Engajamento para ciência na Amazônia vai do analógico ao digital, mostraram 15 ONGs reunidas no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação.

Engajamento para ciência na Amazônia vai do analógico ao digital, mostraram 15 ONGs reunidas no Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Foto acima: Quase 100 colaboradores de 15 organizações parceiras apresentaram suas experiências no IX CBUC, sob a mediação da jornalista Maria Zulmira. Foto: Eduardo Engelbrecht

Por Thadeu Melo

O Espaço Amazônia do IX Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), realizado em Florianópolis (SC), semana passada, foi um verdadeiro escritório compartilhado por 15 organizações que atuam na conservação do bioma. Durante os três dias do encontro, foram apresentadas plataformas digitais, aplicativos para celular e publicações que buscam envolver a sociedade em ações de proteção ambiental.

A participação social é o fio condutor de iniciativas em apoio a áreas protegidas, gestão, comunicação, monitoramento e pesquisas sobre biodiversidade, clima e florestas. No espaço, estiveram presentes as organizações Imazon, FVA, Ipam, Imaflora, Instituto Mamirauá, Kanindé, Idesam, ISA, IPÊ, Funbio, IEB, WCS, WWF e WHRC. Todas trabalham com o apoio da Fundação Gordon e Betty Moore.

Cristina Tófoli (à direita) coordena a equipe do Projeto de Monitoramento Participativo da Biodiversidade realizado pelo IPÊ em 17 UCs da Amazônia. Foto: Eduardo Engelbrecht

“Onde as pessoas estão e onde usam os recursos, o território é delas e elas são parceiras da conservação”, diz Cristina Tófoli, gerente do Projeto de Monitoramento Participativo da Biodiversidade do Institutos de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), um dos esforços mais amplos na Amazônia. Realizado em 17 áreas protegidas do bioma, o monitoramento conduzido pela organização, em parceria com o ICMBio, já treinou mais de 200 representantes locais para a coleta de dados sobre aves, mamíferos, borboletas, árvores e quelônios.

Feita em fichas de papel, a coleta passará a ser realizada por meio de um aplicativo para celular, que já está desenvolvido e será de uso exclusivo dos monitores e pesquisadores do projeto. A experiência reunida entre de 2013 e 2017 foi sistematizada e apresentada na publicação Monitoramento Participativo da Biodiversidade – Aprendizados em Evolução: a teoria na prática, lançada durante o IX CBUC.

“A participação de comunidades na coleta de dados é super importante para a pesquisa no território amazônico, não só pelos dados, mas porque ela serve para as pessoas entenderem o que nós estamos fazendo lá e porque é positivo para todos colaborar com a Ciência e a conservação”, diz Gina Leite, gerente do Programa Ciência Cidadã para a Amazônia, da WCS. Apresentado pela organização, o aplicativo Ictio é a iniciativa caçula entre todas as levadas pelo grupo ao CBUC, mas também uma das mais ambiciosas.

Lançado ao público há duas semanas, o APP já conta com mais de 40 grupos engajados para participar da iniciativa que visa conhecer mais sobre a migração dos peixes amazônicos. Nesta versão, serão monitoradas 20 espécies de peixes importantes para a alimentação e economia da região. De uso gratuito, o APP pode utilizado em celulares Android (versão 5.0 ou superior) e utilizado por qualquer pessoa, seja durante ou depois da pesca na região.

Foto: Eduardo Engelbrecht

“A gente acredita que não são só os cientistas que são capazes de fazer ciência. Toda pessoa se pergunta, é curiosa e, se você é capaz de dar o estímulo certo, essas pessoas florescem de uma maneira espetacular”, diz Marina Campos, gerente de programa da Iniciativa Andes-Amazônia da Fundação Gordon e Betty Moore.

“Tenho certeza de que esse projeto da WCS vai, não só trazer conhecimento técnico para as pessoas, mas vai desenvolver vários talentos nessa região”, completa.

