Ativista dos direitos socioambientais, Dorothy pressionou por anos pela criação de uma área modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Morreu assassinada com seis tiros.

por Stefano Wrobleski

Dorothy-Stang1O assassinato de Dorothy Mae Stang completou dez anos. Irmã Dorothy, como era conhecida, morreu em 12 de fevereiro de 2005 aos 73 anos depois de ser atingida por seis tiros dentro de Esperança, uma reserva do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ativista dos direitos socioambientais, Dorothy pressionou por anos pela criação da área – um modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia. “Ela começou a irritar muita gente com isso”, lembra o Padre José Amaro Lopes de Souza, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que trabalhou com Dorothy por 15 anos.

Os 26 mil hectares que hoje perfazem o local ficam no município paraense de Anapu, a cerca de 600 quilômetros de Belém. Ali, 261 famílias extraem da floresta o que precisam e plantam em até 20% da área, mantendo um compromisso de manter os demais 80%. “A exploração é feita com a preservação da mata. O corte da madeira é feito só em um lugar e não é raso. Quando o agricultor volta para o segundo corte, a mata já está regenerada”, conta Gercino José da Silva Filho, ouvidor nacional agrário desde 1999.

O assentamento das famílias provocou um acirramento dos conflitos fundiários na região, que já eram intensos. Segundo estudo de 1999 do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Pará é um dos estados com o maior número de terras griladas no país, com cerca de 30 milhões de hectares em situação irregular – o que equivale a cerca de um quarto de toda a área do estado, de 124 milhões de hectares.

É o caso do lote 55 do PDS Esperança, uma área de três mil hectares que fica bem no centro do assentamento. Disputada por Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, como é conhecido, que alegava ter a posse do terreno. Foi lá que Irmã Dorothy foi assassinada pelos tiros disparados por Rayfran das Neves Sales (conhecido como “Fogaió”).

Mas Fogaió não estava sozinho. As investigações policiais concluíram que ele teve companhia de Clodoaldo Batista (apelidado de “Eduardo”) no momento do crime. Na Justiça, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que o assassinato havia sido encomendado. O pedido partira de Regivaldo e de Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida”, que também era fazendeiro da região. Eles usaram Amair Feijoli da Cunha, o “Tato”, para intermediar a ordem de assassinato.

“A gente já tinha sido avisado. Um homem havia nos ligado e contado que recebera a proposta de matar a Dorothy por R$ 50 mil e a mim por R$ 25 mil”, conta Padre Amaro. “Mas algo tocou o coração dele. Ele desistiu e nos contou”, emenda.

Na Justiça, todos os réus foram condenados, em um processo que ainda só não foi finalizado para Taradão, que tenta recorrer da sentença de 30 anos de reclusão decidida em 2010 por um júri popular. Ele ainda não foi preso. Ao longo de dez anos, três dos cinco acusados pelo assassinato de Irmã Dorothy passaram por dois ou mais julgamentos até as decisões finais, que condenaram todos a penas entre 17 e 30 anos de prisão.

Veja abaixo linha do tempo detalhada com as movimentações judiciais do caso

O assassinato de Dorothy é emblemático. Mesmo com a repercussão internacional que o caso teve, 167 pessoas foram assassinadas em zonas rurais no Pará, de acordo com dados da Ouvidoria Agrária Nacional. Ao menos 40 das mortes foram decorrentes de conflitos agrários. Outras 48 ainda estão sendo investigadas. Para Amaro, o governo precisa “arregaçar as mangas, fazer o assentamento, colocar a política voltada para o trabalhador”. “Aí o pessoal não fica à mercê desses grandes que ficam grilando”, conclui.

Além da grilagem de terras, outro elemento que torna o caso significativo e que também está ligado à violência no campo é a conexão entre Bida, acusado de ser um dos mandantes, e o trabalho em condições análogas às de escravos. Em 2004, oito meses antes do assassinato de Dorothy, Bida foi flagrado por equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho superexplorando 20 pessoas na Fazenda Rio Verde, de sua propriedade e também em Anapu.

Pelo caso, o fazendeiro foi incluído em 2006 na “lista suja” do trabalho escravo – um dos principais mecanismos de combate a este tipo de exploração, mantido pelo MTE e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e usado por empresas de diversos setores preocupadas com os impactos socioambientais dos produtos que produzem. Na esfera criminal, o Ministério Público Federal entrou com uma ação em 2007 para responsabilizar Bida pelo caso. Ainda não houve qualquer decisão. Se for considerado culpado, o fazendeiro pode pegar uma pena de dois a oito anos de detenção, além de multa.

O Pará é a unidade da federação com o maior número de trabalhadores resgatados de trabalho em condições análogas às de escravos, com 12,6 mil vítimas libertadas entre 1995 – quando o governo reconheceu a existência de escravidão contemporânea no Brasil – e 2013, segundo dados organizados pela ONG Repórter Brasil.

Bida ainda acumula multas por infrações ambientais. De acordo com matéria de 2005 do jornal Folha de S. Paulo, o fazendeiro foi multado em duas ocasiões pela destruição de mata nativa do lote 55 do PDS Esperança. Além disso, 33 motosserras suas, estimadas em R$ 55,8 mil, foram apreendidas.


O assassinato de Dorothy Stang trouxe visibilidade à região. Dez anos depois, com pressão dos assentados e de missionários que atuam na região, o Incra construiu casas e estradas para os trabalhadores: “Antes nem casa pra morar o pessoal tinha. Agora tem, com energia elétrica. Aconteceu alguma coisa de lá pra cá, mas [o Incra] é muito na base da enrolação”, diz o Padre Amaro. O órgão também instalou duas guaritas nas entradas da reserva para controlar a retirada ilegal de madeira: “Houve uma inibição aos madeireiros, mas os fundos ainda estão desassistidos”. O padre conta também que, nos últimos anos, os agricultores conseguiram a formação de técnicos para auxiliar com a roça.

O desmatamento em Anapu já chegou a níveis alarmantes. Em 2012, foi incluído em uma lista do Ministério do Meio Ambiente dos campeões de desmatamento. Entre 2009 e 2011, o município acumulou 6,1 mil quilômetros quadrados desmatados – mais da metade da área total de Anapu, que tem 11,8 mil quilômetros quadrados.

Confira abaixo o desmatamento na região. Ative a camada de dados do governo para ver também informações de 1971 a 1991 (IBGE) e de 2004 a 2014 (INPE – Prodes)

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