Pesquisa do Instituto Mamirauá comprova que estes animais são capazes de viver nas florestas alagadas durante os meses da cheia amazônica.

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Deslizar a remo durante horas pela Amazônia inundada em um silêncio absoluto é como flutuar na floresta. Os únicos barulhos que interrompem a sinfonia da selva é o farfalhar do remo entrando na água e o insistente bip do receptor de rádio anunciando que podemos estar muito próximos de uma onça-pintada. Provavelmente o animal monitorado já nos espreita do alto de uma figueira, mas avistar o maior felino das Américas camuflado na mata densa é uma missão para quem tem o olhar aguçado.

A espécie de “caça ao tesouro” na busca pelas onças-pintadas na maior floresta tropical do planeta faz parte da rotina dos integrantes da Jaguar Expedition. O roteiro de turismo científico foi desenvolvido pelo Instituto Mamirauá em meio a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de mais de um milhão de hectares, a 600 km de Manaus. Há 10 anos, pesquisadores do Instituto monitoram o comportamento das onças para desenvolver estratégias de conservação para o felino, uma das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. A população de 10 mil onças que vivem na Amazônia caiu 10% nos últimos 27 anos, em razão da fragmentação do habitat e desmatamento, segundo estudo recente.

Em Mamirauá, o habitat dos felinos é peculiar. Ali, ano após ano, um mar de água encharca 1,1 milhão de hectare de floresta com uma sazonalidade infalível – e sem espantar o maior predador da selva. Acostumadas a caminhar quilômetros pelas trilhas da floresta, nesse período conhecido como várzea (de maio a julho), as cerca de 500 onças que vivem na Reserva permanecem em cima de figueiras e tepuís de 20 a 30 metros de altura. À noite, enquanto boa parte da floresta descansa, elas saem para jantar. Para garantir o menu desejado, se fazem valer do olhar apurado, dos movimentos cautelosos e dos reflexos rápidos e certeiros. Exímias nadadoras, se servem de jacarés-tinga, ou escalam árvores para abocanhar macacos distraídos. Este comportamento é considerado inédito, pois nunca foi descrito em outras partes do mundo. O esperado é que durante as cheias, os felinos migrassem para áreas secas da floresta. “Mas Mamirauá é uma ilha, então uma espécie que vive aqui dentro, teria necessariamente que cruzar o Rio Amazonas toda vez que a água subisse”, explica o pesquisador Emiliano Esterci Ramalho que lidera o projeto de monitoramento dos animais.

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No rastro das panteras

À frente do Projeto batizado de “Iauretê”, o biólogo e sua equipe buscam responder questões básicas da ecologia da espécie para subsidiar as ações de conservação. O trabalho envolve entrevistas com os moradores das comunidades ribeirinhas de Mamirauá, análise de vestígios, como pegadas e restos de presas, e monitoramento através de colares de telemetria GPS/VHF. Para isso os pesquisadores precisam seguir os rastros dos animais durante o período da seca pelas trilhas de terra firme. Nessa época, fazem a captura dos animais que vão ser estudados durante um ano. Ao todo, oito onças já foram acompanhadas de perto pelos estudiosos que sobrevoam a floresta e obtêm as coordenadas dos animais com receptores de radio VHF. Só então, com dados aproximados sobre o lugar onde as feras estão zanzando, eles saem de barco pela selva adentro, remando entre a copa das árvores, já que durante as cheias a água sobe até 12 metros de altura. Com as informações levantadas, é possível analisar como a espécie usa o habitat, quais suas presas prediletas, se ela está se aproximando ou não das comunidades da reserva. “Quanto mais informações tivermos sobre a espécie, mais fácil será protegê-la”, explica Emiliano. Segundo o cientista, a descoberta sobre o comportamento das onças de Mamirauá reforça a importância da preservação das florestas de várzea para a conservação dos felinos.

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Expedição e avistamento

A partir deste ano de 2014, os visitantes da reserva são convidados a encarar com os pesquisadores a aventura de adentrar a selva alagada em busca das panteras. O pacote turístico que inclui as saídas para avistamento é organizado pela Pousada Uacari. A uma hora de barco da cidade de Tefé, Amazonas, a hospedagem conta com cinco bangalôs que flutuam em um braço de lago e é gerida pelo Instituto Mamirauá em parceria com moradores da reserva. A proposta do projeto é gerar renda para as comunidades locais, para melhorar a convivência entre a onça e os ribeirinhos. A caça por retaliação é um dos principais riscos para a espécie na Amazônia, pois o abate das onças ainda é comum como forma de proteger os rebanhos de porcos e vacas de ataques dos felinos.

Todos os integrantes da expedição participam da experiência de encontrar os animais. Quando o bip apita pela primeira vez, o desafio é decifrar de onde o som está vindo e tentar encontrar um caminho por entre galhos e troncos caídos para tentar seguir o som do receptor. Quando mais perto, mais intenso o apito. O clima é de suspense. Quase ninguém fala e qualquer barulho é suspeito. O encontro de fato pode acontecer em poucos minutos depois de horas, a depender do nível de interferência que os obstáculos da mata produzem sobre os rádios. A obstinação, porém, não costuma ser em vão. Só quem já fitou uma onça pintada sabe como é difícil desviar dos olhos hipnotizantes da fera. Nem mesmo seus músculos torneados ou suas presas afiadas despretensiosamente exibidas em um bocejo parecem tão fortes quanto seu olhar. Para os mais ousados, encarar o bicho que está no topo da cadeia alimentar da maior floresta tropical do planeta é sinal de sorte.

“Queremos provar que a onça pode trazer também benefícios financeiros para as pessoas que vivem aqui” diz Emiliano. Além de se engajarem na expedição como guias ou funcionários da pousada, os ribeirinhos são beneficiados com a destinação de uma porcentagem do valor do pacote turístico para a associação de moradores que representa as comunidades de Mamirauá.

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Esta matéria foi originalmente publicada no O Eco e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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