Para Raimundo Queiroz, presidente da Colônia de Pescadores Z-23, de Alvarães (AM), o Ictio deverá ter impacto direto na organização dos trabalhadores da pesca na região de Mamirauá, onde atua. “Pelo aplicativo, vamos poder lançar no sistema os dados de pesca de qualquer pessoa, tendo mais base e informação para fazer o manejo pesqueiro na região”, conta Raimundo, que conhece há quase duas décadas a iniciativa mais bem-sucedida de participação social para a conservação de uma espécie na Amazônia.

Inspiração gigante

O manejo do pirarucu na região de Mamirauá já é consagrado como uma parceria exemplar entre os conhecimentos tradicionais e os científicos. Iniciado em 1998, o esforço para reduzir a pressão sobre a espécie foi conduzido pelo Instituto Mamirauá, mas é inteiramente dependente do saber local de como contar a quantidade de pirarucus presentes em um lago.

“Pelo som da boca do peixe, quando ele sai para respirar, dá pra saber o tamanho e se ele tem mais de 1,5 metro, que é o tamanho mínimo permitido para captura”, explica Raimundo. Sabendo-se o número total de peixes adultos nos lagos da região, são estabelecidas cotas para cada comunidade pescar, consumir e vender. Em 2017, foram capturadas cerca de 650 toneladas de pirarucu, o equivalente a 15 mil unidades.

“Se não tivesse a preservação, a gente não teria mais esses peixes, porque o pirarucu estava quase extinto ali”, lembra Raimundo.

No futuro, o uso de drones e algoritmos de identificação visual poderá otimizar o processo de contagem, que envolve diversas pessoas ao longo dos meses de agosto a cada ano. Por enquanto, o manejo do pirarucu de Mamirauá continuará dependendo do conhecimento local e da capacitação  de novos contadores, realizada em parceria com as equipes de técnicos e pesquisadores. A história dessa parceria também virou um livro digital lançado no CBUC: O gigante amazônico: manejo sustentável do pirarucu.

Conservação e comunidades
Os bons resultados do manejo do pirarucu ajudaram Rodrigo da Silva Pinto, jovem representante da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, a convencer sua comunidade a adotar o Ictio. “O aplicativo é muito simples, bem interessante, não é difícil. Em dois treinamentos, eu já sabia tudo: como organizar os dados, como indicar a espécie, o peso do animal, quantos indivíduos, tudo isso de forma simples”, conta. “O medo de algumas pessoas era que fosse utilizado para fiscalização, mas eu expliquei que é um trabalho pra levantar dados para entender a dinâmica das espécies no rio Solimões. São dados que os pesquisadores precisam ter para poder contribuir com o aumento dos estoques de peixes nos rios”, explica.

Monitor da biodiversidade, Zeziel Silva mostra publicação que reconhece seu trabalho na Flona do Jamari, em Rondônia. Foto: Eduardo Engelbrecht

O fato de o aplicativo ter sido apresentado para a comunidade por um de seus membros não é trivial, uma vez que “um dos grandes desafios das iniciativas de participação social é promover a participação real da comunidade, com real pertencimento aos projetos, e que a comunidade possa se apropriar da informação para fazer o manejo de seus próprios recursos no dia a dia, no cotidiano”, como conta Cristina, do IPÊ.

Com 10 anos de implantação, o Sistema de Monitoramento de Uso de Recursos Naturais no Rio Unini (SiMUR) é referência no envolvimento de comunidades para manejo de seus próprios recursos. Contemplando cerca de 200 famílias moradoras do rio Unini, no Amazonas, o sistema surgiu da necessidade de acompanhar o uso de recursos como castanha-da-amazônia, cipós, quelônios, peixes e aves, de acordo com os levantamentos e zoneamentos definidos no plano de manejo do Parque Nacional do Jaú.

Desenvolvido pela Fundação Vitória Amazônica (FVA), o SiMUR é uma das iniciativas mais detalhadas de uso de recursos por comunidades locais. Mensalmente, monitores capacitados visitam as casas das famílias que participam voluntariamente do sistema, formando uma base de dados que já conta com mais de 100 mil registros de declarações que incluem dados georreferenciados sobre cerca de 250 espécies da flora e fauna, dados sobre ocorrência de 24 espécies da fauna de interesse para a conservação e dados sobre produção agrícola.

