em extinção, nos municípios de Careiro, Autazes, Iranduba, Rio Preto da Eva, Manaquiri e Novo Airão.
Segundo o Inpe, há focos também em Manacapuru, Boca do Acre, Careiro da Várzea, Itacoatiara, Presidente Figueiredo e Maués. Dos 62 municípios amazonenses, em pelo menos 21 há fogo
A maior parte das operações dos bombeiros se concentrou em Manaus, a capital da floresta tropical mais preservada do mundo e que vai sediar os Jogos Olímpicos.
Segundo o major Clóvis Junior, foram apagados 216 incêndios em vegetação de área urbana, 68% a mais do que registrado em setembro de 2014, que foi de 148 focos.
Foi no mês de setembro que a capital amazonense enfrentou a temperatura mais quente em 90 anos, período em que é feito o monitoramento do clima. O Instituto de Nacional de Meteorologia (Inmet) diz que no dia 21 de setembro o calor foi de 39,0°C. A sensação térmica deste dia ficou em 40,2°C. Em algumas áreas da cidade, a sensação foi superior.
Nesta quinta-feira (1º. de outubro) Manaus, com cerca de 2 milhões de habitantes, amanheceu sob uma forte névoa por consequência das queimadas e incêndios florestais, o que compromete a qualidade do ar. Esta mesma situação já aconteceu nos anos de 2014, 2010 e 2009, quando foram registradas secas grandes nos rios Negro e Solimões.
Segundo o major Clóvis Junior, a situação se agravou devido a temperatura alta e a estiagem de chuvas. Os ventos espalham o fogo, aumentando a fumaça. “A população tem a cultura de limpar o terreno e tocar fogo nas folhas e lixo, isso provoca os incêndios e a fumaça”, disse o chefe de Operações do Corpo de Bombeiros.
Apesar do fogo apagado pelos bombeiros em Manaus, o pesquisador do Inpe Alberto Setzer, coordenador do Programa de Monitoramento de Queimadas/Incêndios, disse que a capital Manaus registra sim o maior índice de fumaça no Amazonas, mas a grande parte dela vem dos municípios vizinhos.
“Em relação a Manaus, o que se vê é que as queimadas estão concentradas a leste, ao sul e a oeste de Manaus. O município em si não está com muito problema (de queimadas/incêndios florestais). São os vizinhos que estão com essa situação. São eles, Careiro, Manacapuru e Careiro da Várzea”, disse o pesquisador.
Outubro continuará quente por causa do El Niño
O meteorologista Gustavo Ribeiro, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Amazonas, confirma o agravamento da estiagem em grande parte da Amazônia por causa do fenômeno climático El Niño, que é o aquecimento anômalo das águas superficiais e sub-superficiais na região Equatorial do Oceano Pacífico.
Ele diz que o fenômeno causa uma modificação da circulação dos ventos, dificultando a formação de nuvens em grande parte da região. “Com isso, mais radiação solar atinge a superfície terrestre e mais elevadas temperaturas do ar são registradas”, afirmou Ribeiro.
Em Manaus, segundo o meteorologista, as chuvas acumuladas no mês de agosto deste ano corresponderam apenas 10,7 milímetros, sendo considerado um mês seco. O normal seria se chovesse entre 32 mm e 58 mm. Em setembro o clima foi extremamente seco, diz. De 1º. até o dia de 28, o acumulado foi de 15,8mm (normal entre 43 e 83 mm). Para o mês de outubro, a previsão média de chuvas é de 75 mm e 134 mm.
“O calor seguirá no mês de outubro, pois a previsão indica chuvas abaixo da média, o que resultará em temperaturas acima do normal”, afirmou o meteorologista Gustavo Ribeiro, do Inmet.
Com relação o clima em Manaus, Ribeiro disse que a inversão térmica não gera fumaça ou qualquer outro tipo de poluente. “Provavelmente as queimadas nas redondezas de Manaus é a fonte de tanta fumaça hoje na capital amazonense”, disse. A inversão térmica é um fenômeno climático que ocorre quando o ar frio (mais denso) é impedido de circular por uma camada de ar quente (menos denso), provocando uma alteração na temperatura.
População relata o fogo no Amazonas
As queimadas e incêndios florestais na floresta amazônica pelo uso indiscriminado do fogo provocam sérios prejuízos à fauna e flora, reduz a cobertura vegetal, diminuiu a fertilidade do solo e compromete a qualidade do ar. A saúde da população é afetada, principalmente por doenças respiratórias.
