Climatologista José Marengo mostra preocupação por aumento de cheias extremas e variações na hidrologia da região amazônica.
A Amazônia Real também procurou um dos maiores nomes da pesquisa em clima do país, o meteorologista e climatologista José Marengo, para ele analisar a situação da Amazônia neste período. Ele é chefe de Pesquisa do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com sede no Estado de São Paulo. José Marengo afirmou que vem acompanhando as informações sobre a cheia na Amazônia com atenção. Marengo é reconhecido por seus estudos em alterações climáticas, aquecimento global, florestas e efeitos das chuvas na hidrologia da região amazônica. Leia entrevista abaixo:
Amazônia Real – Já se pode confirmar que a tendência, de fato, é o aumento de cheias de grandes magnitudes na Amazônia (pelo menos em algumas áreas) daqui por diante?
José Marengo – Eu não saberia dizer se (a cheia do rio Solimões) vai chegar a ultrapassar os valores de 1999. O que pode se afirmar é de que a tendência de extremos de chuvas, cheias e secas sejam mais intensos e frequentes. Houve secas em 1998, 2005 e 2010 (chamadas de secas do século) e depois enchentes em 1999, 2009, 2012 e agora 2014-15, mas em áreas diferentes da Amazônia. Ou seja, podem aumentar as secas e enchentes mais intensas e frequentes, não somente na Amazônia, mas em todo o mundo.
Amazônia Real – O senhor tem informações sobre as condições climáticas em países como Peru e Bolívia e sobre quais as causas de chuvas consideradas acima da média nesta área da Amazônia?
José Marengo – Eu não tenho dados, mas as chuvas intensas na Amazônia do Peru e Bolívia têm sido de fato as causas das enchentes no Acre, em 2014 e 2015, e também em anos anteriores. Tem chovido sim bastante no oeste da Amazônia do Brasil, mas a atmosfera não tem fronteiras e as chuvas no Alto Amazonas (Amazônia Andina Peru e Bolívia) têm impactos nas vazões dos rios como Madeira, Solimões e Acre e Branco. As chuvas da Amazônia Andina têm sido abundantes desde novembro de 2014 (e também 2013) e isso gerou enchentes no Acre no verão de 2014 e 2015. No Cemaden a gente avalia também as chuvas da Amazônia do Peru e Bolívia pois os nossos modelos hidrológicos consideram estes países, mas de forma operacional as previsões no Brasil não incluem dados de outros países. Por isso, sempre foi considerada a ideia de ter uma previsão de tempo, clima e hidrologia para toda a Amazônia, pois o que acontece na Amazônia baixa no Brasil tem como causas as chuvas na Amazônia alta (Bolívia, Peru e Colômbia).
Amazônia Real – Estas chuvas acima da média em determinadas áreas da Amazônia contrastam, por outro lado, com a realidade de outros Estados e regiões do país. Como podemos explicar essas diferenças climáticas em uma mesma região e país?
José Marengo – O clima regional é assim. Se chove numa área em excesso é porque em outras áreas não chove. Por exemplo, no verão de 2014, como consequência no bloqueio atmosférico sobre Brasil central e sudeste, as massas de ar úmidas que vêm da Amazônia não conseguiram chegar ao sudeste e foram desviadas para o oeste da Amazônia gerando chuvas intensas na Amazônia do oeste de Brasil, Peru e Bolívia. Assim mesmo, as frentes frias que vêm do sul e que geram chuvas intensas no sul do Brasil não chegaram ao sudeste e viraram para o oceano Atlântico sul e para o leste para Amazônia oeste, ajudando a gerar as chuvas intensas no oeste da Amazônia, na Bolívia.
Amazônia Real – Diante de condições climáticas e hidrológicas tão incertas, já se pode afirmar que estamos vivendo os efeitos das mudanças climáticas?
José Marengo – Nós estamos numa época de extremos mais intensos e frequentes, que poderiam estar associados a aquecimento global, mas está difícil de atribuir isso a mudanças climáticas causadas pelo ser humano.
– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.