“Em locais onde a atuação de ongs e pesquisas se dá há muitos anos, as populações estão demandando resultados mais pragmáticos e concretos de melhoria de qualidade de vida, como geração de renda, acesso a saúde e serviços básicos”, diz Fabiano Silva, coordenador executivo da FVA. “Por isso, a gente tem que gerar resultados tangíveis para essas populações, porque eles estão um pouco cansados de doar dados sem ter retorno”, comenta.

De acesso exclusivo dos comunitários e pesquisadores envolvidos no monitoramento, os dados são fundamentais para se determinar se o uso dos recursos pelas comunidades é sustentável ao longo do tempo. A FVA contou essa experiência em uma publicação técnica sobre o desenvolvimento do SiMUR.

Também apresentado no CBUC, o livro Terra do Meio | Xingu, os saberes e práticas dos beiradeiros do Rio Iriri e Riozinho do Anfrísio é resultado da atuação do Instituto Socioambiental (ISA) nessa região do estado do Pará. Desenvolvido por 14 pesquisadores ribeirinhos capacitados pelo Programa Xingu do ISA, o livro é um amplo registro de tradições culturais, história e conhecimentos gerais sobre o modo de vida nessa região, que passou a ser protegida por unidades de conservação a partir de 2004.

“Nossa abordagem é ajudar os extrativistas a responder questões que eles queiram responder”, conta Marcelo Salazar, coordenador-adjunto do Programa Xingu do ISA.

Respondendo à necessidade de registrar seu próprio conhecimento, o grupo de pesquisadores comunitários entrevistou mais de 80 moradores da região, reunindo informações sobre o patrimônio cultural em um material que pode servir para as práticas de educação escolar e conteúdos pedagógicos usados em comunidades extrativistas que há décadas convivem com a floresta, em relativo isolamento social.

“Está crescendo o movimento de reconhecer que existe mais de um sistema de conhecimento de povos tradicionais, que tem suas bases, que tem sua forma de ser construído, de ser revisado, de evoluir, e o reconhecimento de um sistema de conhecimento é algo muito importante para o próprio desenvolvimento dessas comunidades”, acrescenta Marcelo.

Plataformas abertas
O IX CBUC também serviu de palco para o lançamento de três plataformas que aproximam gestores, beneficiários, pesquisadores e interessados em áreas protegidas de forma digital.

 

ImazonGeo – A nova versão do portal de geoinformação da ONG Imazon foi lançada também com aplicativo para celular. Agora, é possível enviar alertas sobre queimadas e desmatamentos em tempo real para a equipe da organização. Os dados são checados e as denúncias aprovadas são disponibilizadas no sistema, que fornece informações atualizadas sobre a situação, a dinâmica e a pressão em florestas e áreas protegidas da Amazônia brasileira.

Portal Proteja – Lançado em versão beta, a plataforma reúne as melhores fontes sobre unidades de conservação e terras indígenas, para facilitar o acesso ao conhecimento, incluindo ferramentas, séries, mapas, documentos e vídeos. Criado pelo Imazon, Ipam, ISA e Woods Hole Research Center, o Proteja resultado do esforço conjunto de organizações da sociedade civil, que reuniram milhares de terabytes sobre o tema em uma única plataforma. O cadastramento é gratuito e é possível contar histórias relacionadas às áreas protegidas, usando dados e recursos visuais do próprio sistema.

Somuc – O Sistema de Observação e Monitoramento de Unidades de Conservação é uma plataformas que traz dados e indicadores sobre ameaças e potencialidades para unidades de conservação da Amazônia. Voltado ao público diretamente ligado à gestão ou uso de áreas protegidas e seu entorno, o Somuc tem o objetivo de fornecer informações para apoiar a gestão territorial e ambiental de unidades de conservação, além de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Espaço Amazônia IX CBUC
Veja a lista completa e os links para os sites das organizações que fizeram parte do Espaço Amazônia do IX CBUC, evento realizado pela Fundação Grupo Boticário: Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas , Instituto Socioambiental (ISA), Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental, Wildlife Conservation Society (WCS) Brasil , Woods Hole Research Center (WHRC) e World Wild Fund for Nature (WWF) Brasil.

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