O fotógrafo Chico Batata registrou um crime ambiental gravíssimo. As mortes de animais em extinção por causa das queimadas e incêndios florestas no entorno da BR 319, entre os municípios de Autazes e Manaquiri. A rodovia federal liga Manaus a Porto Velho (RO). “Acompanhei a agonia de tamanduá, que morreu. E a agonia de uma preguiça atravessando a estrada por causa das queimadas. Pude presenciar muito moradores tocando fogo a noite, que acabou ocasionando o incêndio desordenado na BR 319”, afirmou Chico Batata.
O empresário italiano Angelo Pescetto é proprietário de uma pousada no Lago do Mamori, no município de Careiro, a 24 quilômetros de Manaus, região de influência da BR 319. Ele diz que a natureza na região é “encantadora”, mas este ano as queimadas no entorno estão gravíssimas.
“O paredão da fumaça é do tamanho que nem sequer dá para enxergar a casa e as árvores a 70 metros. O meu pensamento se dirige às autoridades que não produzem a mínima intervenção ou por total desacato ou por ignorância ambiental ou por cumplicidade com poderes superiores que agem por pura ganância”, disse Pescetto.
A agência Amazônia Real também recebeu um relato sobre os incêndios florestais no município de Lábrea, a 702 quilômetros da capital, no sul do Amazonas, na fronteira com Rondônia. O depoimento é da antropóloga Oiara Bonilla, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). No dia 14 de setembro ela viajou de avião de Porto Velho (RO) para trabalhar na Terra Indígena Paumari, em Lábrea, e presenciou o seguinte:
“Vimos uma gigantesca nuvem de fumaça que cobria Rondônia. Avistei com espanto na ida, quando sobrevoei a região. A visibilidade lá de cima era quase nula. Nuvem de fumaça encobria toda a região de Porto Velho. O cheiro é de incêndio mesmo. Não se vê o sol, completamente encoberto pela fumaça. Floresta não tem mais não. Em 2002, ela terminava na divisa do Amazonas com Rondônia formando quase um muro verde. Hoje termina ali logo após a bifurcação de Humaitá, ainda no Amazonas. A única coisa que se vê em pé são bois, uma plantação de açaí e outra, extensa, de eucalipto”, disse Oiara Bonilla.
Órgãos ambientais dizem que combatem as queimadas
A agência Amazônia Real procurou os órgãos ambientais para comentar a ocorrência dos incêndios florestais e queimadas no Amazonas.
Em Manaus, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) disse, por meio da assessoria de imprensa, que registrou queimadas na Área de Proteção Ambiental do Tarumã Ponta Negra, que fica na zona oeste da cidade. “Os registros de queimadas estão ligados às invasões, às quais aguardam reintegração de posse”, disse nota enviada pela Semmas.
Já nas Unidades de Conservação não houve registros de fogo, segundo a Semmas. O órgão afirmou que faz um monitoramento constante pela Diretoria de Áreas Protegidas em relação à Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé. Na reserva a população ainda tem a cultura do preparo do solo para plantio de roçado por meio da queima, o que coloca em risco a integridade da floresta.
“Essa prática não é autorizada e a gestão da reserva faz o monitoramento constante, principalmente, neste período seco”, disse a nota enviada pela Semmas.
Também por meio de nota à imprensa, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) informou que atua no monitoramento das queimadas, principalmente, no interior do Estado. Segundo o instituto, uma equipe está há mais de 15 dias nos municípios de Humaitá, Lábrea, Canutama, Manicoré, no sul do Amazonas, realizando ações.
“A presença do Ipaam nessas áreas é para coibir e prevenir ações de queimadas provocadas. Em Manaus, o órgão atua em parceria com diversos órgãos, entre eles, o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil, a Polícia Militar na formação de um grupo integrado para combater esse tipo de impacto”, disse a nota do Ipaam, que destacou que a competência de apagar os incêndios é do Corpo de Bombeiros e das brigadas municipais.
O Ipaam disse ainda que atua com a educação ambiental e fiscalização para combater as queimadas provocadas que a população faz para limpeza de terrenos e o desmatamento. Com relação aos animais em extinção mortos devido ao fogo em áreas de floresta, o instituto afirmou que atua realizando o resgate deles. “Após, o resgate, os animais que são afetados de alguma forma pelo foco de queimada são encaminhados aos centros de triagem de animais silvestres do Ibama”, disse o Ipaam.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.